sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

SENSACIONALISMO: quem tira a foto sabe que alguém quer vê-la

Não vi as fotos, não sei se vieram acompanhadas de texto, tampouco a autoria. Independente disso, meus caros ex-alunos, não botem tal desserviço na conta do jornalismo. Se o autor é formado ou não, a atuação dele não foi condizente com as prerrogativas básicas da imprensa, não podendo, assim, ser definido como um profissional da área. No máximo, executou mal a função que lhe cabia.

Além do mais, essas coisas de ética não se ensinam em sala de aula. Estão contidas na atuação do profissional (e do antiprofissional) as experiências de toda uma vida. A formação do indivíduo como pessoa e a sua concepção de mundo estão em jogo, muito mais do que as aulas semanais da disciplina de Ética e Legislação que o sujeito teve ou deixou de ter ao longo de um mísero semestre da faculdade.

A foto de Kevin Carter rendeu-lhe o Prêmio Pullitzer.
Espetáculo ou informação?
Quando a imagem chocante, seja ela estática ou em movimento, não carrega consigo informação, a sua intenção é meramente a do espetáculo. Crânios desfigurados e corpos esquartejados não informam, só estarrecem. Nessas circunstâncias, o texto necessita dar conta dos requintes de crueldade, e olhe lá. Na maioria dos casos, o indicado é executar o mais simples: “Fulano, 40, médico, morador do centro de São Paulo, sofreu um acidente na rodovia Castelo Branco e não resistiu aos ferimentos, vindo a falecer no caminho para o hospital”.

Registrar imagens e publicá-las são atividades acessíveis a muitos hoje (especificamente a quem tem, no mínimo, um celular com câmera e um pacote de internet móvel). A isso se dá o nome de jornalismo cidadão – expressão que têm o meu total desprezo. Mas o trabalho jornalístico transcende a meras questões mórbidas e de tecnologia. Falamos aqui em apuração, clareza, verossimilhança, interesse público e os limites básicos que qualquer atuação profissional requer.

Já leu a excelente obra de Capote? Sensacionalismo?

Importante destacar que o sensacionalismo não se materializa apenas numa imagem grotesca marcada por destruição e sangue. O sensacionalismo está no discurso apelativo, piegas e mal feito, buscando artificialmente sensibilizar a massa. Está, também, na repetição constante de imagens, ainda que estas não contenham qualquer tipo de tragédia. Enfim, o sensacionalismo é o recurso dos menos capazes, usado quando todas as alternativas já foram implementadas ou quando as mesmas são desconhecidas, pois carece o seu autor do repertório técnico, teórico, ético, científico e filosófico da área. Talvez falte, de igual modo, um tiquinho de sentimento, zelo pela comoção alheia, o que convencionamos chamar de humanidade.

Isso à parte, é desanimador saber que muita gente em meio à sociedade se satisfaz com essas aberrações (lembram-se do efeito catártico?: o sujeito se impressiona com a cena, mas fica inconscientemente aliviado, pois a vítima não foi ele, e sim o outro). O sensacionalismo nada mais é do que a vertente utilitarista do jornalismo: ele faz um trabalho que podemos julgar imoral, mas visa tão somente a maximização da felicidade. Ou seja, se a maioria aprova a ação (e isso, no jornalismo, dá-se com audiência), não importa se ela – a ação – é ou não questionável. O utilitarismo tem como fundamento central o resultado, e não a intenção baseada em princípios racionais. Já o intencionalista age movido pelo pressuposto kantiano de deontologia. Isto é, dane-se o resultado, o objetivo final, os índices de audiência. A bandeira do deontólogo é realizar o dever por amor ao dever.

E a cobertura do sequestro da menina Eloá Pimentel?

Evitemos o processo de execração do autor das fotos e de sua veiculação. Ele irá arcar com o ônus do equívoco cometido e haverá a chance de se redimir na próxima iniciativa. Lembremos: o fato de alguém agir imoralmente não significa que ele seja igualmente abominável, a não ser que a prática passe a ser rotineira.

