sábado, 7 de dezembro de 2013

1918-2013: a história se escreveu

É difícil não ser piegas ao falar de Mandela. Tentarei não ser. Ao mesmo tempo, dane-se o patrulhamento aos adjetivos demasiadamente afetuosos. Se não os descarregarmos sobre Nelson, teceremos loas a quem? Excetuando as divindades e os semi-deuses – antes que os fundamentalistas de todas as partes me acusem de blasfêmia imperdoável –, Madiba foi das criaturas mais admiráveis a pôr os pés neste mundo. O que não simboliza dizer que o líder sul-africano fosse perfeito. Não era, ainda bem, pois as perfeições podem ser entediantes e incompreensíveis.

Como se vê, os nomes eram vários: seis ao todo, sempre preservando o sobrenome Mandela. Rolihlahla, em Xhosa (tribo à que pertencia, por causa do pai, quando nasceu), significa aquele que traz problemas. Nelson foi o nome que ganhou na escola, devido à influência inglesa no país. Madiba, nome do clã pertencente ao povo Thembu do qual passou a fazer parte. Tata, em Xhosa, significa pai. Khulu, em Xhosa, tem sentido de avô, sendo também sinônimo de grande e supremo. Dalibhunga, nome que recebeu da etnia Xhosa aos 16 anos, cujo significado profético é criador da conciliação, do diálogo.


Mandela, homem de coração largo e generoso, é daqueles que não deveriam morrer. É impressionante notar que o sul-africano viveu seus 95 anos de tal forma, que se a minha vida e a sua, caro leitor, fossem somadas, ficaríamos aquém, ainda que vivêssemos praticamente um século ou mais. Nós, os medíocres, deveríamos só olhar, porque Mandela inspira. Diferente do resto, eis o homem que tinha o sorriso, o olhar e a palavra e, por isso, não era um qualquer.

É senso comum dizer que o mundo seria bem melhor se mais Mandelas aparecessem. Mas ele só foi quem foi por ser um. E a ideia da raridade é justamente essa: fazer com que a figura fique para a posteridade por ser única, a referência, e não o banal. É como se Deus tivesse botado uma porção a mais de si em Mandela para que o mundo pudesse deliciar. Mas nada disso bastaria, se o revolucionário não tivesse o talento humano de potencializar o dom.


A filosofia platônica prega que a morte é a cura. É o momento em que a alma, infinita e perfeita, desprende-se do corpo, perecível e falho. Para Platão, a viver terrenamente é inviável, pois como pode ser boa uma vida que se desenrola com base no aprisionamento? Ao que parece, Mandela desmentiu um dos gigantes do pensamento grego. Mostrou que o corpo pode complementar a alma e consumar o impossível. Um beijo, Dalibhunga.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

NUM PARÁGRAFO, O FIM

O papel amassado, a tinta borrada e os dedos manchados denunciavam: aquela carta fora lida diversas vezes. Ela revisava frase por frase, uma palavra após a outra, na expectativa de ser dissuadida por um desfecho contrário ao que ficara explícito. Ela relia o parágrafo único sem resignação, como quem procurava uma linha a mais que portasse um “todavia”, um “porém ou um “mas”. Mas, não. A companheira, a mesma com quem enfrentara o preconceito da família e de toda a sociedade, partiu. O que tornava tudo tão incompreensível era o fato de não ter havido o olho no olho, uma troca qualquer de palavras. Talvez tivesse doído menos ouvir um “acabou, não te quero mais”. A escrita, ao contrário da oralidade, deixa em aberto o verdadeiro sentimento que motivou a atitude: “estaria ela com raiva, hesitante, decidida?”. Cada lágrima enxugada carregava consigo a esperança de não ter lido acertadamente o final trágico ou de encontrar uma explicação que pudesse ser esclarecida, e tudo voltaria a ser como sempre foi. Mas, não. Não existia um motivo lógico ou evidente: a mulher, que até a leitura da carta fora sua, deixou-a para não mais sê-la, não obstante uma lembrança terna da felicidade que se esvaiu. Simplesmente, acabou, como pode ser finito qualquer amor incapaz de se reinventar.



quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O NOSSO MORALISMO, COMO DE PRAXE, APONTA PARA A PESSOA ERRADA

O jogador brasileiro Diego Costa, 25 anos, natural de Lagarto (SE), que atua no Atlético de Madri, fez na última terça-feira uma escolha que irá despertar a ira dos brasileirinhos patriotas: abriu mão da convocação à Seleção Brasileira para atuar pela atual campeã mundial, a Espanha. Não se discute a legalidade nem o quão saudável ao esporte é a possibilidade de um atleta de um determinado país ser “contratado” para atuar por outro, visando especialmente os torneios importantes. A brecha no regulamento permite tal movimentação.

Isso à parte, que me perdoem os pachecos de plantão, mas o jogador tem o direito de defender a esquadra que preferir, ainda mais se a regra permite. E lembremos do momento que vivemos: não é mais tempo de esbravejar que “ele virou as costas para o país, traiu toda uma nação!”, e mais aquelas frases feitas que soam ensaiadas e não menos hipócritas. Qualquer moralismo é incabível e, convenhamos, as lições dessa ordem nunca combinaram com o futebol. Que Diego Costa tenha sucesso como jogador da Fúria.


O outro lado dessa discussão cabe ao técnico do Brasil, Luiz Felipe Scolari. Se há alguém que não pode se queixar do veredicto do atacante é o gaucho. Felipão convocou, em 2012, o atual artilheiro do campeonato espanhol para dois amistosos importantes (Itália e Rússia). Na soma dos dois jogos, foram 31 minutos dados a Diego pelo técnico canarinho. É fato que o rendimento não foi bom, mas é fato também que Scolari perdeu muito tempo, em 2013, com Alexandre Pato – em má fase e reserva no Corinthians –, enquanto Diego Costa, sem ser convocado, anotava mais tentos que Messi e Cristiano Ronaldo na Liga Espanhola.

E esse é o ponto-chave do debate. Ainda que Diego Costa não seja um jogador de alto nível, merecia mais chances, especialmente vendo atacantes, cujo rendimento em seus clubes era bem inferior, sendo chamados e não convencendo. Em vista disso, a sensação é que o sinal positivo dado por Vicente del Bosque, treinador da Espanha, no sentido de querer contar com o jogador, despertou no técnico brasileiro aquele sentimento de quem “dormiu no ponto”, e decidiu reparar o erro. Um pouco tarde, Felipão. Ao invés de sensacionalizar o assunto, dizendo publicamente que o sergipano “deu as costas ao sonho de milhões de brasileiros”, a sua responsabilidade era convocá-lo justamente por ser o melhor atacante brasileiro em atividade. Se houve alguém a dar as costas a outrem foi o bigodudo que comanda a Seleção.


É fundamental que o jornalismo não acirre ainda mais os ânimos e passe a tratar a decisão de Diego Costa com desapego e sem o velho discurso piegas. É papel importante da imprensa não botar mais paixão em meio a um esporte que quase não resguarda o mínimo de racionalidade. A despeito da nossa safra ruim na posição de centro-avante, já foi mostrado que a Seleção possui uma base competitiva para a disputa do mundial. É obrigação do treinador garimpar outro atacante, depois da negligência que não passou impune.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

ORAÇÃO DO DESEJOSO AGRADECIDO

Meu bom Deus,

Obrigado pela vida.
Pela natureza organizada,
Embora nossa percepção limitada
Faça tudo parecer caótico.

Peço que continue a nos velar.
Que o entendimento e a lucidez permeiem nossas ações,
Porque sem discernimento
Nada é digno de valer a pena.

Obrigado pela liberdade,
Pela possibilidade de sermos alguém.
Por nos responsabilizar
Ou consagrar o que aqui se faz.

Oro para que a capacidade de conhecimento avance.
Que a razão possa desmistificar o mundo
E novos desafios venham,
Pois a comodidade e o obscurantismo corrompem.

Agradeço pela brevidade.
Tanto das gentes, como das coisas.
O eterno banaliza as coisas
E não dá às gentes um mote.

Rezo para que sejamos também afeto.
Porque o método pragmatiza.
E sem sentimento,
Encontrar-te é impossível.

