Me preocupa
quando as discussões perdem o foco. Joga-se fora uma boa chance de se discutir,
verdadeiramente, um problema, e as soluções e o entendimento de tudo ficam mais
distantes. É aí que o senso comum parece dominar as ações, e o discurso igual
vira uma peça de dominó caindo sobre outra, sem parar. O mesmo é dito,
repetido, e a nossa acomodação tem o hábito de aceitar o que já está posto por
um grande número de pessoas.
Quando se fala em
estupro, é o que acontece. A conversa
sobre o assunto sempre descamba para o aborto, ao invés de se voltar ao
estuprador. A atuação é em cima do efeito, quando deveria ser, primeiro, sobre
a causa. O problema do estupro não é se a vítima deve ter ou não o direito a
retirar o feto, indesejado e concebido da forma violenta que foi. A preocupação
capital nessa questão é criar mecanismos para que uma outra mulher não venha a
sofrer isso e o culpado de ação tão desprezível seja punido.
Cena do ótimo Irreversível, filme de Gaspar Noé |
Não tenho uma
opinião definitiva sobre em que situação o aborto deva ou não ser legalizado,
mas o fato é que, perante um caso de estupro, interromper a gestação não
resolve nem metade dos problemas da mulher atacada. Em grande parte, os
transtornos são de ordem psicológica. Hoje, eu cravo que se deve lançar mão de
sacrificar a vida em gestação apenas em casos de riscos à mãe. Anencefalia,
talvez.
Pela lógica,
voltando ao estupro, já que aquele descendente surgiu de forma tão abominável –
por intermédio de ato sexual não consentido –, que se providencie uma pílula do dia seguinte à vítima, em até
três dias posteriores ao ato. Não deixa de ser um aborto, mas uma medida bem
menos agressiva ao feto e, principalmente, à mulher.
No caso da última
semana, ocorrido no Rio, o problema da gravidez, secundário nessa questão, se
resolve rápido, evitando a hipótese do aborto. Essa deve ser a última medida,
ao invés da primeira. Isso tudo sem pensar no viés religioso, mas sim no
humano, no que concebemos como menos acintoso. Preocupar-se mais com a
interrupção da gravidez do que com o estupro em si é, mesmo que indiretamente, ser
conivente com o ato. O aborto não exclui o que a mulher sofreu.
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