quarta-feira, 18 de março de 2020

Um país sem governo em tempos de crise

Foi-se o tempo em que as falas evasivas, as narrativas forjadas e flambadas na mentira despudorada e o alerta ao inimigo imaginário davam conta da sede de riso. O apelo ao ridículo, aos subterfúgios toscos e às frases de mau gosto - quando não ofensivas a mulheres, homossexuais e negros -, já desgastado, agrada bem menos que outrora. Venerar ideias tortas como terraplanismo, vilipendiar a educação, vomitar impropérios contra a cultura e desdenhar do meio ambiente só afagam a sanha dos fanáticos, que, por natureza, não têm a menor noção do que seja o processo político e a sua manifestação mais louvável, a democracia. Os cães raivosos ainda ladram, é verdade, mas vão minguando. O extremismo temperado no ódio tem prazo de validade curto: a conta começa a chegar. Não adianta espernear: quem tem credenciais de miliciano jamais será estadista.

A encalacrada em que nos metemos ainda viverá os seus dias mais tristes. Sim, o pior está por vir, e o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que despontava até ontem (17) como a fagulha de lucidez em meio a um bando de idiotas - cujo chefe dispensa apresentações -, já declinou. O único integrante do governo que valoriza a capacidade de pensar parece ter se rendido às frituras promovidas pelo "gabinete do ódio", um antro de disseminação de fake news que não perdoa os que fogem do script. A depender do presidente, criatura destemperada, despreparada e corrupta, o Brasil estará em maus lençóis. Façamos nós o trabalho que as lideranças se recusam a cumprir e evitemos enviesar a discussão: a Covid-19 não tem viés ideológico e acomete, indistintamente, liberais, conservadores e reacionários.

Não será fazendo arminha com as mãos, à base de conversa fiada ou com postura irresponsável, colocando em risco vidas alheias, que o Brasil irá superar o cenário preocupante imposto pelo coronavírus. Pode apostar: a bravata, o culto à ignorância e a retórica de "histerias" e "fantasias" não vão impedir que idosos sofram em demasia. As mortes já começam a surgir. É imperativo proteger as pessoas de idade. Rezar é ato bem-vindo aos que creem, mas, ante a gravidade da conjuntura, é preciso ir além.

Sem aptidão para manusear uma máscara,
Bolsonaro escancara o seu despreparo durante coletiva de imprensa concedida hoje (18)
[Fonte: Twitter]
Sugiro dois movimentos: inteligência e empatia. Empatia para ter a consciência, mesmo sem a opressão da lei, de que é importante evitar aglomerações, pois ainda que não apresentando sintomas do vírus, é possível portá-lo e transmiti-lo a outras pessoas, aquelas dos grupos de risco (idosos, hipertensos, diabéticos, asmáticos). Empatia também para ter muito cuidado, mas não pânico: estocar alimento e outros produtos em excesso só vai deixar ainda mais vulneráveis as pessoas em condições socioeconômicas desfavoráveis. Se o problema é coletivo, atos de individualismo tendem a aprofundar a crise.

O outro vetor é inteligência. Inteligência para pensar táticas e propor investimentos que mobilizem o nosso aparato científico e tecnológico a dar respostas à propagação do vírus. Inteligência, igualmente, para articular as universidades públicas, centros de pesquisa e agentes de saúde em torno de um projeto que preze por ações concretas, não sem antes reconhecer que o panorama é grave, mas possível de ser revertido. Não se enfrenta e vence um desafio dessa amplitude fomentando idiotices e discursos desconectados do drama humano que vivenciamos. Em contextos como o atual, a incapacidade de liderar salta aos olhos, posto que se comportar como um sujeito caricato é dramaticamente insuficiente em tempos de fragilidades.

Outras crises dessa natureza vieram e foram superadas. China, país populoso e epicentro inicial do vírus, e Taiwan, nação vizinha e de tamanho menor, por exemplo, vão tendo êxito. Não à toa: investimento maciço em recursos que confrontam o problema em âmbito local, algo que só pode ocorrer se, a priori, houver um corpo de pessoas - do governo e da sociedade civil - que esteja disposto a refletir acerca das alternativas para virar o jogo, e agir. Mas é necessário que alguém dê a bandeirada indicativa de um caminho, função esta reservada ao principal representante da nação, em que pese o fato da cadeira da Presidência da República ser ocupada por um arremedo de gente.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Sobre o orgulho de ser quilombola*