Amém



terça-feira, 15 de outubro de 2013

FAÇA JUS AO NOME: a autoajuda só pode vir de você, não dum livro

Como são fantásticos os livros de autoajuda! Com eles, é possível emagrecer 50 quilos em uma semana, ainda que a gente tenha se alimentado mal e errado a vida inteira. Com esse gênero de literatura, a gente consegue chegar à felicidade ou resolver os maiores desafios da vida ao ler as sete ou dez dicas desse ou daquele livro. É bem verdade que a Filosofia debate essas dúvidas desde o século VI a.C., e ainda não encontrou uma resposta definitiva – e possivelmente não achará nunca.

Mas o que é o maior campo do saber, se comparado a um livro de autoajuda? Se a Filosofia patina há 28 séculos, o livreto com as dez soluções existenciais para viver melhor é capaz de descobrir isso em pouco tempo, e mais: resume tudo em algumas páginas. Esse fenômeno diz muito sobre quem somos, o nosso comodismo de buscar o caminho mais fácil, sem discernir (e por que nos daríamos a tamanho trabalho?) que essas bulas não passam de ilusão.


Como se cada pessoa não tivesse uma maneira peculiar de ser feliz ou de buscar qualquer outro anseio. Não há fórmulas e, por isso, criar um padrão que abranja um número extenso de pessoas é negar o óbvio: cada microcosmo (indivíduo) é um emaranhado de defeitos e virtudes, uma aquarela genética, perfis conflitantes que habitam meios completamente distintos. Como botar toda essa diversidade sob o jugo de um referencial apenas?

O mais grave é o leitor não entender isso. Porque o receituário promete mil milagres, mas possui um defeito crucial: ele é incapaz de se adequar plenamente a nós. O ser, mutante que é, daqui a um segundo não será mais quem foi há pouco. A existência humana é tão complexa, e dialética, e paradoxal, que não há livro que possa consumar todas as crises. O homem desenvolveu a inteligência justamente por isso: para buscar, dentro de si, nos confins da sua própria existência, a resposta para o que o angustia.

Como são tristes os livros de autoajuda...

sábado, 5 de outubro de 2013

AMARILDO, O “BOI”, FOI UMA VÍTIMA DO NOSSO TRAÇO CULTURAL MAIS PERVERSO

Digamos que Amarildo de Souza, o “Boi” (como poucos, ele conseguia carregar, nos ombros, dois sacos de cimento numa única corrida, fazendo jus ao codinome), fosse traficante ou tivesse qualquer tipo de relação com o crime organizado na Comunidade da Rocinha. Digamos que Amarildo não fosse o ajudante de pedreiro que era, cujos contra-cheques comprovam a sua atuação como tal. Digamos que, mesmo envolvido no poder paralelo da maior favela brasileira, Amarildo preferia – só pra não chamar a atenção – morar numa casa de 18m² (provavelmente um espaço menor que a sala da sua casa), único cômodo, sem rede de esgoto, com a esposa e seis filhos.

A despeito de todas essas hipóteses, que cada vez mais são derrubadas, Amarildo não merecia o fim que teve. Ninguém merece. Não só porque o “Boi” era inocente. É que não é digno, nem do pior bandido, morrer da forma que foi, pelas mãos do Estado a desfechar o caso com tamanha frieza, como se ele, o Estado, fosse um... criminoso, o mais desprezível entre todos. Porque, em sã consciência, pouca gente é capaz de contradizer o óbvio: a PM do Rio, alocada na UPP, um dia depois da operação “Paz Armada”, chefiada pelo Major Edson Santos, torturou e executou “Boi”. É para isso que as investigações da polícia civil apontam.


Embora lamentável, não é uma prática pouco recorrente, especialmente em regiões carentes. É o velho ranço da escravidão, que ainda responde pela afinidade entre negritude e pobreza. Tal como naquela época, o zelo pela vida do miserável quase inexiste. No fim, quem se importa com um favelado morto? Razão pela qual, em situações como esta, cai em voga o comentário: “e quem garante que ele não era bandido?”. Eis a pergunta mesquinha, pois nem perto de justificar qualquer agressão, quanto mais a morte. Para quem ainda não percebeu, o Brasil é um Estado Democrático de Direito, e, diante de qualquer suspeita, o procedimento correto requer indícios, evidências, provas, além de julgamento com ampla defesa do acusado e, se for o caso, prisão sem pena de morte.

