Eu já li quatro obras de
Shakespeare: Romeu e Julieta, a mais
fraca delas; O Rei Lear; Otelo; e aquela que, junto com Memórias Póstumas de Brás Cubas, de
Machado de Assis, é a maior que a literatura de ficção já produziu, Hamlet. Até tenho um quinto livro do
escritor inglês nascido no século XVI, mas só acessei o conteúdo por meio do
filme. Por duas vezes – a primeira no cinema e ontem (18) pela TV – assisti
a Macbeth: ambição e guerra (2015), dirigido
por Justin Kurzel, cujas atuações destacáveis ficam a cargo de Michael Fassbender e
Marion Cotillard.
O enredo traz aspectos
importantes da bibliografia shakespeariana, em sua faceta trágica: conspiração, culpa, traição e morte.
Macbeth (Fassbender) é general do exército escocês. Influenciado pela esposa,
Lady Macbeth (Cotillard), personagem forte, densa e igualmente assombrada pela morte precoce do filho, assassina o rei. Único a testemunhar o crime, Malcolm (Jack Reynor), o herdeiro do trono, é forçado a fugir. Macbeth e sua cúmplice, agora, são os únicos a ter ciência completa dos fatos. A condição de monarca cai no colo do conspirador do reino.
[Fonte: www.wicaonline.org] |
A partir daí, a sensação de
culpa, nos moldes de Crime e Castigo,
de Dostoiévski, toma conta de Macbeth, que, justamente por isso, surta. A
fragilidade do agora rei fica escancarada na sua incapacidade de lidar com as
traições e mortes das quais fora autor ou mandante. A esposa, vendo a fraqueza
do marido se transformar em tirania, tira a própria vida, talvez por perceber que
despertou em Macbeth o lado mais obscuro da vida: o receio de acontecer consigo
aquilo que ele causou aos outros.
Há que se destacar alguns pontos
da produção cinematográfica: a atuação do casal protagonista é brilhante. A
expressividade dos gestos, o texto bem fiel à redação de Shakespeare e a carga
dramática, com pertinência, que Cotillard e Fassbender deram aos seus
personagens, quase que compondo uma peça de teatro filmada, mostram que o filme
não se preocupou em popularizar a obra literária. A ambientação e a fotografia
dão uma carga ainda mais pesada à narrativa. Do contrário, talvez surgiria um
conteúdo mais acessível ao público, porém infiel à obra canônica.
Deixando de lado as sempre
injustas comparações entre livro e filme, Macbeth:
ambição e guerra contém 105 minutos de entretenimento consistente e
desafiador. Mas não é necessário se limitar à ficção. É quase inevitável não
buscar paralelo com a nossa realidade política em curso. Se a história é sofisticada
e o texto de difícil entendimento, não será trabalhoso ao espectador
identificar que a tragédia brasileira tem o seu Macbeth.