sexta-feira, 27 de junho de 2014

SELEÇÕES SUL-AMERICANAS EM CASA, INCLUSIVE CONTRA 'NOSOTROS'

É de se admirar a maneira como torcem os argentinos – e os argelinos também. Eles, assim como nós, vibram mais com os clubes do que com a Seleção, mas é inegável que são mais participativos que os brasileiros. Motivo simples: apesar de serem, nesses tempos de Mundial, abastados também, têm o costume da arquibancada. A nossa torcida, VIP e padrão-FIFA que é, não é de encostar a bunda em qualquer estádio. Só vai na boa. Não se impressione se num Brasil x Argentina, Brasil x Uruguai ou Brasil x Chile (jogo de amanhã), a torcida rival, embora em menor número, fizer mais barulho que a nossa. Eles farão. (No vídeo a seguir, o torcedor argentino, em peso no Mineirão, provoca o Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=blfAmjFC8bI).

O que ocorre na Copa, que muitos chamam de “elitização dos estádios”, é o que vem acontecendo nos nossos campeonatos. Tanto os regionais como o brasileiro cobram valores abusivos por jogos que nunca estarão à altura das cifras: os nossos jogadores são fracos tecnicamente, os jogos repletos de faltas, contato físico. A exceção nos preços exagerados do ingresso ocorre quando os times precisam de casa cheia para sair de uma situação complicada no campeonato. Nesse caso, o valor das entradas cai, e o povão volta a freqüentar as arquibancadas.

Não que eu seja contra ver a elite no estádio. Sou contra ver só a elite no estádio. Justo ele, que, por excelência, sempre foi o local de todos. Na configuração antiga dos nossos três maiores campos (Maracanã, Morumbi e Mineirão), fica evidente que ali tinha lugar pra todo mundo, ainda que de maneira segregada. Os três gigantes possuíam três níveis de arquibancada – o Morumbi ainda é assim: os pobres ficavam embaixo, pois o custo era menor e a visibilidade também; a classe média ficava em cima; e os ricos, no meio (protegidos da chuva e do sol e com visão privilegiada).

Garrincha atua pela Seleção Brasileira no antigo Maracanã. Ao fundo, no primeiro plano, o torcedor na Geral, em pé, tapando o sol com a mão. No segundo plano, o setor das Numeradas: ingressos mais caros, conforto maior.

Toda a cantoria que sempre ouvimos nos estádios vem dos pobres. Eles é que se encarregam de empurrar o time. A classe média e a elite são mais tímidas, menos barulhentas, e negam ao time o incentivo de que precisa para jogar. Se o pobre é excluído dos campos, a vitória passa a ficar mais difícil, menos bonita, porque não há mais a irreverência tão característica desse esporte.

Ficam aqui alguns apelos aos que organizam os torneios de futebol: devolvam os pobres aos estádios. Devolvam aos estádios mais fidelidade à nossa composição social e menos um público branco, de óculos de sol, que não tem no sangue o amor pelo futebol. Boa parte desse pessoal que vai aos jogos do Brasil na Copa não tem apego pelo jogo, pelo esporte. O negócio é ir a um grande evento, como um show, uma balada. O futebol parece estar morrendo...


Em tempo: sobre Luis Suárez

A FIFA fez justiça desmedida. E se é assim, não é justiça. Porque tirar o atacante uruguaio da Copa, dá até pra entender. Uma mordida, aliada ao histórico do Pistoleiro, não é coisa que se faça num jogo de futebol. A Copa perde uma grande atração, mas o fato de ser bom jogador não o exime do erro. Seria bom ter Luisito nos campos brasileiros – ao menos no jogo decisivo de amanhã, contra a Colômbia – mas ele, então, que não fizesse a cagada que fez.



Agora, banir (esse foi o termo usado pela FIFA) o atleta por quatro meses de qualquer atividade relacionada ao futebol e não permitir que ele frequente o ambiente da Copa junto aos companheiros de time foram medidas autoritárias. Além do mais, o uruguaio precisou sair escoltado do hotel onde estava concentrada a seleção celeste. Lembremos: futebol é um jogo, e Luis Suárez cometeu ato falho durante uma partida. Está longe de ser um criminoso.

domingo, 22 de junho de 2014

A JUSTIÇA NO FUTEBOL: Messi, como todo gênio, subverte o senso comum

45 minutos do 2º tempo e... Gol! Messi, em jogada característica, conduz a bola da direita para o meio, fora da área, e joga no canto oposto do arqueiro iraniano. E o jogo termina em 1x0 para os hermanos, numa partida em que o Irã, surpreendentemente, jogou mais e teve as melhores chances.