A ação, como já analisou este blogueiro (http://semcensor.blogspot.com.br/2013/08/o-povo-nas-ruas-pm-e-o-jn-conheceram.html), está mais relacionada à PM e menos aos profissionais em si. Claro que há o policial corrupto, como há em qualquer profissão. É bem verdade também que a diferença entre um PM corrupto e, por exemplo, um advogado corrupto é enorme: o primeiro trabalha armado, e uma ação sua indevida pode ceifar uma vida. Até por isso, é justo que o fardado receba um salário melhor que o atual, condições mais apropriadas de trabalho (armamentos e equipamento sofisticados), mais treinamentos. Enfim, é fundamental que a corporação esteja escorada num sistema de inteligência que faça o PM se expor o menos possível, seja para o bem ou para o mal.


Além disso, é necessário arrancar da polícia militar o DNA que a acompanha desde a sua origem. Quando assume a posição de defender o poder de quem o ameaça, ou seja, o povo, acaba por agir como no “caso Amarildo”. Para a polícia, se o povo é uma ameaça que deve ser extirpada, imagine, então, a porção pobre da massa. Amarildo é vítima dessa sistemática, que tem governos e polícias no centro da discussão, porém sem cometer as atrocidades sozinhos: a sociedade, que abre mão de ter esses acontecimentos como prioridade, é parte culpada também.

O “Boi” foi vítima da PM aristocrata que temos, tão ultrapassada quanto violenta, e da sociedade que negligencia questões desse tipo. O que aconteceu a Amarildo – e a tantos outros pobres e pretos como ele – retrata pouco ou muito um Brasil ainda enraizado no que de pior esse país já teve. A morte desse ajudante de pedreiro, pai de seis filhos, não pode ser em vão. Porque ela joga luz sobre uma PM que age feito aqueles que nos despertam os maiores medos. Se a sociedade acha tudo isso normal, ela também tortura e mata um pobre da Rocinha.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

QUANDO AMBOS MENTEM NUM RELACIONAMENTO

O texto de hoje vai pra você, que já caiu no falso discurso bondoso e compreensível da mulher que está ao seu lado. Porque o tempo juntos, a longevidade do relacionamento, faz com que a gente acredite que as nossas cagadas (todas elas) possam ser perdoadas incondicionalmente. O pior de tudo é que cremos nisso, pois a outra peça da relação assume que não te porá contra a parede, caso você confesse “um crime”.

A situação mais clássica – que já aconteceu comigo e deve ter ocorrido com você também – é quando passa uma mulher ao seu lado, e a sua companheira, antes mesmo de você, nota que a criatura em movimento é uma das coisas mais lindas que já pairaram na Terra. Sucede a essa conclusão a velha pergunta manjada de toda mulher temerosa: “você achou aquela moça bonita?”. Na sequência, a afirmação (também dela): “pode falar a verdade, eu não vou ficar brava”. Aí é que mora o problema...

Porque a causa de toda a guerra mundial do casal que virá após a sua resposta, caso ela seja positiva, é justamente aquele adendo à pergunta, quase que de forma despretensiosa, aparentemente sem querer (“pode falar a verdade, eu não vou ficar brava!”), mas que é uma arma poderosa da mulher para “espremer” o macho adiante (algo semelhante ao jargão policial “tudo o que disser poderá ser usado contra você no tribunal”). E o homem – ou a outra mulher – da relação, despreparado, desatento e inocente, cai feito um pato, cometendo o maior erro que alguém pode praticar nessa situação: dizer a verdade.


Esta é uma verdade que jamais pode ser revelada. Por mais inacreditável que seja a mulher a desfilar ao seu lado, a deixar aquele perfume que ficará entranhado na sua alma, não diga que a achou linda. Se possível, jure de pés juntos, joelhos no milho e mãos-postas que nem sequer viu a moça. É evidente que não é correto mentir, mas essa é uma pendenga que você resolverá com o Todo Poderoso só depois, daqui a sabe-se lá quanto tempo. Enquanto o Juízo Final não vem, para o bem da paz mundial, minta.

