quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

APENAS LEMBRE

É tão corriqueiro o limiar entre o estar e o não estar com alguém, que a gente não se dá conta da infindável riqueza que há nas relações que começam e terminam rapidamente ou que são duradouras. Anestesiados, não percebemos, ou notamos menos do que se deveria, que num piscar de olhos tudo aquilo que supúnhamos eterno de repente some, e as coisas caminham a se resumir em lembranças. E olhe lá.

Você passa alguns minutos com alguém dentro de um ônibus, lado a lado, numa cidade grande, quando, do nada, ele ou ela desce uma estação antes da sua. Aquilo é o suficiente para vocês jamais se verem. Você também pode conviver com uma pessoa ou um grupo delas durante anos e, como naqueles olhos que piscam velozmente, finito: um dos dois – você ou o outro – se muda, traçando cada qual o seu rumo, porventura opostos. Só resta ao passado mantê-los próximos, uma vez que, de fato, distanciam-se. A morte também tem dessas: é capaz de levar alguém, cuja afeição os aproxima, em uma fração de instante, aquele momento que menos esperamos, indesejado, porém irrevogável.

Mas a vida corrida, que alterna acontecimentos com velocidade impossível de se acompanhar, nos enrijece a memória. Como é difícil, em tempos de ocorrências simultâneas, refletir sobre algo marcante, na tentativa de mantê-lo ali, bem perto, preservado, quase como dando uma sobrevida ao que inexiste. A lembrança é isso: mantém em nós o que entre nós não mais está, pois abrir mão daquilo é desistir de um pedaço importante da própria vida.


Os principais meios de comunicação, como TV e Internet, tiram-nos o foco, porque muitos sons, imagens e palavras agigantam-se ao mesmo tempo, sem folga. É o que de mais sofisticado e atual – e, por isso, quase indispensável – o mundo tem a apresentar, apto a colocar numa mesma ciranda crianças e idosos, mas a simplicidade que não se vê na mídia é o que torna o contato entre as pessoas desprovido de fronteiras. A velocidade de tudo perturba o nosso arcabouço de experiências vividas, embora um bilhete antigo ou uma foto gasta possa restabelecer o que uma vida de cumplicidade não hesitou em construir. Em fatos que perduram não existe a soberba, ao passo que um gesto ou palavra persiste.

Eu escrevi este texto na quinta, dia 20, véspera do dito “fim do mundo”, na certeza de que a vida seguirá, como você, que agora respira, é prova cabal da continuidade. Quando o seu celular tocar, o tablet te chamar, o Facebook o importunar e a TV cansá-lo, adie tudo isso. Lembre de um perfume, de um barulho, de um lugar, de um sorriso, uma lágrima, uma passagem qualquer que o tenha marcado, que te faça reviver uma sensação, o sentimento de que aquela pessoa que se desencontrou de você deveria estar sempre ao seu lado. Só que ela vai embora, para preservar em quem fica o interminável desafio de apenas lembrar.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

ATÉ JUDAS ESCOLHEU UM LADO

No último dia 15, a TV Globo transmitiu a segunda edição do Festival Promessas, ocorrida em São Paulo. O evento, que teve a sua primeira aparição em dezembro do ano passado, no Rio, traz nomes de destaque da música evangélica brasileira. O que mais chamou a atenção no evento não são os músicos ou o público de 100 mil pessoas que acompanhou os shows. Soa estranho a emissora carioca promover um acontecimento ligado às religiões pentecostais.

A Globo, como se vê, é ligada ao espiritismo [posso usar o sufixo ismo ou serei processado por isso?]. Telenovelas e filmes produzidos pelo grupo exemplificam o posicionamento da emissora. Nada fora da norma os donos do veículo se alinharem a esta ou àquela religião. Por sua vez, o catolicismo é tolerado pela emissora, que reconhece a autoridade do papa, por exemplo, mas não em poucas vezes coloca a igreja como palco de ações negativas ou irônicas, também na dramaturgia. Já as nomenclaturas evangélicas não têm muita folga.