Por tudo isso, ao me perguntarem qual a utilidade das disciplinas teóricas num curso de jornalismo, ao me deparar com estudantes desprezando as matérias mais pesadas, eis aí uma boa resposta: Filosofia, Sociologia, Antropologia, Economia, Teorias da Comunicação e pastas afins têm como função abordar o campo da comunicação sob a sua dimensão mais crítica. A ideia de faculdade é justamente essa: a de proporcionar uma noção mais horizontal e ampla da realidade, permitindo que se contextualize o fato com os diversos campos de conhecimento. Por isso, os cursos técnicos, no âmbito das ciências humanas e sociais aplicadas, são insuficientes. Saber apertar botão, enquadrar imagem, postar-se diante da câmera, imprimir o tom de voz adequado, construir o lead não bastam para cumprir a tarefa de informar.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

ROLEZINHO: a classe média com o cu na mão

Qual a diferença entre “o povo nas ruas”, de junho e julho de 2013 (sobre isso, http://semcensor.blogspot.com.br/2013/08/o-povo-nas-ruas-pm-e-o-jn-conheceram.html), e os “rolezinhos” que vieram à tona agora, em janeiro de 2014, com origem na periferia paulistana? O sujeito na mira da PM, talvez. Antes, de classe média, mereceu maior comoção por parte da sociedade. Hoje, preto pobre da zona leste, nem tanto. É como se uma voz antiquada, porém atuante, bradasse: “É isso aí! Essa gente tem que ser tratada assim”. A voz é da classe média, a que apanhou em meados do ano passado e agora faz vistas grossas à truculência policial, como é praxe sua quando a borracha come o couro da arraia-miúda. 

E por quê? Porque a periferia tomou o lugar burguês por excelência: o shopping. E a classe média – ainda mais a brasileira – é mesquinha em suas raízes mais medonhas: ela não admite que espaços seus sejam de mais ninguém. No fundo, ela pensa e reage como a elite. Só que há uma diferença, a de que a elite é composta por uma minoria. Sem querer ser didático, mas já sendo: nem todos os integrantes da classe média são reacionários, mas que boa parte dela é, parece não restar mais dúvidas.



Existe, é claro, um problema em lugares que concentram muita gente (de qualquer classe socioeconômica e racial): o ser humano tende a ficar mais corajoso e agressivo quando está em grupo, muito diferente das ocasiões em que se encontra sozinho ou com pouca gente ao redor. Os estádios de futebol e a sua violência generalizada mostram isso com exemplos aos montes. Assim, os shoppings se munem do argumento de que a multidão irá tumultuar o ambiente, e impede os adolescentes de entrar. Só que há um problema – grave, diga-se – nessa medida preventiva: ela discrimina.

E como é possível chegar a essa conclusão? A molecada vai na boa (sobre isso falam alguns participantes do movimento: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/rolezinho-nas-palavras-de-quem-vai.html). Ela não está lá com o intuito de barbarizar. É difícil afirmar se, conscientemente e na sua concepção, trata-se de um movimento político, mas ele o é na forma como se concretiza. A rapaziada se reúne e toma as dependências de shoppings para marcar terreno, com o intuito de afirmar sua existência, negada durante muito tempo pelos que estão do outro lado da corda, ou seja, pela classe média, a funcionar como testa de ferro das elites. Se a moçada vai para desafiar o contexto estabelecido – mesmo sem saber a dimensão social e política do ato –, o que os responsáveis pelos shoppings têm de fazer é se precaverem (sem impedir o vai-vem de ninguém), e não agir como se o movimento tivesse feito o que não fez – e nem é prerrogativa fazer. Reforçar a segurança é uma coisa, pois, lembremos, onde há muita gente a chance de tumulto aumenta. Expulsar e proibir a molecada de freqüentar o shopping é outra. Mesmo porque, se fosse um “rolê" da classe média, com os moços e moças vestidos de acordo com o que esperam as lojas de grife, provavelmente a medida preventiva não seria tomada. Embora neste caso também a segurança merecesse ser reforçada, porque uma multidão de ricos e medianos é capaz de fazer os mesmos descabidos que um aglomerado de pobres. Vide o congresso nacional, repleto de abastados...