Essa é a famosa mentira que protege a própria mulher e, claro, a si mesmo. Porque se a sua resposta for “sim, eu achei aquela moça bonita”, dentro de poucos minutos a sua querida companheira estará com a auto-estima lá embaixo, se achando a obra mais cretina concebida pelo mundo, temendo que você irá largá-la para ficar com a outra que acabara de achar apenas bonita. Sejamos realistas: a sua vida vai virar um inferno, ainda que por pouco tempo. Em suma, achar outra pessoa bonita é algo tão banal, posto que outras pessoas são inevitavelmente bonitas, mas tal julgamento se transforma numa paranoia incontrolável na cabeça da mulher.


Temos, então, o célebre efeito borboleta. Uma palavra mal posta aqui, uma opinião não tão bem sucedida ali, um adjetivo atribuído ao substantivo errado acolá, e bang! Toda a lógica do tempo e dos acontecimentos premeditada por Deus é desestabilizada, e já era a calmaria. Você será crucificado por uma boa porção de minutos. Por isso, para evitar o caos, mesmo que ela venha com o olhar meigo e a voz doce, brade a palavrinha que manterá em voga o bem de todos e a felicidade geral dos dois: “Não! Não vi graça nela” ou um desprezível “Não! Nem reparei...”.

Do contrário, você terá de desempenhar o trabalho psicológico que é inerente a quem se relaciona com uma mulher: o de desfazer a tristeza e o ódio dela por você. Uma vez que se você for frágil, cair na armadilha e responder “sim, achei a criatura bonita”, você encontrará a sua amada desolada ou enfurecida e, logo após indagar “por que você tá triste? O que aconteceu?”, ela te fará o maior culpado de todos os tempos usando algumas poucas palavras: “você achou ela bonita...”.


Ocorre que toda pergunta feminina (como a do tipo “você achou aquela moça bonita?”) é retórica: ela indaga, só que exigindo de você a resposta que ela quer. É a única situação em que uma interrogação não está aberta a várias possibilidades, e ai de você – namorado, noivo, marido ou igualmente mulher – se não souber qual a resposta correta a dizer. Nunca é demasiado recordar: só há uma mísera opção de resposta, uminha da silva. É prudente, pois, que você esteja atento a ela, se quiser sair ileso de uma discussão de relacionamento.

Em caso de erro – e é importante lembrar que existe uma chance enorme disso ocorrer –, talvez você tenha que perder o futebol de logo mais pra convencer a amada de que, mesmo achando outras mulheres lindas, é ela que você quer, porque a outra, além de não possuir metade da beleza dela, simplesmente não é ela, a pessoa em meio a milhares que você escolheu para ficar ao seu lado a vida toda. Minta, admita em silêncio a beleza da outra e confirme aos quatro cantos que, a despeito de todas as maravilhas que te circundam diariamente, é a sua mulher que te faz feliz como nenhuma outra.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

NATUREZA ANTROPÓFAGA: por que a gente transa às escondidas

Se alguém te pedir pra fazer uma lista com as cinco coisas de que você mais gosta, certamente o sexo estará entre elas. Possivelmente, ele se encontrará nas três primeiras. É muito provável que encabece a relação. Exceto ao mais imaculado dos corpos, é inegável que a experiência sexual é a perdição da carne, a prova cabal de que o espírito se rende à matéria. E tudo seria mais triste se de outra forma fosse.

O sexo, que no princípio da existência humana (ainda completamente primitiva e selvagem) era usado pelo homem – e só por ele – para saciar uma necessidade, passou a ser usado para perpetuar a espécie, fruto do desenvolvimento da inteligência do homo sapiens. Só depois, o homem entendeu que era também direito da mulher sentir prazer. Nada mais justo, então, dizer que a posição de 4 é antecessora do papai e mamãe.