O engano por parte de muitos é afirmar que o resultado foi injusto. Nada disso! A Argentina botou uma bola na rede. O Irã, não. O jogo terminou 1x0. Quer mais justiça que essa? O único momento em que há injustiça no futebol é quando vemos um gol ser mal anulado ou quando o mesmo deveria ser invalidado, e não é. No mais, podemos falar em falta de merecimento, não em injustiça.


Senso comum à parte, assim como o Brasil, a seleção portenha não fez duas boas partidas. Messi não foi nem perto do que se espera. Mas já anotou dois belos gols, sendo eleito o melhor em campo nas duas partidas que fez. Do mesmo modo que ocorreu na temporada, atuando pelo Barcelona, Lionel tem tido desempenho aquém, mas os números dão um alento. Ainda que abaixo, foi decisivo nas duas rodadas. Sem ele, a Argentina, provavelmente, teria dois pontos, e não seis.


Não há como não louvar Messi. Até Francisco, o Papa, roeu unha, cruzou os dedos e sentiu alívio com o tento marcado no fim. Deus dá pinta de que mudou de lado. Lá no céu, abandonou o verde-amarelo para vestir alviceleste.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

GOL CONTRA: Felipão atribui à imprensa uma função que não é dela

Na última terça, dia 17, a Seleção Brasileira entrou em campo para disputar a sua segunda partida na Copa do Mundo. O resultado de 0x0 diante do México ficou longe de ser bom, não só pelo ponto solitário conquistado, mas também em função do baixo desempenho do time comandado por Luiz Felipe Scolari. E foi justamente após a partida, no trecho final da entrevista coletiva, que Felipão agiu de modo a questionar a imprensa brasileira: “Não tem mais pênalti a favor do Brasil? Vocês só criticaram o do Fred”. O fato é que não ocorreu nada duvidoso no confronto contra os mexicanos que tenha prejudicado o time da casa.

Incomodou Scolari o fato da imprensa brasileira ter dado destaque ao pênalti inexistente apitado pelo árbitro japonês em favor do Brasil, na partida da primeira rodada contra a Croácia. A marcação convertida por Neymar fora decisiva para a vitória da seleção (ali, o Brasil virava um jogo difícil contra o bom selecionado croata). Com a ênfase em um lance polêmico que favoreceu o anfitrião, Felipão se viu contrariado, pois, antes do mundial, pediu para todos – time, imprensa e torcida – unirem-se em torno do objetivo máximo: o hexacampeonato.


O treinador só deixou passar uma prerrogativa bem básica do jornalismo: imprensa que se preze não torce. Ou, se torce, não permite que a empolgação ou a tristeza interfira na informação, na análise, na opinião. De modo geral, os veículos de comunicação mantiveram posicionamento crítico quanto ao êxito da Seleção contra a Croácia, afirmando que o Brasil tirou proveito de um erro do juiz para sair com a vitória na estreia. É importante lembrar: até o torcedor, Felipão, movido permanentemente pela paixão que o futebol faz desabrochar, sabe e concorda que vencemos graças à falha de Yuchi Nishimura, o apitador amigo.

Quanto mais distante das emoções, melhores serão as avaliações produzidas pelos analistas esportivos – e essa máxima não vale só para o esporte. Se ponderação pressupõe racionalidade, o ato de informar requer que o jornalista saia da arquibancada, deixe a buzina de lado e caminhe pelo trajeto da calmaria. Cada um na sua função: torcedor vibra e sofre; imprensa informa e opina; e o técnico treina o time para ser mais competitivo no próximo jogo.


A crônica esportiva chateou Felipão? Ponto para o jornalismo.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

20 ANOS DA HISTÓRIA QUE NÃO TERMINA

Quase todos que me conhecem sabem que tenho Senna em alta consideração. Quase todos se lembram que, amanhã, completam-se 20 anos do acidente fatal em Ímola. Morte esta que ainda não foi explicada – e talvez nunca seja. A minha crença é de que o piloto sofreu um colapso nervoso ou algo do tipo. O estresse que sempre acompanhou o brasileiro, ainda mais em 1994 – quando a Williams sofria para se manter na pista –, fez com que ficasse desacordado, impossibilitando-o de virar o carro ou freá-lo.