Escrito por Telegram**

Um cerrado com pequenas árvores tortas e folhas secas caídas ao chão. Uma imagem bela que representa tanta história de um povo sofrido que não deixou de lutar pelo seu território, que foi tomado por fazendeiros grandes, que tiraram eles de suas terras. Onde o solo tem sangue e suor de muitos descendentes que sofreram para manter seu lugar para seus futuros filhos e netos. Um cerrado onde têm vários climas e segredos que muitas vezes nem são revelados por ser um hábito guardar seus costumes dentro de seus terreiros, onde tem cultura maior de vivência de um povo que planta com alegria, mas, ainda no fundo, com aquele medo de sofrer tudo o que já passou. Orgulho de ser negro que vai à luta sem perder seus costumes e vivência de um povo feliz por estar em suas terras, de tempos que a fé era única solução para acabar com aquela angústia de dor e sofrimento. Sentados ao chão com armas em suas cabeças, único pensamento era rezar para o seu protetor, um Santo com muita bênção.

Para obter experiência transmídia e desfrutar de uma narrativa mais completa sobre o quilombo e seus problemas e virtudes, acesse a CANÇÃO DO ORGULHO QUILOMBOLA, música composta e cantada por professoras e moradoras de Mata Cavalo, disponibilizada no Anchor.

*A crônica, composta por uma estudante da Escola Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda no quilombo Mata Cavalo, é resultado de um trabalho colaborativo entre a comunidade e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (Gpea).

** Em virtude do sigilo imposto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Humanidades), Telegram é codinome dado a uma das participantes da pesquisa de Doutorado [2016-2019] intitulada “Fenomenologia transmidiática: cartografando o clima em Mata Cavalo”, cuja autoria é de Thiago Cury Luiz, sob a orientação da Profa. Dra. Michèle Sato.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Rituais aos climas*

Escrito por Snapchat**

A vida que traz,
Vida que leva
Rituais bem feitos.

A esperança que, mais uma vez,
Nos traz com o que faremos,
Como faremos.

Aquele povo que mais uma vez acredita
Que faz sentido, que tudo acredita,
Que vê, e muito mais, ele sente,
Não mudou.

E a conexão com os rituais forma o que eles são,
Seja ele feito ao sol, à chuva, ao frio, à primavera.

A maior importância e o que deve ser feito se fez.

--> Para obter experiência transmídia e desfrutar de uma narrativa mais completa sobre o quilombo e seus problemas e virtudes, acesse o perfil no Instagram [@thiago_c_luiz] e veja a galeria de fotos sobre a ÁGUA. <--

*O poema, composto por uma estudante da Escola Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda no quilombo Mata Cavalo, é resultado de um trabalho colaborativo entre a comunidade e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (Gpea).

** Em virtude do sigilo imposto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Humanidades), Snapchat é codinome dado a uma das participantes da pesquisa de Doutorado [2016-2019] intitulada “Fenomenologia transmidiática: cartografando o clima em Mata Cavalo”, cuja autoria é de Thiago Cury Luiz, sob a orientação da Profa. Dra. Michèle Sato.

O clima é nossa inspiração*

Escrito por Twitter** e Michèle Sato

AR – aquele que respiro.
Principal em minha vida,
Mexe minha alma,
Equilibra meu corpo.

Dá vida a todo ser vivo,
Canta na água,
Pinta na terra,
Dança no fogo,
Emoldura no ar.

Aquele transparente,
Que faz as asas baterem,
Os cabelos levantarem,
Com força e com delicadeza.

Aquele responsável
Pelo equilíbrio dos corpos
Em movimento e repouso.

Aquele que faz todos viverem,
Mas que nem todos conseguem ver.

O clima e os fenômenos
Exigem cuidados,
Sem desmatamento da natureza,
Sem poluição das águas,
Sem destruição dos humanos.

Vamos cuidar da Terra,
Contra os dragões do vento,
Nas brisas da esperança.

--> Para obter experiência transmídia e desfrutar de uma narrativa mais completa sobre o quilombo e seus problemas e virtudes, veja o vídeo do pôr-do-sol de Mata Cavalo, com o som dos insetos ao fundo, disponibilizado no YouTube. <--

*O poema, composto por uma estudante da Escola Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda no quilombo Mata Cavalo, em parceria com a Profa. Dra. Michèle Sato, é resultado de um trabalho colaborativo entre a comunidade e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (Gpea).

** Em virtude do sigilo imposto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Humanidades), Twitter é codinome dado a uma das participantes da pesquisa de Doutorado [2016-2019] intitulada “Fenomenologia transmidiática: cartografando o clima em Mata Cavalo”, cuja autoria é de Thiago Cury Luiz, sob a orientação da Profa. Dra. Michèle Sato.

Carta ao GPEA*

Escrito por Twitter**

Assim como esse vento da vida pode bater em mim por meio de pétalas lindas, ele trouxe para mim amizades vivas e inesquecíveis.

