sexta-feira, 14 de outubro de 2016

SER PROFESSOR

O texto pode soar doutrinário, mas a minha intenção não é legar à humanidade um modo universal de lecionar. Mesmo porque não atingi o que proponho aqui e, quando o fizer – se é que o farei –, será hora de repensar outros parâmetros, ampliar as fronteiras, uma vez que o passar do tempo se incumbe de gerar novas ansiedades em quem chega à escola. Naturalmente, isso impõe a quem nela já está a necessidade de atualizar-se.

Aqui, hoje, em comemoração ao Dia do Professor, apenas constarão a maneira como enxergo a escola e qual entendo ser a atuação do docente e, não menos importante, do estudante no processo de ensino-aprendizagem. É só uma forma de refletir sobre a profissão e homenagear todas e todos que se dedicam à sala de aula – e outros espaços de escolarização – com compromisso celibatário.

[Foto: www.blog.andi.org.br]
Ser professor é ter o domínio da epistemologia referente à disciplina da qual está à frente. Estar alheio ao conhecimento produzido na área seria determinar a morte prematura do estudante. O ambiente escolar pressupõe, claro, as sedimentações da história, mas também as novas demandas do mundo. O pensamento produzido pela ciência, desde que encarado de modo crítico, contribui para a formação do acadêmico. A teoria pressupõe atualização de conceitos e o percurso histórico das investigações científicas. Sabê-los é compreender a evolução da área e o contexto que redundou no momento atual. No caso do Jornalismo, minha área de atuação, é imprescindível apresentar as primeiras publicações impressas e as circunstâncias em que se estabeleceram. Porém é preciso discutir, igualmente, de que forma jornais e revistas podem sobreviver em um cenário dominado pela tecnologia. Essa é apenas uma dentre tantas discussões que o curso pode fazer.

Mas para ser professor não basta isso. Porque sem didática – ou seja, os recursos de exposição do conteúdo e dinâmicas de atividades para fazer a teoria ser compreendida pelo estudante –, o docente é como um livro fechado: o conteúdo está lá, mas se não chega a quem de fato importa, de que adianta? Conhecer as teorias é o ponto de largada. No entanto, sem a didática o competidor não cruza a linha de chegada. Se a escola não se presta a realizar o aprendizado do estudante – e isso só se dá na transformação da teoria em conhecimento, justamente por meio da didática do professor –, melhor seria o docente ficar em casa, ruminando o que sabe na solidão de sua própria companhia. Dependendo da didática, o professor transforma o estudante em aluno, mero espectador de um monólogo. Dependendo da didática, o estudante atua, produz, provoca o docente, desafiando-o a sair das caixas do positivismo, do pragmatismo e de tantos outros “ismos” que ainda atormentam a academia.

Trecho do livro "Extensão ou Comunicação?", de Paulo Freire, publicado em 1968.
[Foto: Thiago Cury Luiz]
Para fechar o tripé, o lado humano não é carta fora do baralho. Parece óbvio, mas não custa lembrar: o professor não é alguém que, na intimidade do seu trabalho, aperta parafusos. A companhia do docente é o estudante, a sua razão de ser, o pedaço que falta para sentir-se inteiro. O discente é quem dá sentido ao professor, a fazer deste alguém ainda admirado, com algum reconhecimento. Ao professor, ter o entendimento de que a escola não pode reproduzir as relações de opressão de que a sociedade já está repleta é fundamental para que a sala de aula cumpra o seu papel de fomentar a cidadania, um dentre diversos princípios democráticos que precisam ser postos em diálogo nos espaços de ensino-aprendizagem. A escola, definitivamente, não deve se limitar ao mero tecnicismo da transmissão de conteúdo, tal como transferimos arquivos de uma pasta para o outra no computador.

Um saravá às professoras e professores que fazem do ofício uma proposta de vida; aos docentes que tanto me ensinaram; aos colegas e companheiras, sem deixarmos de refletir acerca do que podemos fazer para melhorar o que aí está, peitando os retrocessos que as políticas governamentais tentam nos impor com PECs e "escola sem partido"; e aos estudantes, a outra metade da nossa existência, os que nos fazem voltar no dia seguinte com a esperança de que é possível fazer diferente e melhor.

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