Outra relação a ser traçada com os acontecimentos de junho/julho é a apropriação do movimento pela violência. Se o “rolezinho” ficar rotineiro – como deve ocorrer – pessoas sem o menor vínculo com a causa irão infiltrar-se para fazer o que não é intuito dessa rapaziada nova. O que a meninada quer é ser vista, e pra isso toma os locais de hábito daqueles que a excluem. E acontecerá o de sempre: “Gente pobre barbarizando? Segregação neles”. A mentalidade reinante é que, de antemão, o pobre merece se foder. Lembremos eternamente de Amarildo. (Para ler mais sobre o caso: http://semcensor.blogspot.com.br/2013/10/amarildo-o-boi-foi-uma-vitima-do-nosso.html).


Charge de Tiago Silva publicada no Humor Político

A justiça, criada para preservar a igualdade entre os indivíduos com base na lei – que é a mesma pra todos (é?) –, comete o crime hediondo do preconceito: impede jovens de ir e vir com o pretexto da possibilidade de tumulto (sim, possibilidade, porque a molecada, em momento algum, vandalizou). Eis a nossa tradição mais rasteira que não dá trégua. Quando as pessoas diferenciadas* gritam, o restante da sociedade treme, pois no fundo, no fundo, é do feitio das “famílias boas” (entenda-se “com dinheiro”) que tudo permaneça como está.

*Em 2010, essa foi a referência que os moradores de Higienópolis [aqueles contrários à construção de uma estação de metrô no bairro] usaram para se referir à população de mais baixa renda que passaria a circular pelas ruas do local. (Para ler mais sobre o caso: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/782354-moradores-de-higienopolis-em-sp-se-mobilizam-contra-estacao-de-metro.shtml).

Sátira sobre o Rolezinho, por Ralf Smith

domingo, 12 de janeiro de 2014

O MEU DIÁLOGO COM UM OUTRO: da crença em Deus


Ele: Você acredita em Deus?

Eu: Sim.

Ele: Mas você tem certeza de que Ele existe?

Eu: É evidente que não.

Ele: Mas, então?

Eu: Então, é isso. Aquilo que é certo existir, fruto das minhas inferências racionais, não merece de mim nada mais do que minhas certezas. Uma mesa é uma mesa, e eu não creio que ela exista, pois é ponto pacífico que ela está ali, já que a vemos e podemos tocá-la. Não há complexidade nisso. Há a existência simplória de algo.

Ele: E quanto a Deus?

Eu: É o que não podemos ver, tocar, cheirar, ouvir, enfim, é aquilo que nos escapa aos sentidos. Ver, eu vejo a mim e a ti, pois tu e eu somos banais, nada mais. Deus, não. Ele está no âmbito da fé, e pressupõe algo maior: sabê-lo à nossa volta, ainda que nenhuma prova concreta nos leve a Ele. É uma outra instância, a mais laboriosa de todas com a qual o homem se defronta.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

ENTREVISTA COM ROBERTO FREJAT, VOCALISTA DO BARÃO VERMELHO

28 de abril de 2006. O Barão Vermelho faria – como de fato fez – um show em Marília como evento de boas-vindas aos calouros da Universidade de Marília dadas pelo DCE (Diretório Central de Estudantes-Unimar), em seu projeto intitulado Baile do Bixo. E o que eu tenho a ver com isso? O Diretório possuía um veículo de comunicação mensal, intitulado Gregos & Troianos (G&T), e eu, além de outros estudantes de Jornalismo, estagiava nesse informativo.

Na tarde daquela sexta-feira, horas antes do show, a banda havia acabado de chegar à cidade, hospedando-se no Max Plaza Hotel, na Rua Maranhão, próximo à Galeria Atenas (perdoe-me pelos merchans). Meu chefe, Luccas (não digitei errado, é com dois “C’s”), intimou Vicão e eu a irmos até lá, em busca de uma entrevista e fotos. Detalhe: Luccas, presidente do DCE, disse: “está tudo combinado com a banda, os integrantes vão receber vocês para uma conversa”. É óbvio que era mentira.

O fato é que fomos, e uma curta entrevista com Frejat foi possível. As cinco perguntas que eu havia feito às pressas colheram respostas gravadas num celular LG (outro merchan), do próprio Vico (Vico ou Vicão é o Vinícius, camarada de estágio e amigo da faculdade). A única foto registrada foi perdida. Dani, companheira nossa de DCE, apagou a imagem, muito provavelmente por ter ficado puta, pois queria ela ter estado lá (brincadeirinha, Dani).