É engraçado como as coisas acontecem: pessoas que jamais imaginava conhecer fizeram em mim flores brotar e crescer.

Pessoas incríveis, que me transmitiram essas sensações com sorrisos, abraços, fotografias, poesias, músicas, palavras e olhares... e CLIMA!

Obrigada vocês, pessoas lindas, por trazerem um colorido novo em minha vida.

--> Para obter experiência transmídia e desfrutar de uma narrativa mais completa sobre o quilombo e seus problemas e virtudes, ouça os bichos do quilombo Mata Cavalo, áudio disponibilizado no Anchor. <--

--> Outra experiência possível ocorre acessando o perfil no Instagram [@thiago_c_luiz], na galeria de fotos sobre a AR. <--

*O áudio captado por uma estudante da Escola Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda no quilombo Mata Cavalo é resultado de um trabalho colaborativo entre a comunidade e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (Gpea).

** Em virtude do sigilo imposto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Humanidades), Twitter é codinome dado a uma das participantes da pesquisa de Doutorado [2016-2019] intitulada “Fenomenologia transmidiática: cartografando o clima em Mata Cavalo”, cuja autoria é de Thiago Cury Luiz, sob a orientação da Profa. Dra. Michèle Sato.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Messi e CR7: a interminável discussão sobre quem é o melhor


Ao longo da história, é muito comum aparecer um ou outro jogador que é catapultado a melhor do mundo, quiçá a melhor de todos os tempos. Em geral, em épocas distintas: Pelé e Maradona representam bem a disputa, sem que existam elementos em comum para rivalizá-los. Como se não bastassem os argumentos de ambos os lados, temos um Brasil x Argentina que sempre desperta grandes discussões.

Agora, não. Os dois jogadores que dominam o futebol do planeta há dez anos pertencem à mesma geração. Cristiano Ronaldo tem 33 anos e Messi, 31. Um joga no Real Madri, o outro, no Barcelona, as duas principais equipes do mundo. Ambos praticam futebol sob as mesmas condições táticas, físicas e instrumentais (gramados em situação idêntica, a mesma excelência no material esportivo – chuteiras e uniformes de alta tecnologia). Portanto, há uma tendência que praticamente nos obriga a botar um acima do outro.

De partida, parece-me injusto comparar os dois com base nos títulos que conquistaram. Os troféus são êxitos de equipes, não de jogadores, ainda que um e outro tenham sido fundamentais nos respectivos triunfos madridistas e barcelonistas. O fato de Cristiano ter uma Eurocopa e Messi não ter conquistado a Copa América só prova uma coisa: Portugal tem obtido melhores desempenhos e resultados do que a Argentina. Nada a mais que isso. O máximo que podemos fazer é identificar qual foi mais decisivo nas conquistas de seus respectivos clubes. Sinceramente, não consigo distinguir ambos neste quesito, uma vez que Messi parece ter sido mais fundamental às conquistas do Barcelona até um certo momento da carreira, mais precisamente 2015, enquanto Cristiano Ronaldo o faz desde então.

[Fonte: www.soccerinfomania.com]
Analisando cada um, comecemos com Cristiano. Ainda que com um início de carreira promissor, já despontando como bom atleta na seleção portuguesa e no Sporting, com menos de 18 anos, ninguém apostava que o gajo fosse virar o jogador que virou. A mudança de patamar ocorreu em 2009, quando decidiu sair da Inglaterra e atuar na capital espanhola, embora àquela altura CR7 já ostentasse um troféu de melhor jogador do mundo conquistado um ano antes defendendo o Manchester United. Ao se deparar rotineiramente com Messi, estando no maior rival do Barcelona, o português foi desafiado – e se desafiou – a aprimorar o seu jogo. O egocentrismo do português recebe bem os desafios que se apresentam.

Costumo dizer que se Cristiano não tivesse mudado de ares ou não comprasse a disputa com Messi, correria sérios riscos de ser um jogador que chamasse a atenção por atributos fora da alçada do jogo propriamente, algo muito próximo do que foi, por exemplo, David Beckham. Cristiano se propôs a superar limites, enquanto o inglês atuou pelo estrelato puro e simples. Cada um faz as escolhas que lhe parecem mais convenientes, de modo que é só olhar à distância a carreira de ambos para concluir aquilo que se insinua como óbvio: o português já está na seleta lista dos melhores da modalidade. Beckham já se perdeu na história.