Isso acontece muito em função da rival Record ser dirigida pelo bispo Edir Macedo, maior autoridade da Igreja Universal do Reino de Deus, que, dizem as más línguas, usa dinheiro arrecadado nos cultos, capital que não sofre dedução de impostos, para injetar investimentos na TV. E “a regra é clara”: não se pode usar a arrecadação de uma instituição sem fins lucrativos – até onde sabemos, uma igreja, qualquer delas, é uma entidade que não visa lucros – num outro âmbito, cujas finalidades são comerciais.


Como a Rede Record, muito em função disso [segundo as más línguas, de novo], virou a principal adversária da Globo na briga por audiência, a emissora carioca costuma retratar o evangélico, em suas novelas, de forma cômica, idiota ou corrupta. Em Avenida Brasil, havia uma ex-atriz pornô, que abandonara o único filho e o marido no passado por causa do ofício, mas que no presente voltava arrependida, agora não mais atuante em filmes de sacanagem, e sim toda puritana, com os estereótipos da mulher evangélica – antigamente dita crente: cabelo liso longo e saião. No fim, deixou novamente o marido com quem havia se casado de novo, para se entregar ao mundo da promiscuidade. Perceba com que olhos a Globo enxerga o evangelismo...

E não é que no último dia 15 a emissora atuou na contramão do que é de praxe! Ao organizar e transmitir o festival, teve comportamento dúbio: ou a Globo não tem a menor credibilidade, por ficar saltitando de uma ideologia a outra de acordo com o que lhe é de interesse, com o objetivo de, ao mesmo tempo, atacar a concorrente, sem se prejudicar frente a um público de massa formado pelo evangélicos; ou a emissora é digna de elogios, pois não é intransigente: embora por linhas tortas, ataca a Record, mas isso não a impede de se aproximar dos evangélicos promovendo um show gospel.

É elogiável quando alguém não se prende à opinião única e sabe o momento de divergir de si mesmo, provando que o amadurecimento traz uma nova visão, mais coerente, sustentada, inequívoca, sobre a realidade. O problema é que mudar repentinamente de posicionamento pode representar insegurança e um estranho comportamento de atuar conforme as conveniências, contingências de agora. Amanhã, quem sabe?

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

“FIGURAS ENTRE OS PRIMEIROS”

Aos 23 minutos do segundo tempo aconteceu o que o jogo desenhava: o Corinthians marcava, com o peruano Guerrero, aquele que seria o gol do primeiro título mundial do alvinegro. E antes que os chiliques comecem, logo mais explicarei por que considero esta o único campeonato mundial conquistado pelo Corinthians, o que não é pouca coisa, pois poucos o são. O Timão se impôs taticamente, como raros times brasileiros e sul-americanos conseguiram em toda a história.

A tática, aliás, é o ponto forte deste ótimo Corinthians. Individualmente, há pouquíssimos destaques, bem menos do que o time do final dos anos 90, por exemplo, conjunto este que não foi capaz de conquistar o que o atual elenco galgou. O esquadrão de Dida, Índio, Fábio Luciano, Adilson, Kleber, Vampeta, Rincón, Ricardinho, Marcelinho, Edílson e Luizão (ufa! Haja bom jogador!) era fantástico, do ponto de vista das peças, conseguindo, no máximo, dois títulos brasileiros (1998-99) e um paulista (1999). Não é pouco, mas acaba por ficar tímido perto do que o clube faturou em 2011 (Brasileiro) e no histórico ano de 2012 (América e Mundial).