Abaixo, um pedaço bem pequeno de um dia marcante.


Em meio à possibilidade de não realizar esta entrevista no camarim momentos antes do show, saímos (Vinícius e eu) às ruas da cidade ansiosos e apreensivos. Ansiosos porque entrevistaríamos um dos grandes ícones do rock nacional. Apreensivos, vendo que havia uma chance de não conseguirmos um depoimento sequer.

Roberto Frejat concedia entrevista coletiva, naquele instante, no hotel em que estava hospedado. Quando chegamos, não havia mais nada. Mas havia alguém: um dos seguranças da banda.

Simpático e prestativo, ouviu-nos com atenção e entendeu a nossa necessidade de disponibilizar no informativo da entidade um depoimento da banda por meio do seu vocalista, que tocaria mais tarde em Marília. Dez minutos depois, Frejat chegou ao saguão do hotel, onde o segurança passou a ele a nossa intenção. O “Rei dos Blues” nos recebeu na hora e falou, com exclusividade, ao G&T.

O início, passagens da história, Cazuza e o novo trabalho foram assuntos que Frejat se prontificou a responder.

Com a palavra, para você, leitor do informativo, Roberto Frejat, vocalista do Barão Vermelho.

[G&T] Toda banda, ao se formar, decide se reunir com algum intuito, seja ele financeiro ou ideológico. No caso de vocês, com qual propósito o grupo Barão Vermelho se juntou?
[FREJAT] Na verdade, o grupo começou com o Guto e o Maurício. Eles já estavam querendo fazer uma banda de rock. Isso na época que a gente começou, em 1981, não tinha o menor potencial comercial. A ideia era fazer uma coisa que a gente gostasse, e eles conseguiram uma data para fazer um show de uma banda, e essa data foi o primeiro objetivo para a banda ser formada.

[G&T] Quando participaram do Rock in Rio 85, vocês gravaram o primeiro disco ao vivo da banda. Por esse grandioso evento ter acontecido apenas três vezes, você acha que o festival não engrenou?
[FREJAT] Não. Na verdade, eu acho o Rock in Rio um grande sucesso como marca, é o festival conhecido no mundo inteiro, que é difícil de acontecer quando um evento desse tem destaque no Brasil. Um evento desse tamanho dificilmente é comportado anualmente: primeiro pela quantidade de artistas que é preciso colocar; depois, se ficar anual, acaba exigindo uma certa rotatividade de artistas, e nem todos têm disponibilidade para vir ao Brasil. O Rock in Rio abriu a porta para os artistas internacionais virem ao país. A partir do festival, o Brasil ficou confiável para se fazerem shows.


[G&T] Neste novo trabalho, o Ao Vivo MTV, vocês inseriram o Cazuza em uma das músicas [Codinome Beija-Flor]. De quem foi a ideia? Por quê?
[FREJAT] A ideia veio do Guto e do Maurício, porque todos esses shows ao vivo da MTV têm convidados. Nenhuma pessoa como convidada especial seria mais coerente com o trabalho do que o Cazuza. Fazer com que ele estivesse ali com a gente seria sensacional. O Guto sugeriu Codinome Beija-Flor, que é uma música belíssima. A partir disso, só faltou resolver os problemas técnicos para que acontecesse. É difícil fazer esse “encontro”, mas a gente tem feito e fica um momento muito emocionante do espetáculo.

[G&T] Por que a música O tempo não para foi escolhida para o repertório do CD e DVD, já que é de autoria do Cazuza e do Arnaldo Brandão, e Ideologia, música da parceria Frejat/Cazuza, não foi gravada?
[FREJAT] A gente achou que O tempo não para era uma letra muito atual, uma música que cabia uma interpretação do Barão. Talvez um discurso muito pessoal do Cazuza não funcionasse. E eu tinha em mente que Ideologia, mesmo sendo escrita por mim também, possuía esse discurso próprio do Cazuza.

[G&T] Como vem sendo a receptividade do público com relação a este novo trabalho de vocês, com o CD duplo e o primeiro DVD?

