O
que é mais decadente: o jogo sujo de Eduardo Cunha [PMDB/RJ], botar um moleque
de 16 anos na cadeia ou a maioria esmagadora da sociedade compactuar com tudo
isso?
Quando
me posiciono contra a redução da maioridade penal não significa afirmar que pessoas
de 16 e 17 anos não cometam crimes, inclusive hediondos. Quem é favorável usa o
argumento de que alguém nessa idade “está matando outra pessoa agora”. É
provável que sim.
Só
que o meu questionamento é claro: enjaular o adolescente vai gerar algum
benefício – em especial a longo prazo – pra ele, pra você ou pra mim? Não vai.
Aliás, se tem uma coisa que as nossas penitenciárias estão aptas a fazer é
piorar o que já está ruim. No total, a população carcerária brasileira supera a
marca dos 600 mil detentos. Há um déficit de mais de 300 mil vagas. Resultado? Superlotação
de celas. Como pode haver eficiência num sistema assim? É óbvio que não há.
Aliás, no germe das penitenciárias do país não há qualquer preocupação em
ressocializar ninguém.
[Foto: www.diariodocentrodomundo.com.br] |
Mas
boa parte da sociedade – e a oposição no Congresso liderada por Eduardo Cunha –
não está muito preocupada com o perfil de quem sai da cadeia. E esse é o grande
erro, pois como no Brasil não há pena de morte [por enquanto] e nem prisão
perpétua, quem vai preso, cedo ou tarde, sairá. No mundo ideal, o apenado
deveria sair melhor do que entrou. Na prática, você e eu sabemos que isso não
acontece.
Mas
para os que são favoráveis à redução da maioridade pouco importa como alguém
sai da prisão. Na realidade, os presídios são vistos como calabouços: ‘joga os
caras lá, e foda-se’. É esse tipo de mentalidade que pauta o debate, tanto nos
espaços pomposos do parlamento, como à boca miúda aqui fora. E a gente continua
a confundir justiça com justiçamento, a ponto de ‘cidadãos’ espancarem e
amarrarem um assaltante a um poste. O nosso pé na história escravocrata ainda
está sujo. A nossa mão, que sempre foi afeita a segurar o chicote e acariciar a
tirania, também.
E
nessa violência de que somos vítimas e protagonistas, a derrota parece ser um
caminho sem volta. A gente não é capaz de lamber as próprias feridas, de
entranhar nas incongruências das nossas condutas, e fazer brotar um mínimo de
esperança. A flor se nega a crescer no asfalto. Nós nos apegamos, ansiosos,
àquilo que está posto a um palmo do nariz, somos incapazes de analisar,
pacientes, a conjuntura à distância e, dessa forma, cavamos o abismo sob os
pés.
[Foto: www.umparadoxo.com] |
Temos
em curso a votação de uma Proposta de Emenda Constitucional [PEC] que regula a
redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. De acordo com o Artigo 60 da
Constituição – que o nobre presidente da Câmara já fez questão de relativizar
duas vezes em 2015 –, para uma PEC se tornar válida são necessárias quatro
votações: duas na Câmara e duas no Senado. Em cada uma delas, é preciso haver a
aprovação de pelo menos 3/5 dos votantes, algo que aconteceu em 2 de julho, mas
que, curiosamente, um dia antes não houve. Se a proposta passar pelo segundo
turno da Câmara e pelas duas votações no Senado, segue para sanção ou veto da
presidente Dilma.
Caso
aprovada em todos os trâmites, daqui a 20 anos, a considerar o nosso mergulho
em uma realidade mais conservadora do que a atual, estará em discussão a
redução da maioridade penal para 14 ou 12 anos, e assim até a maioridade fetal.
Porque nós nos apegamos a números, e eles, mal encadeados, só repassam o
problema para outros âmbitos, dando a sensação de algo resolvido. Quando assim,
ele sempre volta pior.
Não tem mais a ver com partido ou ser favorável ou não a Dilma. Também não se trata de concordar ou não com o argumento tacanho "se está com pena de menor bandido, leva pra casa". Se querem legalizar o financiamento privado de campanha, se querem reduzir a maioridade penal, se querem instituir a pena de morte, enfim, se é objetivo desse parlamento embrutecer o espírito da democracia em nome de valores tiranos, o nosso papel é botar a mão no peito do fascismo e dizer: "aqui, não".
Não tem mais a ver com partido ou ser favorável ou não a Dilma. Também não se trata de concordar ou não com o argumento tacanho "se está com pena de menor bandido, leva pra casa". Se querem legalizar o financiamento privado de campanha, se querem reduzir a maioridade penal, se querem instituir a pena de morte, enfim, se é objetivo desse parlamento embrutecer o espírito da democracia em nome de valores tiranos, o nosso papel é botar a mão no peito do fascismo e dizer: "aqui, não".