Cristiano marca o segundo gol do Real contra o Barça na final da Supercopa da Espanha 2017
[Vídeo: Youtube]

A excelência do futebol de Cristiano proveio de muito esforço. Como já dito, até certo ponto da carreira o gajo era mais firula do que beleza, era mais marketing do que jogo. Os treinamentos excessivos e o perfeccionismo de quase todo egocêntrico fizeram dele o jogador mais completo que vi jogar: chuta bem com os dois pés, é exímio cabeceador, tem ótimos domínio e passe. Em suma, domina como ninguém os principais fundamentos do jogo. O grande mérito de Cristiano não é ter cinco prêmios de melhor do mundo – com grande chance de conquistar o sexto em outubro – sem que alguém supusesse isso. A virtude do português é se colocar na mais nobre disputa do futebol, sem que se pudesse prever tal feito.

Já Messi tem outras peculiaridades. Enquanto o jogo de Cristiano é baseado na velocidade e na força, tornando o seu repertório previsível, os movimentos de Messi são surpreendentes. Trata-se de um futebol mais vistoso, plástico, genial. Ou seja, o argentino é mais talento que treino, de modo que a atuação de Messi é baseada no insight, no improviso, e por isso é encantador vê-lo em campo. Surpreende o amante do futebol a todo momento.

Messi abre o placar na final da Copa do Rei, em 2015, contra o Athletic Bilbao
[Vídeo: Youtube]

A dinâmica do seu jogo concatena virtudes dos grandes jogadores da história: alta velocidade, controle da bola muito próxima ao pé em movimentos progressivos, a ponto de cada passo (curto) da corrida representar um toque na bola. Outro fator que potencializa a capacidade do argentino: Messi inverte a direção da corrida com facilidade impressionante, o que torna ainda mais difícil a tarefa de alguém abortar a sua jogada.

Como o futebol é modalidade esportiva coletiva, seria injusto atribuir só a Messi o sucesso do seu jogo. O melhor momento da sua carreira veio com o técnico Pep Guardiola, entre 2008 e 2012, hoje treinador do Manchester City. Na véspera de um duelo com o Real Madri, já de noite, Guardiola ligou para Messi. O telefonema era para informar ao craque que o Barcelona jogaria aquela partida sem centroavante, dando ao argentino a função que ficou conhecida como “falso 9”. Nesta posição, Messi atuaria de forma centralizada entre os volantes e os zagueiros adversários. O resto é história: em pleno Santiago Bernabeu, o Barcelona enfiou 6x2 no Real Madri, em maio de 2009, com atuação estupenda do argentino.

Real 2x6 Barça: o jogo que mudou o patamar de Messi e estabeleceu novos parâmetros no futebol, graças a Guardiola
[Vídeo: Youtube]

Depõe contra Messi, especialmente no atual momento, que ele dá mostras de que já atingiu o auge, e agora passa pela trajetória descendente da carreira, ao contrário de Cristiano, que, justamente aos 33 anos, vive o seu melhor momento. Raro no histórico dos jogadores de futebol, uma vez que já considerada idade tardia.

O problema das comparações entre Messi e Cristiano é que, invariavelmente, os defensores de um julgam necessário desmerecer o outro. É a mesma mania do liberal que diminui Marx, assim como parte da esquerda o faz com Adam Smith. O bom senso recomenda botar ambos no panteão dos grandes pensadores, de sorte que preferir um a outro está mais ligado à identificação do que a critérios objetivos.

A discussão majoritária entre quem ama futebol é o velho maniqueísmo de um ou outro. Como se não fosse possível entender que ambos são brilhantes, e baita honra a nossa ter a possibilidade de ver os dois a todo momento. Talvez quando Messi e Cristiano encerrarem suas carreiras e a gente fizer o exercício de olhar para trás, haverá mais requisitos à nossa disposição para um comparativo menos injusto. Ainda assim, se a dúvida pairar e alguém entender que a minha opinião é importante, direi aquilo que já afirmei quatro anos atrás: regozije-se a Messi.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Star Wars: por que é desperdício assistir à saga como entretenimento puro e simples

*O texto a seguir contém spoilers.

Diante de uma obra de arte complexa – seja ela de que natureza for –, há um benefício e um prejuízo ao conhecê-la tardiamente: é passível de lamentação porque nos damos conta de que algo tão bom poderia ser visto antes, mas, por outro lado, entrar em contato com uma produção cultural já com maturidade permite apreender significados que não seriam captados numa idade menor, sob um repertório mais limitado. Prefiro levar o último argumento em conta para justificar o meu encontro inédito, no último final de semana, com os sete episódios de Star Wars, como forma de me preparar para a estreia mundial do próximo longa da série, quinta-feira, dia 14.