Mas por que algo tão bom às duas partes – incluindo aí, claro, as relações homossexuais – é ao mesmo tempo excessivamente profano? Em que momento da história o ser humano convencionou que o sexo deveria ser às escondidas, ao contrário do beijo e do abraço? Não defendo a ideia de socializar a relação, com o ato na rua, à base de ingresso cobrado junto à plateia voyeur. Mas o fato é que, num dado momento, acordou-se que o sexo deveria ser de âmbito íntimo.


A própria mentalidade de perpetuar a espécie e, como conseqüência disso, constituir família pode ter contribuído para se enclausurar o sexo. É como se transar às escondidas passasse a preservar moralmente um ato que, agora, não é mais uma forma de desafogo das excitações, mas o sustentáculo de um projeto de vida que prevê continuidade. A casualidade era propensa ao publicismo. O compromisso parece inibir.

Um outro peso em favor da blindagem da ação sexual pode ter sido a religião. O motivo é simples: as convenções morais, que normalmente se calcam nos dogmas de fé, são impiedosos com a mulher. Razão pela qual a obrigatoriedade de se casar virgem, de não abandonar o macho que a agride, de não poder trabalhar, estudar, votar, de ser obrigada a se contentar com a traição do marido era – ou ainda é – da mulher.

Aos olhos da tradição judaico-cristã, o sexo virou algo profano a partir de Eva. No jardim do Éden, foi ela a dar o fruto proibido ao “ingênuo” Adão, e se, até pouco tempo atrás, os dedos recriminavam a mulher, foi por causa disso. A ideologia machista, legalizada pelas Escrituras (especialmente no Velho Testamento), obteve tamanho poder, que não foi incomum num passado recente ver mulheres julgando uma semelhante sua.


Em momento posterior, já na Era Cristã, Jesus foi descrito como casto, aquele que se dedicou exclusivamente à causa. Como se alguém ao seu lado fosse se configurar em um empecilho, a atrapalhar a consumação da profecia. Se o nazareno tivesse se relacionado com Madalena – hipótese levantada por quem contesta passagens da Bíblia –, o sexo certamente seria visto, hoje, como algo menos proibido e pecaminoso. E, convenhamos, não botaria em xeque, um milímetro sequer, a base da cristandade.

Se a referência for o Islamismo, tudo é ainda mais severo. De novo, a figura da mulher é central, e ela é resguardada excessivamente pelas regras rígidas (que, muitas deles, não são arbitradas por Deus ou Alá, mas sim pelos homens de má fé). As roupas, que cobrem o corpo todo, provam que a mulher detém uma liberdade física menor que o homem, a ponto de ser apedrejada – voltamos ao que de pior havia no passado? – em caso de traição ao marido. Na possibilidade inversa, o homem é preservado.


Na mitologia grega, o mesmo. Outra vez, a mulher como figura inferior ao homem. Pandora, a primeira mulher, mandada por Zeus como forma de punição à desobediência do homem, portava consigo uma caixa. No objeto, somente coisas boas, que deveriam ser ofertadas ao mundo apenas depois da ordem suprema. Incapaz de esperar, a curiosidade fez com que ela abrisse a caixa, soltando ao léu o que de pior poderia acometer a espécie humana.

A religião, mais por culpa dos homens que a interpretam, pode ter induzido o sexo à intimidade. A própria auto-censura, à que está submetida a consciência humana, também deve ter a sua parcela de culpa na escolha do ambiente fechado. Independente do fator histórico que tenha levado a transa para dentro de quatro paredes – ou do banco do carro estacionado em local isolado –, o melhor mesmo é fazer sem ninguém por perto. Qualquer intruso pode atrapalhar um dos poucos momentos que, a cada vez que é executado, concede uma sensação diversa, impagável, algo que oferta mais prazer a quem sente, e não àquele que vê.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O POVO NAS RUAS: a PM e o JN conheceram a força da democracia

O poder abomina o protesto. Na imensa maioria dos casos, há na manifestação um resquício de revolução, e a investida revolucionária tem como principal mote reverter o sistema vigente. Ou seja, quem está no topo da pirâmide é visto pelos “meros mortais” como a causa de boa parte dos males sociais. A melhora requer mudança.

