sexta-feira, 19 de setembro de 2014

ELITE E RALÉ: a força de Cuiabá está na rua, não no castelo

Hoje faz quatro meses que moro em Cuiabá. Saí do interior de São Paulo para fazer o que deixa meu espírito leve e o coração forte: lecionar. E, como sempre acontece, o lugar estranho desperta a nossa curiosidade pelas coisas que não nos são costumeiras. A capital de Mato Grosso é cheia disso: distinções e diversidade compõem o seu cenário cultural. Nesse ponto, chama a atenção – além do calor impiedoso – como Cuiabá consegue trafegar entre o simples e o luxo, especialmente quando o assunto é gastronomia.

Poucos dias após a minha chegada por essas bandas, fui conhecer a Praça da Mandioca, local muito bem recomendado por um casal de amigos. A praça fica no coração da cidade, típico lugar que serve de reduto ao povo. E ali, cravada perto da Prainha, de acesso por ruas estreitas – bem ao feitio daqui –, está ela com seus bares, gentes, enfeites e música.


Como não poderia ser diferente, naquela noite de sexta, de temperatura propícia para o ar livre, tocava samba. Entre uma cerveja e outra, um petisco e outro, as pessoas conversavam, sorriam e dançavam. Enfim, havia ali simplicidade e alegria, aquelas coisas próprias do brasileiro. Mas não do brasileiro made in algum lugar. Falo do tupiniquim nato, a mistura do índio com a negra, do negro com a branca, do branco com a índia.


Em contraponto, dias depois fui conhecer o outro lado da moeda. Propus-me a ir, agora sozinho, a um restaurante suntuoso, desses que têm comida boa pelo ‘olho da cara’. O local, de fato, era bem apresentável: decoração bonita, mesas lindamente postas, comidas que aumentam a fome pela forma que estão dispostas no prato. Pessoas bem vestidas, mulheres mais velhas curtidas na plástica. Pessoal de fala baixa e desanimadora, pois quase não se ouve risada. Na verdade, quase não se ouve...

Enfim, vive-se à base de convenções, e elas – as convenções – pragmatizam tudo. As relações se tornam artificiais, e a espontaneidade, marca da irreverência brasileira, some. Há protocolos pra pegar garfo e faca [de fora pra dentro, técnica que aprendi em Titanic]. O guardanapo de pano vai sobre a perna. Existe uma ordem no consumo desta e daquela comida. A pré-definição vira rotina. A criatividade, também tão nossa, cadê?

É provável que eu volte aos dois lugares outras vezes. Mas se me perguntarem qual prefiro, se a praça ou o luxo, fico com o samba.

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