Logo na primeira trilogia – episódios IV, V e VI – já é possível constatar que George Lucas concebeu uma história à frente de seu tempo, fazendo dele uma figura genial não só com lugar cativo na história do cinema – como roteirista, produtor e diretor –, mas também no âmbito da literatura de ficção, como autor/escritor. Tentemos entender por que o norte-americano é tudo isso e mais um pouco, conduzindo a reboque a sua obra para o patamar das maiores produções cinematográficas com registro na história. O meu relato traz percepções originais a partir dos sete longas, sem que eu me permitisse fazer qualquer tipo de pesquisa a respeito da história e dos filmes.

Toda a sequência é permeada, especialmente os episódios de I a VI, por aquilo que defino como dois grandes conceitos, cujo domínio do autor é flagrante, e que ficam evidentes em Star Wars: Filosofia e Mitologia. O controle por parte de Lucas de diferentes teorias e narrativas é tamanho, que não restam dúvidas de que todo esse arcabouço é usado sem despretensão. Não há ali nada que seja involuntário, sem querer. As recorrências que o autor faz à filosofia e à mitologia são cirúrgicas, e isso fica transparente em uma narrativa densa, compassada e que não confunde o espectador, embora exija deste um olhar bastante atento.

No campo da Filosofia, é possível identificar conteúdo consistente sobre conhecimento, ética e política. A respeito da epistemologia [ou Teoria do Conhecimento], o autor dilui ao longo da sequência cenários que se apropriam dos quatro elementos da natureza: ar, terra, fogo e água. No vídeo abaixo, entenda que referência o autor utiliza para abordá-los, tendo ainda na Alegoria da Caverna, de Platão, uma outra ancoragem da sua narrativa:


No âmbito da ética, os guerreiros Jedi prezam pelo dever. Para eles, é preciso ter em mente que ser um guardião da galáxia impõe certos sacrifícios, aos quais qualquer um de nós está suscetível: os dilemas entre aquilo que queremos e podemos, mas não devemos fazer. Estamos aí no coração da filosofia moral de Immanuel Kant, pensador alemão do século XVIII, fundador da corrente ética denominada deontologia: pautado pelo imperativo categórico, ou seja, agindo de tal forma que a máxima da conduta possa se tornar lei universal, o indivíduo pauta suas ações em princípios, ainda que o resultado delas não seja positivo. A intenção é o fundamento da moral kantiana, em oposição ao pensamento pragmático de Maquiavel, italiano do século XVI, cuja assertiva é “os fins justificam os meios”, sendo permitida, neste caso, qualquer ação para conquistar o objetivo traçado, mesmo que isso fira [física ou moralmente] outras pessoas envolvidas. Está claro, no antagonismo complexo entre pai [Anakin] e filho [Luke], quem adere a uma e à outra corrente.

Por fim, acompanhe no vídeo a seguir uma análise sobre como o cineasta transita pelos conceitos da teoria política:


Saindo da filosofia, Lucas se ancora muito na mitologia de origem grega. A oposição entre caos e ordem é presente o tempo todo nos sete episódios. Impossível não mencionar a explicação que a mitologia grega dá à origem do universo. No princípio de tudo, era o caos, representado pelos Titãs, uma vez que as divindades na tradição grega são imanentes e múltiplas [politeísmo], e não transcendente e única [monoteísmo] como no judaico-cristianismo e no Islamismo. Os deuses Titãs rivalizaram com os Olimpianos, aqueles que pretendiam estabelecer - e foram bem sucedidos - a ordem no cosmos.

Nessa esteira, é imperativo recorrer a outro elemento da mitologia grega: os conflitos entre pai e filho, sempre muito presentes na literatura e na história do período clássico. O líder dos Titãs era um deus chamado Cronos [tempo], que rivalizou com seu pai, Urano [céu], um dos primeiros deuses a existir, juntamente com Gaia [terra] e Caos [queda]. Cronos, ao pressupor que teria o mesmo fim de seu pai, tratou de se resguardar, enquanto pôde, da ameaça dos próprios filhos, destino que foi selado no confronto com o mais novo deles, Zeus. Outro exemplo se encontra na história escrita por Sófocles: Édipo, ao nascer, teve a própria vida encomendada pelo pai, Laio. Não sendo bem-sucedido o assassinato, anos depois ambos, sem saber das identidades de um e outro, se encontram, e o fim é o mesmo: o pai é morto pelo filho. Outros dois episódios, esses comprovadamente verídicos e mais conhecidos pelo senso comum, podem se encaixar nesta reflexão: Alexandre Magno, durante muito tempo, foi considerado mandante da conspiração que matou seu pai, Filipe II, rei da Macedônia, nação que já dominava a Grécia. A seguir, conhecemos a história do imperador romano Marcus Aurélio, morto pelo filho Commodus. A narrativa de Star Wars não poupa elementos dessa natureza, seja com Anakin e Luke, seja com Han e Ben, cujo desfecho é a morte dos pais pelos próprios filhos. Mais mitologia grega que isso, impossível.