O Corinthians de hoje joga o que de mais moderno existe no futebol: bola no chão; troca de passes demarcada; marcação no campo de ataque, na saída de bola do adversário; todas as linhas (três ou quatro) aproximadas, o que inviabiliza qualquer conforto ao time adversário, seja em que zona do campo for (o maior exemplo dessa forma de jogo é Paulinho. O melhor volante que surgiu no futebol brasileiro nos últimos anos rouba, com frequência, bolas no campo de ataque, excluindo a ideia de que meio-campista defensor joga na intermediária do seu campo); posse de bola, volume de jogo; e o mais importante: a proposta de jogo corintiana tem incidência, atua em busca do gol, ainda que a maioria das vitórias do time este ano tenha sido pela contagem mínima e sem um centro-avante, homem de referência na frente (Paolo Guerrero voltou a ser essa peça, depois de Ronaldo).


Tite é capaz de montar uma equipe quase perfeita – a mais entre todos os times brasileiros no momento – porque é um estudioso de futebol: sabe o que é eficiente ao Corinthians, sabe o que precisa neutralizar no adversário. Apenas isso faz de Tite o nome principal para assumir a Seleção, mas a CBF tem vocação ao retrocesso. Nada disso significa que o técnico vencerá tudo, mas esse Corinthians é favorito para ganhar o que disputar, sempre rondará os troféus, e não se assuste se a Fiel invadir o Japão em 2013 outra vez.

O Chelsea, por sua vez, foi o inverso disso. Embora com bons nomes, não se preparou coletivamente para o jogo decisivo, sendo um reflexo ainda mais grotesco dos clubes europeus que disputam o Mundial. Espanhóis, italianos, alemães e ingleses não dão a mínima para o campeonato, o que não tira o brilho da vitória sul-americana, brasileira ou mesmo europeia, quando vem.

Nesse cenário, não dá pra comparar o êxito corintiano aos fracassos santista, no ano passado, e palmeirense, em 1999. Santos e Palmeiras enfrentaram times muito fortes, cujas camisas pesam. Como registra um ditado do futebol: se você botar a camisa do Barcelona ou do Manchester no varal, o varal entorta. A do Chelsea, não. Os Blues não têm história, são o que são hoje graças ao milionário russo Roman Abramovich, razão pela qual este blogueiro defendeu a ideia, desde o início de dezembro, de que o Corinthians chegava ao Japão com boas chances de levar o título, talvez mais probabilidade do que qualquer outro time brasileiro que se credenciou a disputar o título mundial.


Isso à parte, o blog considera esta a única conquista mundial do Corinthians, pelo simples fato de que o próprio corintiano encarou este momento completamente diferente do que foi em 2000. O torcedor viveu este Mundial de Clubes desde o apito final do jogo contra o Boca, nos 2x0 que decretaram o primeiro e histórico título continental. Ao vencer, o Timão negligenciou, assim como outros clubes brasileiros em anos anteriores, o campeonato nacional. A ocasião é tão especial, que é capaz de fazer um clube abandonar um campeonato de 38 jogos, importante como é, para se concentrar em apenas dois.

E, por ter apreciado o momento durante quase seis meses, levou uma multidão para o outro lado do mundo. Falamos aqui de uma cifra entre 25 e 30 mil pessoas. Não dá para pontuar de forma certeira quantos saíram do Brasil e quantos se deslocaram de outras partes do mundo para Toyota e Yokohama. O fato é que foi muita gente, incomparável com anos anteriores, justamente pela imensidão que é a torcida corintiana. Em 2000, não houve nada parecido, ainda que o torneio tenha sido disputado no Brasil, com três jogos no Morumbi e um no Maracanã. Nivelar o campeonato de 2000 ao de agora é submeter o trunfo de 2012 à banalidade. Não há nada de trivial no que ocorreu há dois dias.