Mas eu não vim aqui para conjecturar sobre a morte de Senna. Vim aqui para, primeiro, discordar das tentativas de transformar o ídolo em mito, como se o piloto tivesse só virtudes. Ayrton tinha defeitos como você e eu, e é desnecessário forçar a ele um pedestal que, nas pistas, o gênio construiu naturalmente. Senna acertava e errava, foi vítima e autor de jogo sujo. Enfim, foi de carne e osso, o que faz dele alguém ainda mais especial.


Não há necessidade de enfeitar o piloto, encher de artificialismos uma carreira vitoriosa. Mesmo com a morte prematura, Senna foi um monstro. Se foi melhor ou pior que Schumacher? Não sei. Está aí uma comparação dura de se fazer. O alemão conquistou sete títulos, algo que o brasileiro, provavelmente, não conseguiria, ainda que tivesse uma carreira completa.

Mas o número de títulos não é o único requisito para definir o melhor dos melhores. Há a inteligência, e Prost foi supremo nesse ponto, fato que lhe rendeu o apelido de professor. Só que Senna era capaz de fazer coisas inacreditáveis, e nisso ele foi insuperável – seja nos treinos classificatórios, seja na chuva, nos GP’s de Mônaco ou em Interlagos 91 e 93. Mesmo com carros sofríveis, Ayrton foi histórico.

GP da Europa - Donington Park 1993

 Ao subverter o previsível, anotou seu nome na relação dos grandes que fizeram época. Sem ser perfeito e intocável, Senna marcou a minha vida, como nenhum jogador do São Paulo FC ou da Seleção foi capaz de fazer.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

AOS HOMENS, PRAZER. ÀS MULHERES, DOR

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) corrigiu, há pouco, o dado mais discutido da sua pesquisa. Veio a conhecimento público, em 27 de março, que 65% dos entrevistados achavam que “mulheres que usam roupa curta merecem ser estupradas”. O índice correto é 26%. Há quem diga agora que todo o estardalhaço foi desnecessário. Este que vos escreve julga os 26% uma aberração. Se fosse 1%, ainda seria demasiadamente escroto.

O problema da pesquisa realizada pelo Ipea não é o fato de 26% dos entrevistados – e a maioria destes ser composta pelo público feminino – acharem a mulher que usa roupa curta culpada por ser estuprada. Sim, muita gente não julga o estuprador criminoso pelo ato de violência dos mais covardes de que se tem conhecimento. O problema é identificar que a mentalidade do brasileiro, ao menos em questões sexuais, continua conservadora e atrasada.

Primeiro que relacionar roupa à violência é, no mínimo, incoerente, tendo em vista que nada justifica uma agressão. Segundo, a roupa curta, no Brasil, deveria ser mais assimilada por todos, já que vivemos num país tropical, onde as temperaturas beiram o insuportável em determinadas épocas do ano. Do centro-oeste pra cima, são 365 dias de puro suor. É comum, logo, encontrar homens e mulheres com roupas de menos. Foi justamente assim que os portugas encontraram as índias nos idos de 1500.

Para 26% essa mulher merece ser estuprada

Isso à parte, é ilusão achar que a mulher não se veste para a conquista. É direito dela sair de casa tendo o desejo do sexo. O macho se pauta por essa prerrogativa quase o tempo todo. A roupa mais curta e insinuante não denota estupro, e sim a relação consentida. Ninguém, em sã consciência, deseja ser apanhado com violência. Nem mesmo a mulher “má intencionada”. E lembremos: quando o homem é visto com pouco vestuário, está ali algo que não choca.

Caímos, então, num dos tabus mais antigos: a criminalização da mulher. Porque se o homem sai com cinco numa noite, ele é foda. Mas se a mulher passa pelas mãos de cinco homens, “vagabunda” é o adjetivo mais carinhoso que irá qualificá-la. A explicação é simples: o sexo – ou o desejo, como preferir – sempre foi um direito exclusivamente masculino. A mulher foi concebida para saciar o desejo do outro, nunca o dela. A Igreja, é claro, tratou de aprimorar essa assertiva, concedendo à vilã requintes de crueldade. Eis que sob a tutela da religião, a mulher foi tratada como alguém quase sem humanidade e, como tal, isenta de vontades. Assim como Eva e Pandora, a mulher tem culpa no cartório desde sempre.