Foi com vistas à manutenção do poder intocável que Portugal, no início do século XIX, criou a primeira polícia militar no Brasil (mais precisamente no Rio de Janeiro, um ano após a vinda da família real ao país), justamente para manter o que os poderosos chamam de “ordem”. A “ordem”, nesse e em diversos outros casos da nossa história, significa: “não aceitamos perder ou dividir o poder com o povo e, por isso, reprimimos qualquer movimento contrário a nós”.

A PM nasce para abafar as ondas de protestos contra a monarquia e o império, isto é, falamos aqui de um organismo que tem, em seu DNA, aversão às liberdades de todos os tipos. Mais tarde, a polícia fora acionada para frear os grupos contrários à escravidão. Quem exigia mudanças políticas, econômicas e sociais, estava contra o governo. E se o Estado sofre pressão, quem aparece para protegê-lo? A polícia, é claro.


O que a política e seus aparelhos de repressão tardam a compreender é que a liberdade de ir e vir é inerente ao ser humano, é como o combustível para a própria vida, é a necessidade encalacrada no instinto e na racionalidade, almejando sempre o benefício do indivíduo e da sua convivência com o mundo.

Avançando no tempo, chegamos a junho de 2013, o ano que já entrou para a história do país, porque o povo renasceu. Especificamente o dia 13, uma quinta-feira, mudou o destino das reivindicações. Mas não só. Outra instituição, além da PM, precisou rever seu modus operandi, pois saltou aos olhos a deformidade do seu trabalho: a imprensa.

Os que detêm a imprensa, especialmente a escrita e eletrônica de grande apelo, são magnatas do ramo da comunicação. Na maioria dos casos, não são proprietários de um canal de TV ou jornal, mas encampam monopólios e conglomerados, algo fruto da livre-iniciativa do capitalismo e da conivência corrupta de governos, além de ser, descaradamente, uma configuração nociva ao Estado Democrático de Direito.

Era de se esperar que o jornalismo dessa gente graúda não visse com bons olhos a invasão das ruas, as palavras de ordem, tudo aquilo que uma sociedade minimamente organizada e consciente necessita reiterar aos quatro cantos. O que a grande mídia não esperava é que ela, sempre intacta, seria alvo. Foi aí que Veja e principalmente a Globo sofreram.


Bonner precisou deixar de acompanhar a seleção brasileira na Copa das Confederações, legando o papel a Galvão, e retornou ao estúdio do JN para acudir Patrícia Poeta. A cobertura do telejornal no dia 14 foi histórica: nada de generalizar, nada de julgar todo o movimento como vandalismo, baderna, depredação. O jornalismo da Globo finalmente fizera aquilo que é dever da imprensa: cobrir os fatos como eles são e resguardar a sociedade, e não o poder, ora pois.

Quando decidiu pela mudança editorial, o JN admitiu algo muito elementar: “até ontem fizemos o jornalismo do patrão, o noticiário pertinente ao poder abastado. Agora que isso não passa despercebido pela população, é preciso fazer as coisas do modo correto”. A guinada ocorreu muito em função também da ação arbitrária e violenta da PM frente aos manifestantes. Era impossível concordar com tudo aquilo que aconteceu no dia 13.

Foi a partir daí que o jornalismo da emissora passou a aceitar o movimento, pois ele era “pacífico na sua grande maioria”. Curioso um protesto de tamanhas proporções mudar de quinta para sexta, como numa trama mágica. Na essência, o clamor das ruas sempre foi o mesmo, com o teor da não-violência. O que mudou, por força do povo – dono majoritário de qualquer emissora de rádio e TV –, foi a cobertura jornalística: não se tornou tendenciosa ao contrário, só ficou mais justa, equilibrada.


Os rebeldes – no sentido mais sadio que o termo possui – continuaram pacíficos e o grupo se fez maior. Aumentou, pois os jovens, que apanharam covardemente da PM (aquela que defende o Estado e não o povo, aquela que bate em professor nas reivindicações por melhores salários), foram auxiliados no dia seguinte pelos seus pares, culminando nas manifestações dos dias 17 e 24, dois dos momentos mais empolgantes da nossa história recente.