Depois daquele mal sucedido certame, a FIFA só voltou a organizar um Mundial de Clubes em 2005, e de lá pra cá a fórmula se manteve (entre 2000 e 2004, continuou a ocorrer o jogo único entre campeão europeu e campeão da América, na chamada Copa Intercontinental, disputada desde 1960). Sob a nova fórmula, São Paulo, Internacional e Corinthians foram os clubes brasileiros vitoriosos, o que não significa que o modelo seja o ideal. Ao contrário, por destinar uma vaga para cada continente, a entidade máxima que rege o futebol coloca na mesma vala Europa e Oceania, por exemplo. É claro que as datas são escassas, mas fazer um torneio com campeão e vice da UEFA Champions League e da Libertadores (as duas confederações com maior cancha no futebol) poderia dar à disputa mais atrativos, um peso ainda maior.

A conquista do Timão é expressiva. O clube, que sempre fora muito forte dentro do país, alcançou abrangência mundial em 2012, porque o Corinthians era grande demais para ter feitos apenas domésticos, e por isso era motivo de chacota de torcidas rivais. A organização política à que o clube se propõe desde 2008, passando pelo precioso e importante trabalho de marketing que soube explorar, mesmo tardiamente, a força da sua torcida, reflete o que é o time atual em campo: disciplinado, seguro e letal aos adversários, uma vez que técnico e atletas entenderam a forma de jogar, uma proposta vencedora. O Coringão, irretocável, é o dono do mundo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O SER HUMANO É UM EMARANHADO DE FORTALEZAS E FRAGILIDADES

A fragilidade humana é uma ferida exposta que não cicatriza nunca. Porque o homem sem ela não seria o que é, sem delícias e dores. A fragilidade é a limitação inerente, superada todos os dias, mas jamais vencida, pois dela sai o empenho do homem de esclarecer, descobrir, conhecer, a si, aos outros, a tudo. Mas essas coisas não passam de tentativas, frustradas e renovadas, dia após dia, com o intuito de instaurar novos limites. Ainda que mais altos, mais largos, mais árduos, eles – os limites –, sempre estarão lá, para não nos permitir a rotina, o tédio, a soberba.

Somos humanos, provavelmente os mais capazes dos bichos, a despeito da nossa capacidade até certo ponto. Nem mesmo os heróis são infalíveis, exatamente porque necessitam reproduzir a realidade mundana. Na ficção clássica grega, o mocinho, um semi-deus, era descendente de Zeus, e precisava morrer no final para garantir a sua divindade, o seu caráter único. Hoje, o herói não morre nunca, mas passa por maus bocados ao longo do enredo.

Aquiles, interpretado por Brad Pitt, em Tróia

A inteligência, de que só o homem sabedor dispõe, auxilia no rompimento de barreiras, e a ciência assegura ao homem as comprovações necessárias para que ele se situe no mundo em que vive. A partir de tal perspectiva, em que a sociedade se calcou no Homem Vitruviano, centrado e simétrico, responsável por inegáveis avanços tecnológicos e humanos, confessamos a necessidade de ver, posto que aquilo que não é visível não existe.

Faz sentido, então, endossar que o pensamento que nos faz crescer também nos encarcera no pragmatismo. O homem, vulgo livre, tropeça nas normativas que se impõe e torna-se artificial, mecânico, demonstrando basicamente o quão vulnerável é, porque inevitável não ser. A morte é só um símbolo – o maior – de que o homo não está apto a romper tudo. Ele não fracassa apenas no intuito de evitar o próprio fim. Resiste, também, em compreendê-lo.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

VIDA

por Bruno Barnett













Às vezes me sinto perdido.
Sem sentido, busco encontrar-me
No vazio e vago mistério da existência.

Tento ser fiel aos meus sentidos,
Onde a coerência é ser irreal,
Onde o justo, certo e errado não existem,
E o fascínio já não me impressiona.

Ser feliz, sentir-se bem.
Ter a liberdade de poder sonhar,
Não importa o quanto custar.
Para viver, basta pensar.

E, na incerteza do pensar,
Busco, aflito, descobri-la,
Pois a saída já está determinada,
Se olhar com esperança.