[FREJAT] Tudo está correndo da melhor maneira possível, acima daquilo que esperávamos. E o melhor de tudo isso é que a gente percebe que todas as faixas etárias acompanham o nosso trabalho. Ainda hoje nós vemos, em todos os lugares em que fazemos shows, pessoas mais novas do que a gente, da nossa idade e até mais velhas assistindo e cantando as nossas músicas. Por causa disso, este trabalho atual está sendo maravilhoso.

domingo, 15 de dezembro de 2013

SE LEI E JUSTIÇA ESTÃO EM LADOS OPOSTOS, SEJAMOS JUSTOS

O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) julgará amanhã (16/12) se a Portuguesa será punida pela escalação do jogador Héverton, atleta impossibilitado de atuar por ter sido suspenso pelo mesmo tribunal. O atacante havia cumprido um jogo de gancho e precisaria ficar ausente de mais um, no caso, o embate contra o Grêmio, na última rodada do Campeonato Brasileiro.

A rigor da lei, a Lusa deveria perder o ponto que conquistou no empate (0x0) contra o time gaúcho, além de mais três pontos por escalar irregularmente determinado jogador. Na leitura fria da lei, chega-se à conclusão de que o clube paulista deve perder os quatro pontos, passando a somar uma pontuação menor que a do Fluminense (de 48 passaria a 44, dois a menos que o Flu), time que ficou em 17º lugar, ou seja, o primeiro dos quatro últimos. Sendo assim, o clube das Laranjeiras permaneceria na divisão de elite do futebol nacional e a Portuguesa disputaria a Série B em 2014.

No entanto, a reflexão aqui traz como elemento principal a ideia de justiça. Em tese, uma lei é elaborada e aplicada com vistas a resguardar o exercício da justiça, o que significa afirmar que justiça e legislação caminham de mãos dadas, isso quando não são a mesma coisa. A execução da lei é, então, o desenrolar automático daquilo que entendemos por justiça.


O fato é que, neste caso, o cumprimento da lei conduz a situação a um desfecho oposto ao que ela, a lei, deveria conceber. Isto é, leva o caso à consumação de uma injustiça. E por quê? Primeiro, a Lusa não cometeu o erro por dolo, ainda que o crime culposo seja passível de punição. Segundo, o jogador irregular atuou durante os últimos 14 minutos de uma partida que não valia rigorosamente nada e que, como já dito, terminou em 0x0. A Lusa estava livre do rebaixamento e o Grêmio, classificado para a Libertadores do próximo ano. Terceiro, o tricolor carioca não caiu para a segunda divisão devido à escalação ilegal do jogador da Portuguesa. E é justamente pelos três motivos – especialmente pelos dois últimos – que seria descabido punir o time paulista e, consequentemente, livrar o Flu.

O que fazer, pois, se o regulamento prevê uma atitude por parte dos juízes desportivos e o cumprimento da justiça pede outra ação? É evidente que não cumprir a lei abriria um precedente, no qual outros clubes futuramente poderiam se apoiar – aí, sim, de má fé – para tirar uma vantagem qualquer.

A alternativa mais cabível seria extrair os quatro pontos da Lusa no início do campeonato seguinte. Dessa forma, o clube iniciaria o Brasileirão-2014 com -4 pontos, não favorecendo, agora, diretamente o Fluminense, já que este – e nem qualquer outro time – não tem direito algum de se beneficiar do erro alheio. Como dissemos, o tricolor do Rio não foi rebaixado pela escalação irregular do atleta de outro time, e sim pela própria incompetência administrativa e técnica. Em suma, a Portuguesa seria punida, como manda a lei, mas sem beneficiar de forma direta clube nenhum. Neste caso, cumpre-se a lei e preserva-se a justiça.


Para o ano que vem, com o Fluminense atuando na Série B e a Portuguesa devidamente punida, como manda a regra, é importante pensar na reformulação do regulamento, já que ficou provado que este não está em conformidade com o que se entende por justiça.

A mudança mais emergencial deve prever a punição com a perda dos pontos do jogo – e nada mais –, mexendo minimamente na classificação. Outro método a ser implantado é aprimorar a comunicação entre tribunal e clubes, que, diga-se, funciona de maneira amadora. Hoje, o tribunal passa a decisão jurídica ao advogado ou representante do clube e este repassa à direção. O ideal é que essa comunicação ocorra de modo direto, com base em notificação. Por incrível e mais elementar que possa parecer, não é assim que a CBF e o STJD trabalham, dando a dimensão da precariedade a que está entregue o nosso futebol.