Ainda no campo mitológico, Star Wars é carregado de elementos bíblicos: [1] O fruto proibido, o amor que não poderia se consumar pela possibilidade de desencadear desgraças (Anakin e Amidala são a metáfora do casal que protagonizou o pecado original, Adão e Eva); [2] Bem x Mal; [3] Luz x Trevas; [4] a ideia de alguém “escolhido” [referência ao Messias], pobre, em meio à escravidão e sem pai [é o caso de Anakin e, por que não, de Moisés e do próprio nazareno], em quem todo um povo deposita a esperança de libertá-lo da opressão [menção a hebreus/judeus]; [5] a separação da mãe para cumprir o seu destino, tendo a possibilidade de escolhê-lo ou recusá-lo [é muito Jesus pro meu gosto!]; [6] uma tal Ordem 66, já na transição da República para o Império, numa citação ao número da Besta [666]. Com evidência, são elementos que caracterizam a sequência. Porém, há um que, logo de cara, dá uma chave importante para desvendar os enigmas da obra: o nome Skywalker. Numa tradução sem muito rigor, poderíamos encontrar anjo. O primeiro nome do protagonista da saga é Luke, uma abreviação ou apelido para Lucas, proveniente do termo latim Lux, ou seja, Luz. Agora ficou fácil: Luke Skywalker é o Anjo de Luz, enquanto que o pai, Anakin Skywalker, é também anjo, mas aquele que cai, que se entrega ao medo, ódio e à arrogância. Lembrou Lúcifer, anjo que se rendeu às tentações do mal porque tinha a pretensão de ser maior do que Deus. Cristo foi tentado no mesmo sentido, mas não sucumbiu. Até o momento, Luke é um cristão inveterado.

Dois anjos se enfrentam: o filho, Luke [à direita], que se manteve fiel ao ensinamento Jedi,
e o pai, Anakin, anjo decaído já sob as feições de Darth Vader [Foto: www.reddit.com]
A obra de George Lucas contém toda essa gama de teorias, conceitos, nomenclaturas que a torna especial. Nesse aspecto, o último episódio [O despertar da força, 2015] destoou negativamente dos seis anteriores, pois se propôs mais ao entretenimento. Com raras exceções – como no discurso político de ódio, no trabalho com diferentes elementos da natureza e no confronto entre pai e filho –, o último filme da sequência não resgatou a essência complexa e rica idealizada por Lucas. Algo a se lamentar, já que o escritor, roteirista e diretor criou, na combinação de elementos díspares já existentes, uma mitologia à parte, assim como fizeram J. R. R. Tolkien [O Senhor dos Anéis], J. K. Rowling [Harry Potter] e George R. R. Martin [Game of Thrones]. Dos quatro aspectos essenciais a uma narrativa [tempo, espaço, personagens e conflito], os três primeiros são originais, exclusivos da saga. Ainda assim, não abriu mão do receituário que sempre dá certo: recheou a história com romance, humor, perseguições, corridas, lutas, tiros, mortes. Não tinha como dar errado.

Alguém poderá se perguntar: se eu não detiver os conhecimentos sobre filosofia e mitologia apresentados aqui, não entenderei o filme? Entenderá, mas sob outra perspectiva. Do mesmo modo que uma pessoa, detentora de informações que vão além das minhas, apreenderá um significado mais completo e fiel da obra. Na pior das hipóteses, a saga poderá se resumir ao seu próprio título, em que seres humanos, monstrengos e robôs se confrontam para manter o caos ou estabelecer a paz. Não importa. Já terá valido a pena. 

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Saudade: dor e entendimento na metafísica da vida

“[...] mas o tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode bordar nada. Nada em cima de invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro” [Machado de Assis, em Esaú e Jacó]

Parece ser consenso entre religiões e doutrinas que negam a religação que a morte é inexorável e representa o fim de um ciclo, seja ele concebido por preceitos divinos ou resultado de embates cósmicos que nos fazem ser apenas uma fração insignificante do universo, desprovido de qualquer protagonismo que o ser humano teima em homologar a si próprio. E ainda que a gente se escore na vida eterna, em outras vidas finitas ou na inexistência de Deus e diabo, o fato é que a morte é implacável com quem vai e tem o talento inigualável de machucar quem fica.

