De modo geral, o
homem tem como característica ser mais contido que a mulher. Com uma exceção
aqui e ali, o ímpeto e a delicadeza são traços marcantes femininos, ao passo que
a contenção e a dureza marcam o sexo oposto. Enquanto o homem é paciente e ouve
os seus iguais um de cada vez, a mulher fala sem parar, junto das demais, e para
quem está de fora recai a tarefa indigesta de compreender o que estão a dizer.
Sabe Deus como, elas se entendem, mesmo num aparente cenário de completo
desentendimento.
Por falar
incontrolavelmente, a mulher expõe às companheiras cada retalho da sua vida,
mesmo porque escuta das outras passagens triunfantes ou fracassadas. É assim quando
o assunto em trânsito são os relacionamentos. Numa conversa entre semelhantes,
o papo feminino é aberto, sem pudores. Incensuráveis detalhes do primeiro
encontro, do beijo inicial, da língua que não queria ir, mas foi. Da língua que
desejava, mas recuou. E a primeira transa? Ah, a primeira transa... A mulher
relata com paixão e poesia o ato afetuoso e instintivo. Se só afetuoso, chato. Se
só instintivo, também. O fato é que ela comunica, na íntegra, todas as nuances.
Ou para se gabar ou para imputar ao acontecimento uma idealização inexistente. Mas
ela, incontida, e as outras, insaciáveis, falam e ouvem, ouvem e falam, falam,
falam, falam.
O homem, não. É direto,
reto e conciso. Num romance breve e descompromissado, ele abre a caixa preta da
relação para jogar no ventilador cada mão ousada, cada beijo indiscreto, cada
ato pecaminoso e divertido. Ali, a mulher é uma qualquer, desconhecida, alguém
quase sem nome, sem vida e, justamente por isso e só por isso, o homem se
diverte às suas custas, aproveita para elevar-se a uma grandeza que jamais
possuiu, mas eis ali uma oportunidade para que ele minta para si e aos outros e
seja visto como o homem que teve aquela mulher. Só que, da mesma forma, ela já
fora, facilmente, de outros tantos. Da mesma forma, ele fora dela tão
ridiculamente quanto.
Mas se a mulher
com quem está não for apenas uma diversão momentânea, então ele com ela não
está, mas é. E a redoma minuciosamente construída protege a mulher sua dos
comentários alheios. O melindre é tamanho, que nem mesmo ele se permite
mencioná-la. É sacra, está acima das palavras que tentarão, sem sucesso,
defini-la, pelo simples fato de que aquela que o tem sob o seu domínio paira
acima das descrições. Não há referências para caracterizá-la. Ela é o que é. A partir
daí, todas as coisas que o casal confidencia são deles. Transformar o sumo belo
em discurso, compartilhado com terceiros, é fazer da relação, do subjetivismo,
uma pressuposição falível, desfigurada e banal. Para o homem que ama, seja o
olhar ou o sexo, nada é ordinário. Essa sensação o intimida a falar, ele se
cala, e nem Cristo é capaz de tirar uma revelação dessas.
A mulher, quando
ama, fala. Ela torna público o seu contentamento, dividindo com as amigas os
meandros da sua relação com alguém. A incontinência feminina torna terceiros
cúmplices e parte do contato que tem com outro – ou outra. O homem silencia. Tem
pra si, mesmo de modo inconsciente, que não revelar nada sobre ela é uma forma
de cultuá-la. Nem o amigo mais fiel tem acesso ao que só o pensamento sabe. Ao contrário
da mulher, ao ser impedido de enxerir na intimidade do quase-irmão, ele
respeita sem esforçar-se, porque imprime, junto ao amigo, o mesmo sigilo sobre
a mulher amada.