Amanhã (13) está prevista no Senado a votação em 2º turno da PEC 51 (antiga PEC 241, quando tramitou na Câmara), que estabelece o teto
para os gastos públicos até 2036. No último dia 30, a Proposta de Emenda à Constituição foi aprovada em 1º turno com 61 votos favoráveis e 14 contrários. Como já passou pela Câmara, caso tenha nova adesão superior a 3/5 da casa, a PEC fica aprovada, sem a necessidade de sanção presidencial. O objetivo de Michel Temer é que toda a tramitação
ocorra este ano para que, em 2017, as regras passem a valer. Saúde e Educação
entram na contenção em 2018.
Os
repasses serão feitos com base na quantia empenhada no ano anterior, corrigida
pela inflação dos últimos 12 meses. Botando na ponta do lápis, o principal
pecado dessa política fiscal é não proporcionar aumentos reais aos investimentos,
congelando-os no parâmetro da inflação, além de viabilizar perdas ao longo de
20 anos, no comparativo com os índices atualmente despendidos. As medidas valem
por duas décadas, mas daqui a dez anos o presidente em exercício poderá
revê-las. Antes disso, só por meio de outra PEC.
Mas
a PEC 55 acaba por falhar também no diagnóstico. Um déficit fiscal pode ser gerado
por dois problemas: muito gasto ou pouca receita. Temer quer atacar o primeiro,
quando o déficit do Brasil está, fundamentalmente, no segundo. O país não gasta
mais do que deveria. Basta ir a uma escola ou hospital público para entender
isso. Então, se a receita cai, é preciso encontrar formas de reavê-la. Em nota,
o Conselho Federal de Economia (Cofecon) rechaçou a PEC e explicou os motivos
do seu posicionamento. No vídeo abaixo, Laura Carvalho, professora da Faculdade
de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, fala sobre a Proposta,
seus erros e exageros e em que caminho deveria seguir a política fiscal
brasileira.
Que
o país precisa reequilibrar as suas contas, isso é inegável. Culpa de Dilma,
que deveria ter revogado, em 2013 (e não dois anos depois), a política de desoneração
fiscal e concessão de créditos, que foi tacada certeira de Lula em 2008 para
amenizar os efeitos do epicentro da crise: a quebra do mercado imobiliário dos
EUA. A bancarrota norte-americana, aliada à decisão tardia de Dilma de
reformular a política econômica (por interesse eleitoreiro), pôs o Brasil na
conjuntura atual: desemprego em alta, déficit no orçamento e recessão. Pior: as
conquistas inéditas de doze anos de gestão do PT (2003-14) – avanços que nenhum
outro governo ousou gerar – sofrem retração.
Mas
uma coisa é tomar medidas pontuais, proporcionais ao problema vigente. Outra é
o que Temer quer fazer. Se a estimativa é que o país volte a crescer no próximo
ano ou no mais tardar em 2018, por que estipular um teto de gastos públicos
para as próximas duas décadas? É verdade que um PIB positivo não implica
orçamento no azul. É provável que o déficit perdurará por mais de dois anos.
Mas exagero achar que levará duas décadas para sair do vermelho. Como já dito,
cortar despesas é importante, mas não pode ficar na afirmação vazia e genérica.
É preciso pontuar que áreas sofrerão cortes (maiores e menores) e quais, por
questões de necessidade básica, ficarão de fora. O resto é neoliberalismo vazio.
Alguns
gastos são fundamentais, dentre os quais estão saúde e educação. Se com os
investimentos atuais escolas e hospitais deixam a desejar, engessar o orçamento
voltado às duas áreas é decretar a falência de ambas. Sendo assim, o mais
coerente seria tirar saúde e educação do contingenciamento e, para o resto,
regular os gastos. Numa comparação com o ambiente doméstico – Temer adora esse
tipo de paralelo! –, é como se eu tivesse a necessidade de cortar gastos por
estar desempregado. O que faço, então? Duas listas: uma com as necessidades elementares
e outra, com as supérfluas. Não posso deixar de comprar alimentos básicos e
água. Aí entra a segunda lista: cortar a TV a cabo, sair menos aos finais de
semana, deixar de fazer uma viagem programada, comprar menos roupas, calçados,
objetos para a casa.
A PEC e os bilhões de
reais em perdas
Segundo
a Nota Técnica nº 28, de Fabiola Sulpino Vieira
e Rodrigo Benevides, publicada em setembro pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento
e Gestão, em 20 anos de gastos congelados a Saúde pode perder até R$ 1 trilhão
em investimentos. O pretexto do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de que
o montante atual é suficiente, não condiz com a realidade. Em 2013, o Brasil investiu
em saúde, por habitante, um total de US$ 591. A Argentina, no mesmo ano, colocou
o dobro: US$ 1.167. Se comparado ao gasto dos EUA com cada cidadão, a
disparidade é ainda maior: os norte-americanos investiram, per capita, US$ 4.307,
sete vezes mais que o Brasil.