Embora tenha havido ilegalidade, a Lusa não foi imoral. Que a moral do campo prevaleça e vença, pois o que está em jogo agora não é a necessidade do Fluminense jogar a segunda divisão por já ter se livrado de outro rebaixamento, em 2000. O elemento-chave aqui é não prejudicar deliberadamente um clube menor, traço histórico do futebol brasileiro. Exige-se apenas e tão somente justiça.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

“ELE TERIA DITO” OU “ELE DISSE”: o bom jornalismo não relativiza

Eis a prerrogativa elementar da imprensa: informar o público de modo responsável acerca dos assuntos que lhe são relevantes. Se reduzíssemos a máxima jornalística a uma palavra, encontraríamos o termo informar. Porém, com as novas tecnologias e a concorrência cada vez mais acirrada, começa a despontar no jornalismo da grande mídia uma prática que vai de encontro ao seu papel elementar: tornou-se habitual utilizar o verbo no condicional para se referir a algum fato que não foi devidamente apurado e que, portanto, não deveria ser publicado.

E por que essa mudança de vocação acontece? Ocorre que a disputa por quem publica primeiro a notícia, o que o jargão habituou-se a chamar de furo, apressou a apuração da informação, isso quando não boicota tal procedimento, fundamental na práxis jornalística. É sabido que a ordem da livre-iniciativa, sob a permissão do capitalismo, tomou conta da economia. Como a grande mídia funciona tal qual uma empresa, informação e lucro passaram a ser indissociáveis. É aí que entram as conveniências, quando um veículo noticia aquilo que apetece a si e a seus parceiros, e o jornalismo, é obvio, perde.

Aliado a isso vêm as novas tecnologias, encabeçadas pela internet e suas ferramentas mais usuais. E é inevitável analisar a imprensa online sem entender que essa interface influencia todas as demais, especialmente a TV. Porque é natural um canal televisivo se incomodar com a rapidez com que a informação escoa na internet, e deixar-se dominar pela pressa, que o senso comum, inteligentemente, afirmou ser inimiga da perfeição. Não se pretende aqui demonizar a evolução tecnológica, mas prudência no seu uso pode regrar o vai-vem informativo.


É nessa necessidade – mais preocupada com o lucro do que com a informação, diga-se – que se encontra o problema. Não é raro ler ou ouvir frases hipotéticas, cujo verbo se apresenta no condicional: “fulano teria dito”, “sicrano teria feito”. Preza o bom jornalismo que se a informação não foi devidamente apurada, a ponto do verbo não conseguir cravar a ação, ela não vira notícia. É algo tão elementar que se aprende nos primeiros meses de faculdade ou de redação.

O dilema, que o mercado se incumbiu de excluir, é esse: “espero para ter certeza e corro o risco de ser superado pela concorrência ou, mesmo na dúvida, publico, pois se eu não fizer, outro o fará, e depois verifico se o fato confere ou não?”. A dúvida inexiste, pois a premência de tudo faz prevalecer, especialmente na grande mídia online – com respingos na TV –, a segunda opção. E vemos, então, um festival de leads com verbos portando o sufixo “ia”.
Trecho do texto, publicado em 19 de abril de 2012 na seção Poder, extraído do portal www.folha.uol.com.br, cujo título simboliza o assunto abordado neste post.

Entre isso e a não informação a distância é nula. Em caso de incertezas, é simples: não há o que publicar. Mas como a disputa empresarial é intensa e as ferramentas de disponibilização de conteúdo agilizam afirmações e desmentidos, o mote do jornalismo deixa de ser a publicação da verdade factual e se torna apenas a publicação. A verificação da fidedignidade era condição precípua para a veiculação da notícia. Sob a nova tendência, a confirmação fica para depois.