O poder emana do povo, e só dele. Mais cedo ou mais tarde, de um jeito ou de outro, será sempre o povo a dar as cartas. É fundamental que a PM e os brutamontes da imprensa entendam isso.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O PAPA NO BRASIL E A FILOSOFIA QUE FALTA

Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16:18). Jesus idealizava uma igreja que, hoje, inexiste. Qualquer vertente religiosa, por maledicência ou força das circunstâncias, foi cooptada pelo capital – que é o poder atualmente constituído –, e aliou-se a ele. Muito antes disso, a própria igreja buscou o poder, ao juntar-se ao já decadente império romano, em fins do século IV (376 d.C.). Exatamente cem anos depois, Roma se foi. A igreja, não.

É evidente que existem casos isolados, de fundações que pregam o evangelho assim como Cristo o concebeu. Ou são porta-vozes do que Deus consentiu. Há pessoas inseridas nessas organizações, cuja seriedade certifica que o discurso não é vazio (já cansaram as frases feitas: “Jesus te ama” ou “se você ser ou fizer isso vai pro inferno”). Gente que, mais do que seguir a Bíblia, estuda-a para tentar jogar luz sobre os mistérios que a razão é incapaz de comprovar.

Porém, de modo geral, todos os ismos que servem de sufixo às nomenclaturas religiosas são apegados à realidade terrena e ficam aquém no quesito espiritualidade. Talvez porque o ser humano seja assim também, muito preso a provas cabais, pouco condizente com o que Jesus legou. Segundo Nietzsche, o anticristo somos nós.


Ao que pese o Papa ser representante de uma vertente religiosa, o catolicismo, de alguma forma ele influência – mesmo que à distância – essa ou aquela opinião, o modo como as pessoas o veem e recebem seus posicionamentos. Quando alguém do seu cacife está no Brasil, naturalmente discutimos com mais afinco o que ele fez e disse ao longo do dia, coisa que não acontece quando ele está no Vaticano ou em qualquer outro país.

O Papa não é santo. É um personagem influente. Até por isso, é prudente não julgar a sua vinda pelo viés do catolicismo/cristianismo. Pouco importa se haverá mais convertidos após a passagem de Jorge Mario Bergoglio pelo Brasil. Se o argentino deixar aqui um olhar terno e otimista, uma palavra de esperança, um posicionamento que vise o caminhar adiante, o avanço, a evolução, essas coisas que andam tão estagnadas e que parecem fazer a nossa mentalidade – inclusive entre os jovens – regredir sem controle, terá valido muito a pena. Enfim, qualquer ensejo simples que nos faça melhores, a revigorar o que em nós adormece ou se perde.


O discurso improvisado do pontífice aos argentinos, ontem (quinta, 25), em cerimônia fechada, foi imensamente proveitoso. Mas é só o princípio. A vinda do Papa não é o fim de nada, e sim o começo, o ponto de partida pra que busquemos o algo a mais. Contentar-se apenas com líder da igreja católica é percorrer só metade do trajeto, e olhe lá. Ver Francisco ou estar próximo a ele é o mote (e não o objetivo supremo) para impedir a recessão dos nossos julgamentos, crenças e discernimentos. É fundamental desvincular-se da paralisia de que o ser humano tanto gosta. Não é fácil, nem cômodo. Mas é recompensador.

A necessidade tida pelo homem de materializar Deus em cantos, ritos, gritos, enfim, em qualquer coisa que seja visível, audível e palpável, parece mais limitar do que estender a nossa relação com Deus. Esqueçamos os dogmas. As leis que os homens da igreja criaram tornam as nossas tentativas mais materiais e menos metafísicas. E é no que não se pode ver, tocar e ouvir que está Deus em plenitude. É nos olhos fechados, no silêncio que medita, na busca por não ouvir o outro e nem ouvir a si mesmo que se encontra o maior legado cristão. A verdade que nos atormenta, que nos enfraquece, que nos faz desanimar, aguarda que o mais paciente continue a buscá-la, pois só ela redime e conforta. Eis o desafio íntimo e quieto fecundado no espírito, a ser semeado pela lucidez, pelo entendimento e, claro, pela fé.