                                        
Estranhamente, o mesmo homem que recrimina a roupa curta da moça, olha pro seu quadril quando o rebolado é provocante. Quando a opinião contradiz a ação, temos os falsos moralismos, com doses cavalares de hipocrisia. Mais incompreensível ainda é observar a própria mulher a apontar o dedo pra outra, prova de que o machismo não é uma doença do homem, mas uma ideia que infesta cabeças de todos os gêneros.

Hoje, temos músicas, propagandas, filmes e novelas que abordam a liberação sexual instaurada na década de 60, numa luta travada por mulheres à frente de seu tempo. A diferença é que a mulher consome todos esses produtos, mas tem o poder de escolher para si que tipo de comportamento quer adotar. Já quando ela se vê confrontada pelo estuprador, a sua escolha é descartada. Durante a Idade Média, o mesmo.


O Brasil demonstra o atraso que sempre lhe foi característico. A sociedade apedreja a mulher que tem vontades, mas baixa a guarda para o homem violento. Em suma, o sexo sempre foi prática profana, com o ônus da culpa recaindo mais na mulher, especialmente quando esta tem o desejo. Porque é importante que você, mulher, lembre-se: a sua função é servir, não gozar. Avançar nessa questão parece um obstáculo e tanto.

segunda-feira, 31 de março de 2014

O MALFADADO 1964: as feridas abertas e uma celebração à democracia

Há exatos 50 anos o Brasil era derrotado pelo regime militar. Vigorando entre 1964 e 1985, o golpe – e não revolução, por favor – legou ao país cinco generais (Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo) ao posto de presidente, em eleições, obviamente, sem a participação do povo. Em resposta às reformas de base de João Goulart, ocupante legítimo do cargo maior, os militares tomaram o país de assalto, não sem o apoio de veículos da grande mídia, de setores importantes da sociedade civil, parcela da Igreja Católica e retaguarda do governo dos EUA. Foram 21 anos de exílios, censura, torturas, execução e sumiço de cadáveres, tudo tendo como protagonista aquele que deveria zelar pelo inverso de todas essas aberrações: o Estado. O resto é o que a história nos conta, embora muitos brasileiros façam questão de não entender. Livros, filmes e o Memorial da Resistência, na Estação Pinacoteca, em São Paulo, podem auxiliar os mais desinformados.

Corredor ao fundo de quatro celas do antigo DOPS
(Memorial da Resistência - Estação Pinacoteca - São Paulo)

A rigor do fato, nenhum país merece ser governado por militares. E por quê? Pelo simples fato da sociedade ser, em sua maioria, civil. É contraditório ao extremo dar a alguém fardado o poder de gerir uma nação que é essencialmente civil. Esse é o primeiro ponto. O segundo é que existe um risco temerário em entregar a alguém armado o poder máximo de um país. Se a Polícia Militar, por exemplo, protagoniza aberrações em governos civis, imagine o que ela faria – como de fato fez entre 64 e 85 – num regime militar. Aos milicos cabem duas obrigações muito específicas e claras: proteger as fronteiras do país contra perturbações que possam vir de fora (exército, marinha e aeronáutica) e manter a ordem interna, função pertinente à PM, tudo com base no Estado Democrático de Direito.

Analisando a questão sob os vieses da Antropologia e da Filosofia, conceder o poder a um general significa recusar a evolução por que passou a espécie humana. O homem, por natureza, é anárquico (sem governo), ou seja, ele nasce sob a égide do “todos contra todos”. Quando a população aumenta e os indivíduos se veem incapazes de administrar os próprios desejos, surge a necessidade de ter alguém como aquele que os representará. Saímos, então, da anarquia para a arquia (governo), e o primeiro mandatário é um tirano (ou déspota). Uma única pessoa, assim, concentrava os poderes político, econômico, sacerdotal e MILITAR. Os tempos mais remotos da pré-história já haviam mostrado que um governante armado tende ao autoritarismo e a todos os excessos que deste provém.

Evidentemente, o modelo se mostrou ineficaz, porque o uso da violência era tamanho que os indivíduos não tinham em mãos o mote de sua luta: a vida boa. À medida que a inteligência se desenvolvia, a população buscava formas mais vantajosas de se viver bem. Do mesmo modo que deliberou sair do estado de natureza para o regime tirano, optou também por sair desde e engendrar pela política, na sua forma mais louvável que conhecemos até hoje: a democracia. É em Atenas que os habitantes – nem todos, é verdade – passam a discutir e definir rumos para a realidade em que viviam. É nesse momento que aparecem as leis. São elas que diferenciam o Estado Despótico do Estado Democrático de Direito. Enquanto naquele a autoridade se encontra acima de tudo e todos, neste a legislação submete, indiscriminadamente, governantes e governados. Em tese, temos aí o princípio da isonomia.


