quarta-feira, 30 de abril de 2014

20 ANOS DA HISTÓRIA QUE NÃO TERMINA

Quase todos que me conhecem sabem que tenho Senna em alta consideração. Quase todos se lembram que, amanhã, completam-se 20 anos do acidente fatal em Ímola. Morte esta que ainda não foi explicada – e talvez nunca seja. A minha crença é de que o piloto sofreu um colapso nervoso ou algo do tipo. O estresse que sempre acompanhou o brasileiro, ainda mais em 1994 – quando a Williams sofria para se manter na pista –, fez com que ficasse desacordado, impossibilitando-o de virar o carro ou freá-lo.

Mas eu não vim aqui para conjecturar sobre a morte de Senna. Vim aqui para, primeiro, discordar das tentativas de transformar o ídolo em mito, como se o piloto tivesse só virtudes. Ayrton tinha defeitos como você e eu, e é desnecessário forçar a ele um pedestal que, nas pistas, o gênio construiu naturalmente. Senna acertava e errava, foi vítima e autor de jogo sujo. Enfim, foi de carne e osso, o que faz dele alguém ainda mais especial.


Não há necessidade de enfeitar o piloto, encher de artificialismos uma carreira vitoriosa. Mesmo com a morte prematura, Senna foi um monstro. Se foi melhor ou pior que Schumacher? Não sei. Está aí uma comparação dura de se fazer. O alemão conquistou sete títulos, algo que o brasileiro, provavelmente, não conseguiria, ainda que tivesse uma carreira completa.

Mas o número de títulos não é o único requisito para definir o melhor dos melhores. Há a inteligência, e Prost foi supremo nesse ponto, fato que lhe rendeu o apelido de professor. Só que Senna era capaz de fazer coisas inacreditáveis, e nisso ele foi insuperável – seja nos treinos classificatórios, seja na chuva, nos GP’s de Mônaco ou em Interlagos 91 e 93. Mesmo com carros sofríveis, Ayrton foi histórico.

GP da Europa - Donington Park 1993

 Ao subverter o previsível, anotou seu nome na relação dos grandes que fizeram época. Sem ser perfeito e intocável, Senna marcou a minha vida, como nenhum jogador do São Paulo FC ou da Seleção foi capaz de fazer.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

AOS HOMENS, PRAZER. ÀS MULHERES, DOR

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) corrigiu, há pouco, o dado mais discutido da sua pesquisa. Veio a conhecimento público, em 27 de março, que 65% dos entrevistados achavam que “mulheres que usam roupa curta merecem ser estupradas”. O índice correto é 26%. Há quem diga agora que todo o estardalhaço foi desnecessário. Este que vos escreve julga os 26% uma aberração. Se fosse 1%, ainda seria demasiadamente escroto.

O problema da pesquisa realizada pelo Ipea não é o fato de 26% dos entrevistados – e a maioria destes ser composta pelo público feminino – acharem a mulher que usa roupa curta culpada por ser estuprada. Sim, muita gente não julga o estuprador criminoso pelo ato de violência dos mais covardes de que se tem conhecimento. O problema é identificar que a mentalidade do brasileiro, ao menos em questões sexuais, continua conservadora e atrasada.

Primeiro que relacionar roupa à violência é, no mínimo, incoerente, tendo em vista que nada justifica uma agressão. Segundo, a roupa curta, no Brasil, deveria ser mais assimilada por todos, já que vivemos num país tropical, onde as temperaturas beiram o insuportável em determinadas épocas do ano. Do centro-oeste pra cima, são 365 dias de puro suor. É comum, logo, encontrar homens e mulheres com roupas de menos. Foi justamente assim que os portugas encontraram as índias nos idos de 1500.

Para 26% essa mulher merece ser estuprada

Isso à parte, é ilusão achar que a mulher não se veste para a conquista. É direito dela sair de casa tendo o desejo do sexo. O macho se pauta por essa prerrogativa quase o tempo todo. A roupa mais curta e insinuante não denota estupro, e sim a relação consentida. Ninguém, em sã consciência, deseja ser apanhado com violência. Nem mesmo a mulher “má intencionada”. E lembremos: quando o homem é visto com pouco vestuário, está ali algo que não choca.

Caímos, então, num dos tabus mais antigos: a criminalização da mulher. Porque se o homem sai com cinco numa noite, ele é foda. Mas se a mulher passa pelas mãos de cinco homens, “vagabunda” é o adjetivo mais carinhoso que irá qualificá-la. A explicação é simples: o sexo – ou o desejo, como preferir – sempre foi um direito exclusivamente masculino. A mulher foi concebida para saciar o desejo do outro, nunca o dela. A Igreja, é claro, tratou de aprimorar essa assertiva, concedendo à vilã requintes de crueldade. Eis que sob a tutela da religião, a mulher foi tratada como alguém quase sem humanidade e, como tal, isenta de vontades. Assim como Eva e Pandora, a mulher tem culpa no cartório desde sempre.

                                        
Estranhamente, o mesmo homem que recrimina a roupa curta da moça, olha pro seu quadril quando o rebolado é provocante. Quando a opinião contradiz a ação, temos os falsos moralismos, com doses cavalares de hipocrisia. Mais incompreensível ainda é observar a própria mulher a apontar o dedo pra outra, prova de que o machismo não é uma doença do homem, mas uma ideia que infesta cabeças de todos os gêneros.

Hoje, temos músicas, propagandas, filmes e novelas que abordam a liberação sexual instaurada na década de 60, numa luta travada por mulheres à frente de seu tempo. A diferença é que a mulher consome todos esses produtos, mas tem o poder de escolher para si que tipo de comportamento quer adotar. Já quando ela se vê confrontada pelo estuprador, a sua escolha é descartada. Durante a Idade Média, o mesmo.


O Brasil demonstra o atraso que sempre lhe foi característico. A sociedade apedreja a mulher que tem vontades, mas baixa a guarda para o homem violento. Em suma, o sexo sempre foi prática profana, com o ônus da culpa recaindo mais na mulher, especialmente quando esta tem o desejo. Porque é importante que você, mulher, lembre-se: a sua função é servir, não gozar. Avançar nessa questão parece um obstáculo e tanto.