sexta-feira, 7 de agosto de 2015

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: ignorância, fascismo e derrota

O que é mais decadente: o jogo sujo de Eduardo Cunha [PMDB/RJ], botar um moleque de 16 anos na cadeia ou a maioria esmagadora da sociedade compactuar com tudo isso?

Quando me posiciono contra a redução da maioridade penal não significa afirmar que pessoas de 16 e 17 anos não cometam crimes, inclusive hediondos. Quem é favorável usa o argumento de que alguém nessa idade “está matando outra pessoa agora”. É provável que sim.

Só que o meu questionamento é claro: enjaular o adolescente vai gerar algum benefício – em especial a longo prazo – pra ele, pra você ou pra mim? Não vai. Aliás, se tem uma coisa que as nossas penitenciárias estão aptas a fazer é piorar o que já está ruim. No total, a população carcerária brasileira supera a marca dos 600 mil detentos. Há um déficit de mais de 300 mil vagas. Resultado? Superlotação de celas. Como pode haver eficiência num sistema assim? É óbvio que não há. Aliás, no germe das penitenciárias do país não há qualquer preocupação em ressocializar ninguém.

[Foto: www.diariodocentrodomundo.com.br]

Mas boa parte da sociedade – e a oposição no Congresso liderada por Eduardo Cunha – não está muito preocupada com o perfil de quem sai da cadeia. E esse é o grande erro, pois como no Brasil não há pena de morte [por enquanto] e nem prisão perpétua, quem vai preso, cedo ou tarde, sairá. No mundo ideal, o apenado deveria sair melhor do que entrou. Na prática, você e eu sabemos que isso não acontece.

Mas para os que são favoráveis à redução da maioridade pouco importa como alguém sai da prisão. Na realidade, os presídios são vistos como calabouços: ‘joga os caras lá, e foda-se’. É esse tipo de mentalidade que pauta o debate, tanto nos espaços pomposos do parlamento, como à boca miúda aqui fora. E a gente continua a confundir justiça com justiçamento, a ponto de ‘cidadãos’ espancarem e amarrarem um assaltante a um poste. O nosso pé na história escravocrata ainda está sujo. A nossa mão, que sempre foi afeita a segurar o chicote e acariciar a tirania, também.

E nessa violência de que somos vítimas e protagonistas, a derrota parece ser um caminho sem volta. A gente não é capaz de lamber as próprias feridas, de entranhar nas incongruências das nossas condutas, e fazer brotar um mínimo de esperança. A flor se nega a crescer no asfalto. Nós nos apegamos, ansiosos, àquilo que está posto a um palmo do nariz, somos incapazes de analisar, pacientes, a conjuntura à distância e, dessa forma, cavamos o abismo sob os pés.

[Foto: www.umparadoxo.com]

Temos em curso a votação de uma Proposta de Emenda Constitucional [PEC] que regula a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. De acordo com o Artigo 60 da Constituição – que o nobre presidente da Câmara já fez questão de relativizar duas vezes em 2015 –, para uma PEC se tornar válida são necessárias quatro votações: duas na Câmara e duas no Senado. Em cada uma delas, é preciso haver a aprovação de pelo menos 3/5 dos votantes, algo que aconteceu em 2 de julho, mas que, curiosamente, um dia antes não houve. Se a proposta passar pelo segundo turno da Câmara e pelas duas votações no Senado, segue para sanção ou veto da presidente Dilma.

Caso aprovada em todos os trâmites, daqui a 20 anos, a considerar o nosso mergulho em uma realidade mais conservadora do que a atual, estará em discussão a redução da maioridade penal para 14 ou 12 anos, e assim até a maioridade fetal. Porque nós nos apegamos a números, e eles, mal encadeados, só repassam o problema para outros âmbitos, dando a sensação de algo resolvido. Quando assim, ele sempre volta pior.

Não tem mais a ver com partido ou ser favorável ou não a Dilma. Também não se trata de concordar ou não com o argumento tacanho "se está com pena de menor bandido, leva pra casa". Se querem legalizar o financiamento privado de campanha, se querem reduzir a maioridade penal, se querem instituir a pena de morte, enfim, se é objetivo desse parlamento embrutecer o espírito da democracia em nome de valores tiranos, o nosso papel é botar a mão no peito do fascismo e dizer: "aqui, não".