Ao longo da história, é muito
comum aparecer um ou outro jogador que é catapultado a melhor do mundo, quiçá a
melhor de todos os tempos. Em geral, em épocas distintas: Pelé e Maradona
representam bem a disputa, sem que existam elementos em comum para rivalizá-los.
Como se não bastassem os argumentos de ambos os lados, temos um Brasil x
Argentina que sempre desperta grandes discussões.
Agora, não. Os dois jogadores que
dominam o futebol do planeta há dez anos pertencem à mesma geração. Cristiano
Ronaldo tem 33 anos e Messi, 31. Um joga no Real Madri, o outro, no Barcelona,
as duas principais equipes do mundo. Ambos praticam futebol sob as mesmas
condições táticas, físicas e instrumentais (gramados em situação idêntica, a
mesma excelência no material esportivo – chuteiras e uniformes de alta
tecnologia). Portanto, há uma tendência que praticamente nos obriga a botar um
acima do outro.
De partida, parece-me injusto
comparar os dois com base nos títulos que conquistaram. Os troféus são êxitos
de equipes, não de jogadores, ainda que um e outro tenham sido fundamentais nos
respectivos triunfos madridistas e barcelonistas. O fato de Cristiano ter uma
Eurocopa e Messi não ter conquistado a Copa América só prova uma coisa: Portugal
tem obtido melhores desempenhos e resultados do que a Argentina. Nada a mais
que isso. O máximo que podemos fazer é identificar qual foi mais decisivo nas conquistas
de seus respectivos clubes. Sinceramente, não consigo distinguir ambos neste
quesito, uma vez que Messi parece ter sido mais fundamental às conquistas do
Barcelona até um certo momento da carreira, mais precisamente 2015, enquanto
Cristiano Ronaldo o faz desde então.
[Fonte: www.soccerinfomania.com] |
Analisando cada um, comecemos com
Cristiano. Ainda que com um início de carreira promissor, já despontando como
bom atleta na seleção portuguesa e no Sporting, com menos de 18 anos, ninguém
apostava que o gajo fosse virar o jogador que virou. A mudança de patamar
ocorreu em 2009, quando decidiu sair da Inglaterra e atuar na capital espanhola,
embora àquela altura CR7 já ostentasse um troféu de melhor jogador do mundo
conquistado um ano antes defendendo o Manchester United. Ao se deparar
rotineiramente com Messi, estando no maior rival do Barcelona, o português foi desafiado
– e se desafiou – a aprimorar o seu jogo. O egocentrismo do português recebe
bem os desafios que se apresentam.
Costumo dizer que se Cristiano
não tivesse mudado de ares ou não comprasse a disputa com Messi, correria
sérios riscos de ser um jogador que chamasse a atenção por atributos fora da
alçada do jogo propriamente, algo muito próximo do que foi, por exemplo, David Beckham.
Cristiano se propôs a superar limites, enquanto o inglês atuou pelo estrelato
puro e simples. Cada um faz as escolhas que lhe parecem mais convenientes, de
modo que é só olhar à distância a carreira de ambos para concluir aquilo que se
insinua como óbvio: o português já está na seleta lista dos melhores da modalidade. Beckham já se perdeu na história.
Cristiano marca o segundo gol do Real contra o Barça na final da Supercopa da Espanha 2017
[Vídeo: Youtube]
A excelência do futebol de
Cristiano proveio de muito esforço. Como já dito, até certo ponto da carreira o
gajo era mais firula do que beleza, era mais marketing do que jogo. Os
treinamentos excessivos e o perfeccionismo de quase todo egocêntrico fizeram
dele o jogador mais completo que vi jogar: chuta bem com os dois pés, é exímio
cabeceador, tem ótimos domínio e passe. Em suma, domina como ninguém os
principais fundamentos do jogo. O grande mérito de Cristiano não é ter cinco
prêmios de melhor do mundo – com grande chance de conquistar o sexto em outubro
– sem que alguém supusesse isso. A virtude do português é se colocar na mais
nobre disputa do futebol, sem que se pudesse prever tal feito.
Já Messi tem outras
peculiaridades. Enquanto o jogo de Cristiano é baseado na velocidade e na
força, tornando o seu repertório previsível, os movimentos de Messi são surpreendentes.
Trata-se de um futebol mais vistoso, plástico, genial. Ou seja, o argentino é
mais talento que treino, de modo que a atuação de Messi é baseada no insight,
no improviso, e por isso é encantador vê-lo em campo. Surpreende o amante do
futebol a todo momento.
Messi abre o placar na final da Copa do Rei, em 2015, contra o Athletic Bilbao
[Vídeo: Youtube]
A dinâmica do seu jogo concatena
virtudes dos grandes jogadores da história: alta velocidade, controle da bola
muito próxima ao pé em movimentos progressivos, a ponto de cada passo (curto)
da corrida representar um toque na bola. Outro fator que potencializa a capacidade
do argentino: Messi inverte a direção da corrida com facilidade impressionante,
o que torna ainda mais difícil a tarefa de alguém abortar a sua jogada.
Como o futebol é modalidade
esportiva coletiva, seria injusto atribuir só a Messi o sucesso do seu jogo. O
melhor momento da sua carreira veio com o técnico Pep Guardiola, entre 2008 e
2012, hoje treinador do Manchester City. Na véspera de um duelo com o Real
Madri, já de noite, Guardiola ligou para Messi. O telefonema era para informar ao craque que o
Barcelona jogaria aquela partida sem centroavante, dando ao argentino a função
que ficou conhecida como “falso 9”. Nesta posição, Messi atuaria de forma
centralizada entre os volantes e os zagueiros adversários. O resto é história:
em pleno Santiago Bernabeu, o Barcelona enfiou 6x2 no Real Madri, em maio de
2009, com atuação estupenda do argentino.
Real 2x6 Barça: o jogo que mudou o patamar de Messi e estabeleceu novos parâmetros no futebol, graças a Guardiola
[Vídeo: Youtube]
Depõe contra Messi, especialmente
no atual momento, que ele dá mostras de que já atingiu o auge, e agora passa
pela trajetória descendente da carreira, ao contrário de Cristiano, que,
justamente aos 33 anos, vive o seu melhor momento. Raro no histórico dos
jogadores de futebol, uma vez que já considerada idade tardia.
O problema das comparações entre
Messi e Cristiano é que, invariavelmente, os defensores de um julgam necessário
desmerecer o outro. É a mesma mania do liberal que diminui Marx, assim como parte da
esquerda o faz com Adam Smith. O bom senso recomenda botar ambos no panteão dos
grandes pensadores, de sorte que preferir um a outro está mais ligado à identificação do que a critérios objetivos.
A discussão majoritária entre
quem ama futebol é o velho maniqueísmo de um ou outro. Como se não fosse
possível entender que ambos são brilhantes, e baita honra a nossa ter a
possibilidade de ver os dois a todo momento. Talvez quando Messi e Cristiano
encerrarem suas carreiras e a gente fizer o exercício de olhar para trás, haverá
mais requisitos à nossa disposição para um comparativo menos injusto. Ainda
assim, se a dúvida pairar e alguém entender que a minha opinião é importante,
direi aquilo que já afirmei quatro anos atrás: regozije-se a Messi.
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