E o medo da perda acaba fazendo da gente o esboço do egoísmo. É comum, à beira do suspiro derradeiro de quem acena um “tchau”, o apego à carne, à pequenez da nossa ontologia que só consegue entender uma fagulha do todo. O todo nos escapa, tamanha a nossa insignificância. Talvez não seja a perda em si, mas a incapacidade de entender o que se passa, o nosso maior monstro, o fantasma que nos coloca de joelhos a decifrar, sem sucesso, o maior enigma que está posto. A gente se habituou a manipular o mundo, a impor a nossa soberania sobre as gentes e as coisas, e quando se depara com a única equação da qual não tem controle, sofre.

A saudade nos traz uma certeza, que é pessimista por excelência: na ausência de quem foi, nada será como antes. É inegável: cada pessoa, na complexidade que é a existência humana, é insubstituível. Por mais que se empenhem, dos que nos acompanham em meio à tormenta só ficará o esforço de consolar, um afago em gesto ou palavra. Em suma, a falta de alguém importante remexe as nossas entranhas, cria-nos vácuos no peito, flashes de lembranças, uma lágrima a arranhar a face... Acabou.


Mas se a saudade só vivesse de infortúnios, ninguém resistiria a uma ausência acachapante. Ela ajuda a amadurecer o espírito, coage a mente a entender que a vida, o tempo todo, também é de perdas. O corpo responde com o pranto e a sensação de que o tempo estacionou, no intuito de aborrecer ainda mais o nosso juízo. Mas ele – o tempo – passa, e a não aceitação dá lugar ao conformismo de que, a partir dali, será assim. Então, o exercício de revisitar a pessoa, num movimento mental de ver quem partiu sob uma outra perspectiva, torna-se praxe. Passamos a pinçar detalhes da história e a ressignificá-los.

[Fonte: www.casamento.culturamix.com]
E essa ação atrasada se dá por um equívoco de cálculo: é consenso entre nós que sempre haverá uma chance de entender o gesto de alguém em vida, sem perceber que acabamos por eternizar o “deixa pra depois”. É só quando não há mais depois que buscamos o aceno, o beijo, o semblante, o sorriso, a palavra, o olhar, uma foto, um cheiro, um lugar. Enfim, qualquer coisa que na displicência da vida não atentamos e que, agora, tem significados que confortam, por um lado, mas por outro frustram em função da impossibilidade de agradecer, não poder mostrar que nada foi em vão.

Hoje, exatamente um ano após a maior perda que tive, não é dia diferente na saudade. Porque não houve um momento, nesses 365 dias, que eu não tenha revisitado aquela que mais zelou por mim, a ela virado do avesso e a mim também. Mas a falta é maior. O ser humano cometeu o erro de encapsular o tempo, torná-lo contábil, e nesse movimento de controlar a realidade, esqueceu-se das simbologias que o titã Cronos poderia criar. Porém, propõe Machado, “este desejo de capturar o tempo é uma necessidade da alma e dos queixos; mas ao tempo dá Deus habeas corpus”.

Por isso, há que ser otimista também: se alguém não tivesse botado areia na ampulheta, as datas simbólicas não concentrariam as angústias da perda. Sem demarcação temporal, a vida seria uma sucessão constante de lamentações, um “eterno retorno” às avessas do proposto por Nietzsche. No fim das contas, a dor de hoje é a dor de sempre, e assim será até o dia em que eu me tornar a saudade de alguém.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

A tragédia brasileira tem o seu Macbeth

Eu já li quatro obras de Shakespeare: Romeu e Julieta, a mais fraca delas; O Rei Lear; Otelo; e aquela que, junto com Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, é a maior que a literatura de ficção já produziu, Hamlet. Até tenho um quinto livro do escritor inglês nascido no século XVI, mas só acessei o conteúdo por meio do filme. Por duas vezes – a primeira no cinema e ontem (18) pela TV – assisti a Macbeth: ambição e guerra (2015), dirigido por Justin Kurzel, cujas atuações destacáveis ficam a cargo de Michael Fassbender e Marion Cotillard.

O enredo traz aspectos importantes da bibliografia shakespeariana, em sua faceta trágica: conspiração, culpa, traição e morte. Macbeth (Fassbender) é general do exército escocês. Influenciado pela esposa, Lady Macbeth (Cotillard), personagem forte, densa e igualmente assombrada pela morte precoce do filho, assassina o rei. Único a testemunhar o crime, Malcolm (Jack Reynor), o herdeiro do trono, é forçado a fugir. Macbeth e sua cúmplice, agora, são os únicos a ter ciência completa dos fatos. A condição de monarca cai no colo do conspirador do reino.

[Fonte: www.wicaonline.org]
A partir daí, a sensação de culpa, nos moldes de Crime e Castigo, de Dostoiévski, toma conta de Macbeth, que, justamente por isso, surta. A fragilidade do agora rei fica escancarada na sua incapacidade de lidar com as traições e mortes das quais fora autor ou mandante. A esposa, vendo a fraqueza do marido se transformar em tirania, tira a própria vida, talvez por perceber que despertou em Macbeth o lado mais obscuro da vida: o receio de acontecer consigo aquilo que ele causou aos outros.

