Há alguns anos, eu não
parabenizava as mulheres por julgar o 08/03 uma idiotice. O idiota era eu.
Hoje, eu continuo a não dirigir à mulher o já batido “parabéns pelo seu dia”. A
data está longe de ser uma tolice como eu mesmo julgava, mas a forma como o Dia
Internacional da Mulher é encarado, de um modo geral, quase sempre resvala em
afirmações do tipo “o que seria de nós sem vocês” ou nos inúmeros estereótipos desastrosos
que Michel Temer conseguiu incluir ontem em menos de um minuto de fala. Deu
saudade dos discursos de Dilma. Se fosse uma gafe – eufemismo que os
preconceituosos dão para justificar suas discriminações –, já teria sido uma
aparição desprezível. Mas não foi um deslize: aquele é o exato pensamento do
“presidente”, lamentavelmente em concordância com uma imensidão de brasileiras
e brasileiros.
Mas a data, em vez de servir para
dar esmolas às mulheres e colocá-las no protagonismo que não se vê nos outros
364 dias do ano, é de muita reflexão e coragem – não só por parte da mulher, diga-se.
Reflexão para entender as conquistas das últimas décadas, cenário que obriga o
homem a se reinventar também. A mulher continua fazendo o que sempre fez, e nos
espaços que passou a ocupar trouxe virtudes desconhecidas até então. Para quem
pensou na “beleza” como melhor recurso oferecido pela mulher, um aviso: rosto
ou corpo bonito não tem a menor importância no caldeirão de avanços que o mundo
teve com a incursão da mulher aqui e ali. Lembremos: as melhorias não foram
benevolências concedidas pelos homens. Vieram à custa de muita mulher na rua.
Logo, cabe ao homem fazer o
mesmo: empenhar-se em melhorar os seus atributos nos espaços que agora divide –
mesmo porque ganha um salário bem maior que a mulher no mercado de trabalho, ainda
que em cargos similares – e desempenhar
obrigações que, hoje, não são mais exclusivas da mulher – ou não deveriam ser. Já
passou da hora do homem dividir os afazeres domésticos, contribuir não só
financeiramente para o bom andamento do lar, participar ativamente da educação
dos filhos e, óbvio, entender que a roupa do dia, o lugar aonde ir, em
companhia ou solitária, a hora de ir e vir, o que vai falar, beber e comer, o
jeito de dançar, em que cama e com quem irá dormir são decisões que competem a
ela, e a ninguém mais.
Foi-se o tempo em que o homem
saía para trabalhar e a esposa – sempre bela, recatada e do lar – ficava em
casa providenciando as refeições, limpando a casa, lavando e passando roupa,
cuidando dos filhos, à espera da volta triunfal do marido. É isso que Michel
Temer ainda não entendeu (e possivelmente nunca entenderá). O mérito da mulher
não está cravado no território doméstico. Está na autonomia de fazer o que bem
entender de si mesma, algo que antes lhe era negligenciado pelos homens. Sem aceitarem
a igualdade, apelam ao machismo, ancorados em mentalidades arcaicas que só
servem para atentar contra direitos fundamentais.
E é por isso que o 08/03 é também
dia de coragem. Coragem porque muita mulher é ridicularizada no trabalho,
apanha em casa, é estuprada nas ruas. Coragem porque é senso comum não
distinguir a morte de um homem da de uma mulher em casos de violência. A
mulher, em larga porcentagem, é morta por ser mulher (o mesmo acontece com
negros e homossexuais). Há uma diferença que precisa ser estabelecida, e não
fazer isso é fomentar o preconceito.
Reflexão e coragem são exercícios
de todas e todos. Parece-me que numa sociedade democrática e republicana, não
cabe só à mulher lutar contra as opressões que lhe são impostas, a despeito de
ser mais do que pertinente a sua liderança em um movimento dessa natureza.
Defendo isso não por julgar a mulher incapaz de resistir isoladamente (tantas
já fizeram isso um sem número de vezes), mas por entender que o homem é parte
do todo, e seria muito cômodo simplesmente lavar as mãos diante de preconceito
tão evidente. Entretanto, se alguma mulher um dia disser que não quer a minha
militância ao lado dela, só me caberá acatar e torcer à distância para que ela
triunfe.