Hoje faz quatro meses que moro em Cuiabá. Saí do interior de
São Paulo para fazer o que deixa meu espírito leve e o coração forte: lecionar.
E, como sempre acontece, o lugar estranho desperta a nossa curiosidade pelas
coisas que não nos são costumeiras. A capital de Mato Grosso é cheia disso:
distinções e diversidade compõem o seu cenário cultural. Nesse ponto, chama a
atenção – além do calor impiedoso – como Cuiabá consegue trafegar entre o
simples e o luxo, especialmente quando o assunto é gastronomia.
Poucos dias após a minha chegada por essas bandas, fui
conhecer a Praça da Mandioca, local muito bem recomendado por um casal de
amigos. A praça fica no coração da cidade, típico lugar que serve de reduto ao
povo. E ali, cravada perto da Prainha, de acesso por ruas estreitas – bem ao
feitio daqui –, está ela com seus bares, gentes, enfeites e música.
Como não poderia ser diferente, naquela noite de sexta, de
temperatura propícia para o ar livre, tocava samba. Entre uma cerveja e outra,
um petisco e outro, as pessoas conversavam, sorriam e dançavam. Enfim, havia
ali simplicidade e alegria, aquelas coisas próprias do brasileiro. Mas não do
brasileiro made in algum lugar. Falo
do tupiniquim nato, a mistura do índio com a negra, do negro com a branca, do
branco com a índia.
Em contraponto, dias depois fui conhecer o outro lado da moeda.
Propus-me a ir, agora sozinho, a um restaurante suntuoso, desses que têm comida
boa pelo ‘olho da cara’. O local, de fato, era bem apresentável: decoração
bonita, mesas lindamente postas, comidas que aumentam a fome pela forma que
estão dispostas no prato. Pessoas bem vestidas, mulheres mais velhas curtidas
na plástica. Pessoal de fala baixa e desanimadora, pois quase não se ouve
risada. Na verdade, quase não se ouve...
Enfim, vive-se à base de convenções, e elas – as convenções
– pragmatizam tudo. As relações se tornam artificiais, e a espontaneidade,
marca da irreverência brasileira, some. Há protocolos pra pegar garfo e faca
[de fora pra dentro, técnica que aprendi em Titanic].
O guardanapo de pano vai sobre a perna. Existe uma ordem no consumo desta e
daquela comida. A pré-definição vira rotina. A criatividade, também tão nossa,
cadê?
É provável que eu volte aos
dois lugares outras vezes. Mas se me perguntarem qual prefiro, se a praça ou o
luxo, fico com o samba.
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