O jornalismo, enquanto campo de atuação junto à sociedade e mediação entre esta e os acontecimentos, construiu a sua credibilidade não pela quantidade de fatos noticiados, mas sim pela garantia de portar consigo a verdade, o elemento confiável que imprime fidelidade entre público e meio de comunicação. O que seria dos amontoados de manchetes sem uma boa história, rigorosa como deve ser, capaz de dar sentido aos destaques e fazendo a capa valer a pena. 

sábado, 7 de dezembro de 2013

1918-2013: a história se escreveu

É difícil não ser piegas ao falar de Mandela. Tentarei não ser. Ao mesmo tempo, dane-se o patrulhamento aos adjetivos demasiadamente afetuosos. Se não os descarregarmos sobre Nelson, teceremos loas a quem? Excetuando as divindades e os semi-deuses – antes que os fundamentalistas de todas as partes me acusem de blasfêmia imperdoável –, Madiba foi das criaturas mais admiráveis a pôr os pés neste mundo. O que não simboliza dizer que o líder sul-africano fosse perfeito. Não era, ainda bem, pois as perfeições podem ser entediantes e incompreensíveis.

Como se vê, os nomes eram vários: seis ao todo, sempre preservando o sobrenome Mandela. Rolihlahla, em Xhosa (tribo à que pertencia, por causa do pai, quando nasceu), significa aquele que traz problemas. Nelson foi o nome que ganhou na escola, devido à influência inglesa no país. Madiba, nome do clã pertencente ao povo Thembu do qual passou a fazer parte. Tata, em Xhosa, significa pai. Khulu, em Xhosa, tem sentido de avô, sendo também sinônimo de grande e supremo. Dalibhunga, nome que recebeu da etnia Xhosa aos 16 anos, cujo significado profético é criador da conciliação, do diálogo.


Mandela, homem de coração largo e generoso, é daqueles que não deveriam morrer. É impressionante notar que o sul-africano viveu seus 95 anos de tal forma, que se a minha vida e a sua, caro leitor, fossem somadas, ficaríamos aquém, ainda que vivêssemos praticamente um século ou mais. Nós, os medíocres, deveríamos só olhar, porque Mandela inspira. Diferente do resto, eis o homem que tinha o sorriso, o olhar e a palavra e, por isso, não era um qualquer.

É senso comum dizer que o mundo seria bem melhor se mais Mandelas aparecessem. Mas ele só foi quem foi por ser um. E a ideia da raridade é justamente essa: fazer com que a figura fique para a posteridade por ser única, a referência, e não o banal. É como se Deus tivesse botado uma porção a mais de si em Mandela para que o mundo pudesse deliciar. Mas nada disso bastaria, se o revolucionário não tivesse o talento humano de potencializar o dom.


A filosofia platônica prega que a morte é a cura. É o momento em que a alma, infinita e perfeita, desprende-se do corpo, perecível e falho. Para Platão, a viver terrenamente é inviável, pois como pode ser boa uma vida que se desenrola com base no aprisionamento? Ao que parece, Mandela desmentiu um dos gigantes do pensamento grego. Mostrou que o corpo pode complementar a alma e consumar o impossível. Um beijo, Dalibhunga.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

NUM PARÁGRAFO, O FIM

O papel amassado, a tinta borrada e os dedos manchados denunciavam: aquela carta fora lida diversas vezes. Ela revisava frase por frase, uma palavra após a outra, na expectativa de ser dissuadida por um desfecho contrário ao que ficara explícito. Ela relia o parágrafo único sem resignação, como quem procurava uma linha a mais que portasse um “todavia”, um “porém ou um “mas”. Mas, não. A companheira, a mesma com quem enfrentara o preconceito da família e de toda a sociedade, partiu. O que tornava tudo tão incompreensível era o fato de não ter havido o olho no olho, uma troca qualquer de palavras. Talvez tivesse doído menos ouvir um “acabou, não te quero mais”. A escrita, ao contrário da oralidade, deixa em aberto o verdadeiro sentimento que motivou a atitude: “estaria ela com raiva, hesitante, decidida?”. Cada lágrima enxugada carregava consigo a esperança de não ter lido acertadamente o final trágico ou de encontrar uma explicação que pudesse ser esclarecida, e tudo voltaria a ser como sempre foi. Mas, não. Não existia um motivo lógico ou evidente: a mulher, que até a leitura da carta fora sua, deixou-a para não mais sê-la, não obstante uma lembrança terna da felicidade que se esvaiu. Simplesmente, acabou, como pode ser finito qualquer amor incapaz de se reinventar.



quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O NOSSO MORALISMO, COMO DE PRAXE, APONTA PARA A PESSOA ERRADA

O jogador brasileiro Diego Costa, 25 anos, natural de Lagarto (SE), que atua no Atlético de Madri, fez na última terça-feira uma escolha que irá despertar a ira dos brasileirinhos patriotas: abriu mão da convocação à Seleção Brasileira para atuar pela atual campeã mundial, a Espanha. Não se discute a legalidade nem o quão saudável ao esporte é a possibilidade de um atleta de um determinado país ser “contratado” para atuar por outro, visando especialmente os torneios importantes. A brecha no regulamento permite tal movimentação.

Isso à parte, que me perdoem os pachecos de plantão, mas o jogador tem o direito de defender a esquadra que preferir, ainda mais se a regra permite. E lembremos do momento que vivemos: não é mais tempo de esbravejar que “ele virou as costas para o país, traiu toda uma nação!”, e mais aquelas frases feitas que soam ensaiadas e não menos hipócritas. Qualquer moralismo é incabível e, convenhamos, as lições dessa ordem nunca combinaram com o futebol. Que Diego Costa tenha sucesso como jogador da Fúria.


O outro lado dessa discussão cabe ao técnico do Brasil, Luiz Felipe Scolari. Se há alguém que não pode se queixar do veredicto do atacante é o gaucho. Felipão convocou, em 2012, o atual artilheiro do campeonato espanhol para dois amistosos importantes (Itália e Rússia). Na soma dos dois jogos, foram 31 minutos dados a Diego pelo técnico canarinho. É fato que o rendimento não foi bom, mas é fato também que Scolari perdeu muito tempo, em 2013, com Alexandre Pato – em má fase e reserva no Corinthians –, enquanto Diego Costa, sem ser convocado, anotava mais tentos que Messi e Cristiano Ronaldo na Liga Espanhola.

E esse é o ponto-chave do debate. Ainda que Diego Costa não seja um jogador de alto nível, merecia mais chances, especialmente vendo atacantes, cujo rendimento em seus clubes era bem inferior, sendo chamados e não convencendo. Em vista disso, a sensação é que o sinal positivo dado por Vicente del Bosque, treinador da Espanha, no sentido de querer contar com o jogador, despertou no técnico brasileiro aquele sentimento de quem “dormiu no ponto”, e decidiu reparar o erro. Um pouco tarde, Felipão. Ao invés de sensacionalizar o assunto, dizendo publicamente que o sergipano “deu as costas ao sonho de milhões de brasileiros”, a sua responsabilidade era convocá-lo justamente por ser o melhor atacante brasileiro em atividade. Se houve alguém a dar as costas a outrem foi o bigodudo que comanda a Seleção.


É fundamental que o jornalismo não acirre ainda mais os ânimos e passe a tratar a decisão de Diego Costa com desapego e sem o velho discurso piegas. É papel importante da imprensa não botar mais paixão em meio a um esporte que quase não resguarda o mínimo de racionalidade. A despeito da nossa safra ruim na posição de centro-avante, já foi mostrado que a Seleção possui uma base competitiva para a disputa do mundial. É obrigação do treinador garimpar outro atacante, depois da negligência que não passou impune.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

ORAÇÃO DO DESEJOSO AGRADECIDO

Meu bom Deus,

Obrigado pela vida.
Pela natureza organizada,
Embora nossa percepção limitada
Faça tudo parecer caótico.

Peço que continue a nos velar.
Que o entendimento e a lucidez permeiem nossas ações,
Porque sem discernimento
Nada é digno de valer a pena.

Obrigado pela liberdade,
Pela possibilidade de sermos alguém.
Por nos responsabilizar
Ou consagrar o que aqui se faz.

Oro para que a capacidade de conhecimento avance.
Que a razão possa desmistificar o mundo
E novos desafios venham,
Pois a comodidade e o obscurantismo corrompem.

Agradeço pela brevidade.
Tanto das gentes, como das coisas.
O eterno banaliza as coisas
E não dá às gentes um mote.

Rezo para que sejamos também afeto.
Porque o método pragmatiza.
E sem sentimento,
Encontrar-te é impossível.

Amém