A
motivação primordial da vida é a felicidade. Razão pela qual os gregos, como
Aristóteles, chamaram-na de eudaimonia, ou
seja, o bem supremo ou sumo-bem. Para atingir a virtude máxima, era preciso que
o indivíduo identificasse os seus talentos e soubesse aplicá-los em tarefas
específicas. Em outras palavras, era incumbência de cada um botar em prática os
dons que possuía. Só assim estaria alinhado com o kosmos (universo finito e ordenado). O escravo, ao contrário, não
poderia jamais ser feliz, pois seus talentos inexistiam, motivo que levava
importantes filósofos da antiguidade a defenderem a escravidão como forma de
punição justa àqueles desprovidos de qualificativos. O escravo era, acima de tudo, um
imoral.
Qualquer
ação nossa tem como objetivo algo fora dela, da ação. Exemplo: quando pequenos,
íamos à escola não por amor a ela, mas por obrigação. Vai-se à escola para
aprender, pra depois ir bem na prova, pra depois passar de ano, pra prestar um
vestibular concorrido, porque saindo das melhores universidades a chance de um
bom emprego aumenta. Com um bom emprego, o salário é satisfatório, o que permite comprar
carro, casa, fazer viagens. Qual a meta de tudo isso? A felicidade.
Perceba
a distância que a felicidade mantém da escola, por quantas escalas devemos
passar até atingirmos a dita cuja... É justamente por isso que você odiava ir à
escola, o mesmo ódio que o seu filho, provavelmente, herdou de você. E esse é
só um exemplo. Perceba também que a felicidade é o ponto final, o último nível
de desejo a ser alcançado. Porque as pessoas te perguntarão qual a razão de ter
um celular, um tênis moderno ou um carro de dez marchas. Mas a pergunta “por
que você quer ser feliz?” não tem resposta. É a única a não possuir
resposta. Muito simples: tudo o que fazemos é em busca dela, e ela, em si, se
basta. E isso nos permite afirmar que a felicidade, ao contrário do celular, do
carro, da casa, da viagem, do tênis, não possui utilidade alguma. Enfim, a
felicidade é inútil.
Mesmo
sem qualquer menção até aqui, você já deve ter concluído por que pessoas
cometem suicídio. Quando alguém tem a exata certeza de que é incapaz de ser
feliz, a vida perde qualquer sentido. É evidente que esta pode ser uma visão
míope que a pessoa tem da própria vida. Talvez por achar – equivocadamente –
que a felicidade seja algo indissociável da vida, quando, em suma, é exatamente
o inverso. Buscamos a felicidade a todo momento e, a todo momento, ela tenta
nos escapar, se faz efêmera, quase inédita, o que dá a ela um brilho especial,
o que faz dela a nossa presa mais desejada. Se a felicidade fosse banal, que
graça haveria em ser feliz?
Outro
grego, Platão, explica muito bem por que somos, ao longo da vida, mais tristes
do que felizes. Platão é um filósofo dualista e, como tal, crê que a vida seja
dividida em corpo e alma (há uma possibilidade muito grande de que Cristo, 427 anos mais novo que o filósofo grego, tenha sofrido influência da filosofia
platônica). Enquanto o corpo é matéria com início e fim, a alma preexiste à carne e não finda (e aqui há uma distinção frente ao pensamento cristão, pois o
cristianismo defende que a alma nasce com o corpo e depois se perpetua, mesmo após
a morte, ao passo que o platonismo banca as reminiscências, isto é, a alma já existe quando encarna. Por favor, não confundamos Platão com Kardec, em respeito a Atenas...).
A
tese de Platão – que não tem qualquer comprovação empírica, assim como toda
teoria metafísica – é simples: a alma sempre foi livre e autônoma, até que é
aprisionada por um corpo, que possui limitações e que, à medida do tempo, fica
pior. Está claro que se trata de duas instâncias completamente opostas. Ao
longo da vida, a alma é, então, sacrificada em detrimento do corpo. O que é,
pois, a morte? O momento em que a alma, eterna e perfeita, volta a ser livre,
desprendendo-se do corpo, mortal e imperfeito. A vida é, logo, um sacrifício.
Por isso, quando alguém brada aos quatro cantos que “a vida é linda,
maravilhosa”, duvide. Certamente temos aí alguém acometido pela ignorância. O
sujeito que tem uma noção, ainda que mínima, do que seja a vida sabe que a
coisa não é tão cor-de-rosa assim.
A
felicidade é tudo isso porque escorre. Quando desejamos que o momento se
perpetue ou, ao menos, dure um pouco mais, ali está ela, sorrateira e
acachapante. Não se iluda: em breve, muito antes do que você gostaria, ela se
recolherá, para depois voltar. Ser feliz é a dura tarefa de reencontrar-se e perder-se, de decifrar as esfinges
que carregamos. A angústia de todos nós são as questões insolúveis, as que nos fazem duvidar de que é possível ser feliz.
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