quarta-feira, 20 de novembro de 2013

NUM PARÁGRAFO, O FIM

O papel amassado, a tinta borrada e os dedos manchados denunciavam: aquela carta fora lida diversas vezes. Ela revisava frase por frase, uma palavra após a outra, na expectativa de ser dissuadida por um desfecho contrário ao que ficara explícito. Ela relia o parágrafo único sem resignação, como quem procurava uma linha a mais que portasse um “todavia”, um “porém ou um “mas”. Mas, não. A companheira, a mesma com quem enfrentara o preconceito da família e de toda a sociedade, partiu. O que tornava tudo tão incompreensível era o fato de não ter havido o olho no olho, uma troca qualquer de palavras. Talvez tivesse doído menos ouvir um “acabou, não te quero mais”. A escrita, ao contrário da oralidade, deixa em aberto o verdadeiro sentimento que motivou a atitude: “estaria ela com raiva, hesitante, decidida?”. Cada lágrima enxugada carregava consigo a esperança de não ter lido acertadamente o final trágico ou de encontrar uma explicação que pudesse ser esclarecida, e tudo voltaria a ser como sempre foi. Mas, não. Não existia um motivo lógico ou evidente: a mulher, que até a leitura da carta fora sua, deixou-a para não mais sê-la, não obstante uma lembrança terna da felicidade que se esvaiu. Simplesmente, acabou, como pode ser finito qualquer amor incapaz de se reinventar.