Se fosse aplicada há 20 anos, a PEC só não teria sido prejudicial em 2003 [Fonte: Fabiola Sulpino Vieira e Rodrigo Benevides/Ipea] |
Ainda
de acordo com o estudo, outro problema a que a PEC 55 parece não atentar é o
envelhecimento da população brasileira. Com mais idosos, a demanda do SUS vai
aumentar, algo incompatível com a medida tomada por Temer. Isso prova duas
coisas: os governos do PT não conseguiram solucionar esse gargalo do país e o
problema do Brasil não é só a alocação dos gastos, como argumenta Meirelles. Segundo
os autores do estudo, o problema é de gestão e investimento. Enfim, falta
gastar melhor, como afirma o ministro, mas falta dinheiro também, e ele será
ainda mais escasso na vigência da Proposta.
Outra
área de relevância social que sofrerá com a contenção de investimentos é a
assistência. Em outro estudo do Ipea, intitulado “O novo regime fiscal e suas
implicações para a política de Assistência Social no Brasil”, de Andrea Barreto
de Paiva, Ana Claudia Cleusa Serra Mesquita, Luciana Jaccoud e Luana Passos,
investimentos em programas como o Bolsa Família cairão quase pela metade em 20
anos: de 1,26% do PIB, em 2015, para 0,7% daqui a duas décadas. Em valores, as
perdas podem chegar a R$ 868 bilhões até 2036 (Fonte: Folha de S. Paulo).
Na
educação, se vigorar pelos próximos 20 anos, a PEC irá gerar perdas na ordem de
R$ 480 bilhões, segundo dados da Consultoria de Orçamento e Fiscalização
Financeira da Câmara apresentados na coluna de Jânio de Freitas, no
último dia 16, também na Folha de S. Paulo. O argumento de que a população
brasileira vai envelhecer e, com isso, o número de crianças e jovens irá
diminuir, reduzindo também a demanda por escola, seria sólido, não fosse o
déficit atual entre o que é investido em educação e o que é preciso fazer para
torná-la um lugar melhor. Em resumo, é impensável diminuir o orçamento da área.
Quanto maior for o crescimento do PIB, menor será o percentual de investimento em saúde
[Fonte: Fabiola Sulpino Vieira e Rodrigo Benevides/Ipea]
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Por
outro lado, os programas que oferecem subsídios e desoneram tributos do setor
produtivo, a chamada “bolsa empresário”, não sofrerão cortes, como apresentou matéria da Folha de S. Paulo. O
custo disso em 2017: R$ 224 bilhões a menos nos cofres da União, ou seja, 3,4%
do Produto Interno Bruto. Em valores correntes, a política fiscal para o ramo
garante uma fatia do orçamento sete vezes maior que a destinada para o Bolsa
Família (R$ 29,7 bi), bem acima também dos investimentos em saúde (R$ 94,9 bi)
e educação (R$ 33,7 bi). Aliás, os valores postos em saúde e educação somados,
excetuando gastos com pessoal, atingem pouco mais da metade do que o governo
deixa de arrecadar junto ao setor de produção.
O pano de fundo da crise e
as reais motivações de Temer
A
partir daí, algumas constatações: é falacioso o argumento de que os encargos
trabalhistas impedem mais contratações: se de um lado as empresas e indústrias
arcam com custos elevados, por outro o Estado assopra a ferida. Segundo:
importante que o setor produtivo não perca força por ser gerador de emprego,
mas não entrar no contingenciamento, ainda que mínimo, comprova que o objetivo
de Temer não é equilibrar as contas, e sim implementar o projeto denominado “Uma ponte
para o futuro”, que, segundo ele, não foi aderido por Dilma. Justamente por
isso – e não porque Dilma cometera crime de responsabilidade – houve a troca da
presidente pelo vice no Planalto, segundo o próprio beneficiário do processo,
Michel Temer.
Isso
demonstra que Temer e sua equipe econômica parecem não entender de... economia,
mesmo mal que acometia a ex-presidente e seu time. O capitalismo é um modo de
produção cuja característica principal é o trajeto em uma linha curva. Trocando
em miúdos – e quem tem mais de 30 anos como eu já pôde perceber –, a economia
capitalista é oscilante: ela progride e o momento mais próspero é sucedido por
uma crise, a partir da qual é preciso se reorganizar para voltar a crescer.