Há que se destacar alguns pontos da produção cinematográfica: a atuação do casal protagonista é brilhante. A expressividade dos gestos, o texto bem fiel à redação de Shakespeare e a carga dramática, com pertinência, que Cotillard e Fassbender deram aos seus personagens, quase que compondo uma peça de teatro filmada, mostram que o filme não se preocupou em popularizar a obra literária. A ambientação e a fotografia dão uma carga ainda mais pesada à narrativa. Do contrário, talvez surgiria um conteúdo mais acessível ao público, porém infiel à obra canônica.

Deixando de lado as sempre injustas comparações entre livro e filme, Macbeth: ambição e guerra contém 105 minutos de entretenimento consistente e desafiador. Mas não é necessário se limitar à ficção. É quase inevitável não buscar paralelo com a nossa realidade política em curso. Se a história é sofisticada e o texto de difícil entendimento, não será trabalhoso ao espectador identificar que a tragédia brasileira tem o seu Macbeth.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Curtos contos cotidianos

FOGO
O vento que soprava na varanda arejou o ar abafado de janeiro e pôs a balançar o candeeiro que alumiava em movimento o lado de fora da casa. Quando uma rajada se engrandeceu, o fogo apagou, e o brilho da luz que outrora contemplava uma conversa não presenciou o beijo apaixonado de duas mulheres que ali estavam há algum tempo. Elas não se amavam, nunca haviam se visto até então. Se contentaram com a nudez em meio à sombra por entenderem que o prazer dispensa protocolos.

RECOMEÇO
Vinha de longe, cambaleando, um pedaço miúdo de gente. As pernas – fofas, arqueadas e diminutas deveras – zanzavam, com os pés a tatearem o chão sem firmeza. Parou, fez-se do corpo um pêndulo e caiu. Não chorou. Com sabedoria inata, supunha que a vida era de tombos também, e preferiu se agarrar a um objeto qualquer para se colocar de pé e começar tudo outra vez.

PARAÍSO
Havia algo de fascinante no céu daquela noite: a lua, encoberta por espessas nuvens, não deixava a escuridão tomar conta de tudo. Em derredor, relâmpagos relatavam a chuva recente ou anunciavam uma outra vindoura e que, agora, caía forte nas imediações. Ali, numa rua pouco habitada e quase sem movimento, restou ao casal uma brisa boa, daquelas que encorajam transgressões e perturbam os bons modos. E entre um gole e outro de cerveja, dois corpos desavergonhados e em enlace.

MISTÉRIO
De tanto pensar no sentido da vida, morreu. E sem poder falar o que descobrira – pois morto já estava –, guardou segredo e legou a quem ficou a angústia de viver sem saber ao certo por quê.

A vida lhe havia dado mais uma pancada. Caído e imerso numa fragilidade soturna, não sorriu, nem chorou. Sabia que o momento era de coragem, com parcimônia. E antes de se levantar e prosseguir, alinhou os joelhos no chão, cerrou os olhos e, abrindo os braços com as palmas pra cima, bradou em silêncio: “meu Deus!”.

[Fonte: www.observenigeria.com]
IGNORÂNCIA
O professor, convicto de que estava ali só para ensinar, perdeu oportunidade de aprender com os alunos, que aprendiam e ensinavam todos os dias que ensino e aprendizagem não são monopólios de quem quer que seja.

AUSÊNCIA
Acordou feliz do sonho que acabara de ter. De imediato, amuou-se: a pessoa só lhe era presente nas brevidades do sono. Lembrou, então, que a vida não brinca de sonhar e que o sonho, irrealizável, caíra-lhe como um lembrete: contenta-te com a saudade.

DILEMA
Com receio de sofrer por amor, preferiu não amar. E como não amou e nem sofreu, deixou de provar o gosto doce de amar e ser mais feliz do que foi sem sofrer.

AMPULHETA
Quando se deu conta, a vida lhe passara. Enquanto via as feridas do passado cicatrizarem, outras se abriam em virtude do futuro não vivido. E concluiu resignadamente: o tempo é o melhor e o pior dos remédios.

AVESSO
Ao avistar algo estranho, parou. Estava diante de uma situação que jamais vivera. E quando menos esperava, o amor passou por ela como um mar em ressaca que arrasta tudo sem gentilezas. Ao recuo das águas, a calmaria fazia-lhe a emanação de uma outra vida, arrebatada pelo sentimento do qual ela não mais queria abrir mão.