É tão corriqueiro o limiar entre
o estar e o não estar com alguém, que a gente não se dá conta da infindável
riqueza que há nas relações que começam e terminam rapidamente ou que são
duradouras. Anestesiados, não percebemos, ou notamos menos do que se deveria,
que num piscar de olhos tudo aquilo que supúnhamos eterno de repente some, e as
coisas caminham a se resumir em lembranças. E olhe lá.
Você passa alguns minutos com
alguém dentro de um ônibus, lado a lado, numa cidade grande, quando, do nada, ele
ou ela desce uma estação antes da sua. Aquilo é o suficiente para vocês jamais
se verem. Você também pode conviver com uma pessoa ou um grupo delas durante
anos e, como naqueles olhos que piscam velozmente, finito: um dos dois – você
ou o outro – se muda, traçando cada qual o seu rumo, porventura opostos. Só
resta ao passado mantê-los próximos, uma vez que, de fato, distanciam-se. A
morte também tem dessas: é capaz de levar alguém, cuja afeição os aproxima, em
uma fração de instante, aquele momento que menos esperamos, indesejado, porém
irrevogável.
Mas a vida corrida, que alterna
acontecimentos com velocidade impossível de se acompanhar, nos enrijece a
memória. Como é difícil, em tempos de ocorrências simultâneas, refletir sobre
algo marcante, na tentativa de mantê-lo ali, bem perto, preservado, quase como
dando uma sobrevida ao que inexiste. A lembrança é isso: mantém em nós o que
entre nós não mais está, pois abrir mão daquilo é desistir de um pedaço
importante da própria vida.
Os principais meios de comunicação,
como TV e Internet, tiram-nos o foco, porque muitos sons, imagens e palavras
agigantam-se ao mesmo tempo, sem folga. É o que de mais sofisticado e atual –
e, por isso, quase indispensável – o mundo tem a apresentar, apto a colocar
numa mesma ciranda crianças e idosos, mas a simplicidade que não se vê na mídia
é o que torna o contato entre as pessoas desprovido de fronteiras. A velocidade
de tudo perturba o nosso arcabouço de experiências vividas, embora um bilhete
antigo ou uma foto gasta possa restabelecer o que uma vida de cumplicidade não
hesitou em construir. Em fatos que perduram não existe a soberba, ao passo que
um gesto ou palavra persiste.
Eu escrevi este texto na quinta,
dia 20, véspera do dito “fim do mundo”, na certeza de que a vida seguirá, como
você, que agora respira, é prova cabal da continuidade. Quando o seu celular
tocar, o tablet te chamar, o Facebook o importunar e a TV cansá-lo, adie tudo
isso. Lembre de um perfume, de um barulho, de um lugar, de um sorriso, uma
lágrima, uma passagem qualquer que o tenha marcado, que te faça reviver uma
sensação, o sentimento de que aquela pessoa que se desencontrou de você deveria
estar sempre ao seu lado. Só que ela vai embora, para preservar em quem fica o
interminável desafio de apenas lembrar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário