O poder abomina o
protesto. Na imensa maioria dos casos, há na manifestação um resquício de
revolução, e a investida revolucionária tem como principal mote reverter o
sistema vigente. Ou seja, quem está no topo da pirâmide é visto pelos “meros
mortais” como a causa de boa parte dos males sociais. A melhora requer mudança.
Foi com vistas à manutenção do poder intocável que Portugal, no início do século XIX, criou a
primeira polícia militar no Brasil (mais precisamente no Rio de Janeiro, um ano após a vinda da família real ao país), justamente
para manter o que os poderosos chamam de “ordem”. A “ordem”, nesse e em
diversos outros casos da nossa história, significa: “não aceitamos perder ou dividir o poder com o povo e, por isso,
reprimimos qualquer movimento contrário a nós”.
A PM nasce para
abafar as ondas de protestos contra a monarquia e o império, isto é, falamos
aqui de um organismo que tem, em seu DNA, aversão às liberdades de todos os
tipos. Mais tarde, a polícia fora acionada para frear os grupos contrários à
escravidão. Quem exigia mudanças políticas, econômicas e sociais, estava contra
o governo. E se o Estado sofre pressão, quem aparece para protegê-lo? A polícia,
é claro.
O que a política
e seus aparelhos de repressão tardam a compreender é que a liberdade de ir e
vir é inerente ao ser humano, é como o combustível para a própria vida, é a
necessidade encalacrada no instinto e na racionalidade, almejando sempre o
benefício do indivíduo e da sua convivência com o mundo.
Avançando no
tempo, chegamos a junho de 2013, o ano que já entrou para a história do país,
porque o povo renasceu. Especificamente o dia 13, uma quinta-feira, mudou o
destino das reivindicações. Mas não só. Outra instituição, além da PM, precisou
rever seu modus operandi, pois saltou
aos olhos a deformidade do seu trabalho: a imprensa.
Os que detêm a
imprensa, especialmente a escrita e eletrônica de grande apelo, são magnatas do
ramo da comunicação. Na maioria dos casos, não são proprietários de um canal de
TV ou jornal, mas encampam monopólios e conglomerados, algo fruto da
livre-iniciativa do capitalismo e da conivência corrupta de governos, além de
ser, descaradamente, uma configuração nociva ao Estado Democrático de Direito.
Era de se esperar
que o jornalismo dessa gente graúda não visse com bons olhos a invasão das
ruas, as palavras de ordem, tudo aquilo que uma sociedade minimamente
organizada e consciente necessita reiterar aos quatro cantos. O que a grande
mídia não esperava é que ela, sempre intacta, seria alvo. Foi aí que Veja e principalmente a Globo
sofreram.
Bonner precisou deixar
de acompanhar a seleção brasileira na Copa das Confederações, legando o papel a
Galvão, e retornou ao estúdio do JN para acudir Patrícia Poeta. A cobertura do
telejornal no dia 14 foi histórica: nada de generalizar, nada de julgar todo o
movimento como vandalismo, baderna, depredação. O jornalismo da Globo finalmente fizera aquilo que é
dever da imprensa: cobrir os fatos como eles são e resguardar a sociedade, e
não o poder, ora pois.
Quando decidiu
pela mudança editorial, o JN admitiu algo muito elementar: “até ontem fizemos o jornalismo do patrão, o
noticiário pertinente ao poder abastado. Agora que isso não passa despercebido
pela população, é preciso fazer as coisas do modo correto”. A guinada
ocorreu muito em função também da ação arbitrária e violenta da PM frente aos
manifestantes. Era impossível concordar com tudo aquilo que aconteceu no dia
13.
Foi a partir daí
que o jornalismo da emissora passou a aceitar o movimento, pois ele era
“pacífico na sua grande maioria”. Curioso um protesto de tamanhas proporções
mudar de quinta para sexta, como numa trama mágica. Na essência, o clamor das
ruas sempre foi o mesmo, com o teor da não-violência. O que mudou, por força do
povo – dono majoritário de qualquer emissora de rádio e TV –, foi a cobertura
jornalística: não se tornou tendenciosa ao contrário, só ficou mais justa,
equilibrada.
Os rebeldes – no
sentido mais sadio que o termo possui – continuaram pacíficos e o grupo se fez
maior. Aumentou, pois os jovens, que apanharam covardemente da PM (aquela que
defende o Estado e não o povo, aquela que bate em professor nas reivindicações
por melhores salários), foram auxiliados no dia seguinte pelos seus pares,
culminando nas manifestações dos dias 17 e 24, dois dos momentos mais
empolgantes da nossa história recente.
O poder emana do
povo, e só dele. Mais cedo ou mais tarde, de um jeito ou de outro, será sempre
o povo a dar as cartas. É fundamental que a PM e os brutamontes da imprensa
entendam isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário