Não vi as fotos, não sei se vieram acompanhadas de texto,
tampouco a autoria. Independente disso, meus caros ex-alunos, não botem tal
desserviço na conta do jornalismo. Se o autor é formado ou não, a atuação dele
não foi condizente com as prerrogativas básicas da imprensa, não podendo,
assim, ser definido como um profissional da área. No máximo, executou mal a função que lhe cabia.
Além do mais, essas coisas de ética não se ensinam em sala
de aula. Estão contidas na atuação do profissional (e do antiprofissional) as
experiências de toda uma vida. A formação do indivíduo como pessoa e a sua
concepção de mundo estão em jogo, muito mais do que as aulas semanais da
disciplina de Ética e Legislação que
o sujeito teve ou deixou de ter ao longo de um mísero semestre da faculdade.
Quando a imagem chocante, seja ela estática ou em movimento,
não carrega consigo informação, a sua intenção é meramente a do espetáculo. Crânios
desfigurados e corpos esquartejados não informam, só estarrecem. Nessas circunstâncias,
o texto necessita dar conta dos requintes de crueldade, e olhe lá. Na maioria
dos casos, o indicado é executar o mais simples: “Fulano, 40, médico, morador
do centro de São Paulo, sofreu um acidente na rodovia Castelo Branco e não
resistiu aos ferimentos, vindo a falecer no caminho para o hospital”.
Registrar imagens e publicá-las são atividades acessíveis a
muitos hoje (especificamente a quem tem, no mínimo, um celular com câmera e um
pacote de internet móvel). A isso se dá o nome de jornalismo cidadão – expressão que têm o meu total desprezo. Mas o
trabalho jornalístico transcende a meras questões mórbidas e de tecnologia. Falamos
aqui em apuração, clareza, verossimilhança, interesse público e os limites
básicos que qualquer atuação profissional requer.
Já leu a excelente obra de Capote? Sensacionalismo? |
Importante destacar que o sensacionalismo não se materializa
apenas numa imagem grotesca marcada por destruição e sangue. O sensacionalismo
está no discurso apelativo, piegas e mal feito, buscando artificialmente
sensibilizar a massa. Está, também, na repetição constante de imagens, ainda
que estas não contenham qualquer tipo de tragédia. Enfim, o sensacionalismo é o
recurso dos menos capazes, usado quando todas as alternativas já foram
implementadas ou quando as mesmas são desconhecidas, pois carece o seu autor do
repertório técnico, teórico, ético, científico e filosófico da área. Talvez falte,
de igual modo, um tiquinho de sentimento, zelo pela comoção alheia, o que
convencionamos chamar de humanidade.
Isso à parte, é desanimador saber que muita gente em meio à sociedade
se satisfaz com essas aberrações (lembram-se do efeito catártico?: o
sujeito se impressiona com a cena, mas fica inconscientemente aliviado, pois a
vítima não foi ele, e sim o outro). O sensacionalismo nada mais é do que a
vertente utilitarista do jornalismo: ele faz um trabalho que podemos julgar
imoral, mas visa tão somente a maximização da felicidade. Ou seja, se a maioria
aprova a ação (e isso, no jornalismo, dá-se com audiência), não importa se ela –
a ação – é ou não questionável. O utilitarismo tem como fundamento central o
resultado, e não a intenção baseada em princípios racionais. Já o
intencionalista age movido pelo pressuposto kantiano de deontologia. Isto é, dane-se o resultado, o objetivo final, os índices de audiência. A bandeira
do deontólogo é realizar o dever por amor
ao dever.
E a cobertura do sequestro da menina Eloá Pimentel? |
Evitemos o processo de execração do autor das fotos e de sua
veiculação. Ele irá arcar com o ônus do equívoco cometido e haverá a chance de
se redimir na próxima iniciativa. Lembremos: o fato de alguém agir imoralmente
não significa que ele seja igualmente abominável, a não ser que a prática passe
a ser rotineira.
Por tudo isso, ao me perguntarem qual a utilidade das disciplinas
teóricas num curso de jornalismo, ao me deparar com estudantes desprezando as
matérias mais pesadas, eis aí uma boa resposta: Filosofia, Sociologia, Antropologia, Economia, Teorias da Comunicação
e pastas afins têm como função abordar o campo da comunicação sob a sua dimensão
mais crítica. A ideia de faculdade é
justamente essa: a de proporcionar uma noção mais horizontal e ampla da
realidade, permitindo que se contextualize o fato com os diversos campos de
conhecimento. Por isso, os cursos
técnicos, no âmbito das ciências humanas e sociais aplicadas, são insuficientes. Saber apertar botão, enquadrar imagem, postar-se diante da
câmera, imprimir o tom de voz adequado, construir o lead não bastam para cumprir a tarefa de informar.