Há exatos 50 anos o Brasil era derrotado pelo regime
militar. Vigorando entre 1964 e 1985, o golpe – e não revolução, por favor – legou ao país cinco generais (Castello
Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo) ao posto de presidente, em
eleições, obviamente, sem a participação do povo. Em resposta às reformas de
base de João Goulart, ocupante legítimo do cargo maior, os militares tomaram o
país de assalto, não sem o apoio de veículos da grande mídia, de setores importantes
da sociedade civil, parcela da Igreja Católica e retaguarda do governo dos EUA.
Foram 21 anos de exílios, censura, torturas, execução e sumiço de cadáveres,
tudo tendo como protagonista aquele que deveria zelar pelo inverso de todas
essas aberrações: o Estado. O resto é o que a história nos conta, embora muitos
brasileiros façam questão de não entender. Livros, filmes e o Memorial da
Resistência, na Estação Pinacoteca, em São Paulo, podem auxiliar os mais
desinformados.
Corredor ao fundo de quatro celas do antigo DOPS (Memorial da Resistência - Estação Pinacoteca - São Paulo) |
A rigor do fato, nenhum país merece ser governado por
militares. E por quê? Pelo simples fato da sociedade ser, em sua maioria, civil.
É contraditório ao extremo dar a alguém fardado o poder de gerir uma nação que
é essencialmente civil. Esse é o primeiro ponto. O segundo é que existe um
risco temerário em entregar a alguém armado o poder máximo de um país. Se a
Polícia Militar, por exemplo, protagoniza aberrações em governos civis, imagine
o que ela faria – como de fato fez entre 64 e 85 – num regime militar. Aos milicos
cabem duas obrigações muito específicas e claras: proteger as fronteiras do
país contra perturbações que possam vir de fora (exército, marinha e aeronáutica)
e manter a ordem interna, função pertinente à PM, tudo com base no Estado
Democrático de Direito.
Analisando a questão sob os vieses da Antropologia e da Filosofia,
conceder o poder a um general significa recusar a evolução por que passou a
espécie humana. O homem, por natureza, é anárquico (sem governo), ou seja, ele
nasce sob a égide do “todos contra todos”. Quando a população aumenta e os indivíduos
se veem incapazes de administrar os próprios desejos, surge a necessidade de ter
alguém como aquele que os representará. Saímos, então, da anarquia para a arquia (governo),
e o primeiro mandatário é um tirano (ou déspota). Uma única pessoa, assim,
concentrava os poderes político, econômico, sacerdotal e MILITAR. Os tempos
mais remotos da pré-história já haviam mostrado que um governante armado tende
ao autoritarismo e a todos os excessos que deste provém.
Evidentemente, o modelo se mostrou ineficaz, porque o uso da
violência era tamanho que os indivíduos não tinham em mãos o mote de sua luta:
a vida boa. À medida que a inteligência se desenvolvia, a população buscava
formas mais vantajosas de se viver bem. Do mesmo modo que deliberou sair do
estado de natureza para o regime tirano, optou também por sair desde e
engendrar pela política, na sua forma
mais louvável que conhecemos até hoje: a democracia. É em Atenas que os
habitantes – nem todos, é verdade – passam a discutir e definir rumos para a
realidade em que viviam. É nesse momento que aparecem as leis. São elas que
diferenciam o Estado Despótico do Estado Democrático de Direito. Enquanto naquele
a autoridade se encontra acima de tudo e todos, neste a legislação submete,
indiscriminadamente, governantes e governados. Em tese, temos aí o princípio da isonomia.
Por isso é que, em 64, o Brasil não deu um passo para trás. O
Brasil se jogou num abismo de retrocesso, talvez o mais torpe de que fomos
vítimas e protagonistas. Do ponto de vista dos direitos humanos, é possível que
tenha sido o segundo pior momento em toda a nossa história, só sendo superado
pelos absurdos da escravidão. Os que defendem os militares alegam que havia
mais segurança, menos corrupção e a economia crescia a passos largos. Vamos por
partes.
A violência, de fato, era menor, pois a sociedade brasileira
somava, nas décadas de 60 e 70, a metade do que é hoje, quando muito. Isso sem
mencionar a violência perpetrada pelo próprio Estado, por meio do seu
instrumento mais perverso, a PM. Não é preciso ser muito engajado para saber
que essa modalidade de violência não chegava ao conhecimento de grande parte da
sociedade da época. Mas o pior de tudo isso é saber que os torturadores e
assassinos não pagaram – e nem pagarão – pelos atos sumários.
Quanto à corrupção, a diferença entre hoje e 50 anos atrás é
a difusão de notícias na mídia. Nos anos de chumbo, com a imprensa censurada,
raramente passavam informações que denunciavam as mazelas do governo, cenário
oposto ao que temos hoje, em que veículos perturbam – por vezes injustamente –
políticos e partidos que, inclusive, detêm o poder. O jornalismo toca nas
feridas da política, especialmente quando lhe é conveniente, algo que era
impossível no período em que as redações eram frequentadas pelo pessoal fardado.
Para não falar das empresas midiáticas que tinham como trabalho principal
blindar os militares. Citam-se, aqui, as Organizações Globo, sempre a bater continência
e a abanar o rabo à gente dos quartéis.
Na economia, no auge do dito “milagre brasileiro”, o país
chegou a impressionantes 13% de crescimento, mas as desigualdades nunca foram
tão grandes. Hoje, o país se expande menos, mas a diferença entre classes
regrediu. Há problemas na economia, na segurança pública, na educação, na saúde
a serem resolvidos. Os presidentes civis – Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e
Dilma – não solucionaram questões que ainda são fundamentais, mas a melhor
maneira de equacioná-las é pela via democrática, pois só ela permite o debate,
a discordância, o aperfeiçoamento das ideias. Enfim, só a democracia oferece ao
povo – o principal beneficiado da política – a chance de ele decidir sobre os
rumos que quer tomar.
Fica bastante evidente que a ditadura militar e os seus
adeptos simbolizam um retrocesso, um déficit de inteligência que não combina
com os progressos humanos. É simples entender qual forma de governo é melhor,
se democracia ou ditadura: se você vive num país livre, mas tem opinião
favorável ao autoritarismo, a sua manifestação estará garantida, sem que
qualquer democrata o coloque num camburão para ser torturado. Mas se você vive
num país fechado e expressa opinião em favor da democracia, os ditadores não
hesitam e te fazer passar pelas piores sensações, justamente aquelas a que nem um
animal merece ser submetido.
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