sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

DA LIBERDADE

Os meandros do poder são estratificados, razão pela qual a dinâmica é complexa, mas não impossível de se entender. Uma velha conhecida nossa, a burocracia, torna o processo político uma rotina cansativa, aproximando-nos do que se sucede aqui e ali. O caminho com níveis intermináveis faz as decisões serem mais morosas, e na maior parte das vezes é o povo, em sua porção mais pobre, que arca com os atrasos dos resultados que deveriam ser mais prementes.

E é essa burocracia que dá viabilidade à corrupção, porque demorado é chegar ao centro do ato, ao mandante, ao maior dos contraventores. As paredes são tantas, que a justiça alcança até certo ponto, e o ator principal da infração, a peça central do jogo político, sai imune quase sempre. A própria formatação do sistema molda uma redoma no alto escalão, e os mistérios só são desvendados na sua totalidade se o procedimento vier de cima para baixo.

O caso do ex-presidente Lula é o exemplo mais claro disso. Luiz Inácio desempenhou gestão produtiva, a mais bem sucedida da era pós-ditadura: embora não tenha melhorado a qualidade sensivelmente, expandiu o ensino superior, abrindo possibilidades para mais pessoas cursarem a faculdade e se estabelecerem no mercado de trabalho. Enfim, de modo geral, o petista elevou o nível sócio-econômico do brasileiro, botou mais gente com condições dignas de vida. Quando eu tinha 9 ou 10 anos e participava das excursões da escola para São Paulo, um local sempre visitado era o aeroporto, tamanho o ineditismo daquele lugar para a maioria de nós, não só pela baixa idade, mas porque simbolizava um luxo para pouquíssimos. Lula democratizou o que só uma restrita elite consumia.


Mas o dito cujo, muito provavelmente, não só sabia do mensalão, como foi articulador central. Por um único motivo: nada acontece no PT sem passar por Lula. O ex-estadista é quase um partido à parte, com força superior à sigla que ajudou a criar. Mas a denúncia proposta pelo Procurador Geral da República só conseguiu chegar a José Dirceu, então principal ministro do primeiro governo de Lula, ainda assim sem provas concretas da participação do companheiro no crime. O antigo governante é fruto e elemento da burocracia, aquela que impossibilita ou tarda o contato com o mundo real, fazendo das peças humanas quase que objetos virtuais.

E é justamente por isso que o governante precisa estar atento. A política é composta por níveis, que distanciam muitas vezes o representante de tudo, seja da corrupção, em que só os testas de ferro são pegos, seja das realidades que deve cumprir no local em que governa. E essa condição de intocável, de blindado, pode fazê-lo refém dos prazeres do cargo. O homem é vulnerável ao que a vaidade pede e a carne não resiste.

Mesmo sem pensar que o povo pode tirá-lo de lá ao fim do mandato, ou até antes, ao sentir-se na condição de ocupante perene da posição à qual foi alçado, mete os pés pelas mãos. Rotineiramente, passa a crer na sua esquizofrenia, no devaneio de achar-se proprietário daquilo que, em suma, é momentâneo e nem dele é. E, para agarrar-se à própria ilusão, começa a protagonizar desatinos, atitudes que contrariam as prerrogativas da liberdade, porque se desespera ao imaginar-se sem a coroa.


E o político, seja ele quem for, de onde for, há de saber que é natural este ou aquele discordar de algo e que isso é parte desse jogo que dura quatro anos. Afinal, se todos são a favor, que mérito há no trabalho? Por que impedir uma voz dissonante de falar, se o apontamento indesejado pode conduzir melhoras adiante? Não há motivos para abominar uma opinião discordante, pois cercear isso é contrapor o próprio viés democrático que o elegeu, é fazer com que os demais enxerguem no governante uma característica rechaçada. Bem aventurado o representante que tem o entendimento dessas saliências, e as aceita.

A política, ou tudo aquilo que nos conduz ao poder, à evidência, pode atiçar no homem as suas vocações mais ocultas. Quanto mais o detentor de cargo político fugir das paredes que o separam da sociedade e aproximar-se dela, dando à mesma a possibilidade de refutar o que julga incorreto, aumentam as chances de ser agraciado pela maioria, o requisito que dará ao político, de modo natural, a aprovação ansiada. Sem intimidar o direito às manifestações, sem tomar decisões extremadas, sem mostrar para a mesma maioria que a escolha feita nas urnas foi errada.