Pois bem. Se o capitalismo é cíclico, por que estabelecer uma medida que será
válida por 20 anos? Ela é apropriada para um período de recessão, mas o Brasil,
como já dito, irá se recuperar antes de 2036. Aliás, é provável que o país
passe por pelo menos outras duas crises econômicas até lá. Na fase superavitária,
não há motivo para manter o investimento vinculado à inflação. Neste caso,
recorrer à receita líquida volta a ser a melhor alternativa. Em suma, é uma
medida muito duradoura e austera para um cenário que não será o mesmo ao longo
duas décadas.
O papel da dívida pública
no orçamento da União
Quando
se discute o orçamento, alguns pontos como saúde, educação, cultura, programas
sociais, infraestrutura, salário mínimo e previdência sempre estão em voga, na
mira dos cortes, justamente os parâmetros que fazem a diferença para ampla
porção da sociedade brasileira. Mas a maior fatia do orçamento da União é
destinada a pagar a dívida pública e os seus juros.
Essa
dívida é composta por três componentes: dívida interna em mercado, dívida
externa e encargos no Banco Central. Somados, eles atingiram em 2015, segundo relatório anual do Tesouro Nacional, um
montante bruto de R$ 778,1 bilhões. O orçamento reservou R$ 162,2 bilhões para
saldar a dívida. E os R$ 615,9 bi restantes? São liquidados pela União: o governo emite títulos da dívida e os põe à
venda para sanar o déficit do orçamento com o dinheiro arrecadado. Os títulos são
comprados no mercado por investidores – convenhamos, o trabalhador que vive com
um salário mínimo por mês não participa da brincadeira. Esse jogo só aceita
grandes fortunas. Quem adquire títulos passa a ser credor do Estado, pois, em
troca, quer ser ressarcido com o pagamento de juros. Este percentual pode estar
vinculado ao câmbio, à taxa Selic e à inflação.
Isso
significa que os credores, além dos bancos, ganham – e muito! – com inflação,
dólar e taxa básica de juros altos. Não é difícil entender por que índices que
seriam melhores à população estando baixos tendem a permanecer altos,
especialmente a Selic. O Bradesco, em 2015, isto é, com o país já em crise,
teve lucro de R$ 17,1 bilhões, aumento de 14% em relação a 2014 (Fonte: G1). Na hora de sangrar o
orçamento, a dívida e os seus juros não “entram na faca”. Em setembro deste
ano, ela atingiu, em valores correntes, R$ 3 trilhões (dívida + juros). De
acordo com o Plano Anual de Financiamento, a dívida pode chegar, ao final de
2016, a R$ 3,3 trilhões, o equivalente a mais da metade (55,9%) do PIB
registrado no ano passado (R$ 5,9 trilhões) (Fonte: G1). O vídeo a seguir explica o que é a dívida pública, para
que serve e como é usada.
O discurso, a prática e as
alternativas
Se
Temer estivesse preocupado em cortar gastos para a recuperação da economia
brasileira, poderia tomar outras medidas: diminuir cargoscomissionados,
taxar as grandes fortunas, conter as regalias do Executivo, Legislativo e
Judiciário, cortar gastos com propaganda oficial – da qual o novo “presidente”
tem abusado bastante. Entre manter privilégios ou direitos, a PEC 55 preserva os primeiros. Poderia
também, em tempos austeros, não oferecer coquetel e jantar para mais de 400
convidados, cujo cardápio foi risoto, massa, vinho importado e salmão. Banquete
pago com o nosso dinheiro e que Temer, republicano que não é, recusou-se a
divulgar. A estratégia? Agradar a base aliada nos dias que antecederam a votação
da PEC em primeiro e segundo turnos na Câmara. Claro que o valor não faria
diferença para fechar o orçamento, mas se a ordem é conter gastos, é prudente
evitar jantares pomposos.
Outra
máxima do discurso do governo é o caos. A PEC é pregada como a salvação da
lavoura. Sem ela, o país quebra. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, vislumbrou
a catástrofe, afirmando que sem o teto dos gastos o Brasil vira o Haiti. Conclusão
tão exagerada quanto falsa. Mas a receita é antiga, conhecida e habitual em regimes
políticos com feições de tirania: o governo planta o medo na população e ele
mesmo – e só ele – oferece o remédio para combater o problema. Contando com
apoio irredutível do povo, temeroso por momentos difíceis, qualquer ação
governamental está legitimada. Foi assim que Bush tocou o terror no mundo em
praticamente toda a primeira década do século XXI.
Em
tempos de polarização política, maniqueísmos e ódio, é importante não misturar
alguns conceitos: o fato de se ter feito oposição a Dilma não implica abanar o
rabo para tudo o que o sucessor faz. Por incrível que possa parecer, assim como
a ex-presidente, Temer comete erros e age por interesse próprio e de quem o
colocou na presidência. Independentemente do partido e da pessoa que se
encontram no poder, é preciso discernir a doença do remédio, o problema real da
aparente boa intenção em saná-lo, para que daqui a alguns anos a história não
nos impute a vergonha.