Por isso é que, em 64, o Brasil não deu um passo para trás. O Brasil se jogou num abismo de retrocesso, talvez o mais torpe de que fomos vítimas e protagonistas. Do ponto de vista dos direitos humanos, é possível que tenha sido o segundo pior momento em toda a nossa história, só sendo superado pelos absurdos da escravidão. Os que defendem os militares alegam que havia mais segurança, menos corrupção e a economia crescia a passos largos. Vamos por partes.

A violência, de fato, era menor, pois a sociedade brasileira somava, nas décadas de 60 e 70, a metade do que é hoje, quando muito. Isso sem mencionar a violência perpetrada pelo próprio Estado, por meio do seu instrumento mais perverso, a PM. Não é preciso ser muito engajado para saber que essa modalidade de violência não chegava ao conhecimento de grande parte da sociedade da época. Mas o pior de tudo isso é saber que os torturadores e assassinos não pagaram – e nem pagarão – pelos atos sumários.

Quanto à corrupção, a diferença entre hoje e 50 anos atrás é a difusão de notícias na mídia. Nos anos de chumbo, com a imprensa censurada, raramente passavam informações que denunciavam as mazelas do governo, cenário oposto ao que temos hoje, em que veículos perturbam – por vezes injustamente – políticos e partidos que, inclusive, detêm o poder. O jornalismo toca nas feridas da política, especialmente quando lhe é conveniente, algo que era impossível no período em que as redações eram frequentadas pelo pessoal fardado. Para não falar das empresas midiáticas que tinham como trabalho principal blindar os militares. Citam-se, aqui, as Organizações Globo, sempre a bater continência e a abanar o rabo à gente dos quartéis.


Na economia, no auge do dito “milagre brasileiro”, o país chegou a impressionantes 13% de crescimento, mas as desigualdades nunca foram tão grandes. Hoje, o país se expande menos, mas a diferença entre classes regrediu. Há problemas na economia, na segurança pública, na educação, na saúde a serem resolvidos. Os presidentes civis – Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma – não solucionaram questões que ainda são fundamentais, mas a melhor maneira de equacioná-las é pela via democrática, pois só ela permite o debate, a discordância, o aperfeiçoamento das ideias. Enfim, só a democracia oferece ao povo – o principal beneficiado da política – a chance de ele decidir sobre os rumos que quer tomar.


Fica bastante evidente que a ditadura militar e os seus adeptos simbolizam um retrocesso, um déficit de inteligência que não combina com os progressos humanos. É simples entender qual forma de governo é melhor, se democracia ou ditadura: se você vive num país livre, mas tem opinião favorável ao autoritarismo, a sua manifestação estará garantida, sem que qualquer democrata o coloque num camburão para ser torturado. Mas se você vive num país fechado e expressa opinião em favor da democracia, os ditadores não hesitam e te fazer passar pelas piores sensações, justamente aquelas a que nem um animal merece ser submetido.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O HERÓI JOAQUIM BARBOSA PODE SER UMA FARSA


Eu entendo a carência do brasileiro. Falta a nós uma referência, alguém que faça o povo sentir que o sistema funciona e orgulhar-se disso. É essa lacuna que faz do futebol a nossa válvula de escape. A vitória no campo redime o país dos fracassos na política, na economia (hoje menos) e, por tabela, em educação, saúde, saneamento, segurança, moradia. Não há um representante digno da admiração popular. Em parte, porque a política se transformou num grande negócio. Em parte, porque votamos muito mal. E o círculo parece se eternizar.

A solidão do brasileiro faz com que ele se torne inocente, quase como a moça dos lábios de mel que cai no conto do vigário, entrega-se ao primeiro homem que lhe diz coisas gentis, para depois lamentar a primeira – e única – noite de sexo, sem qualquer telefonema que lhe dê esperança no dia seguinte.

A metáfora da moça iludida cabe à relação que muita gente criou com o ministro Joaquim Barbosa. É inegável o avanço de termos um negro na mais alta Corte do país. É triste que a gente ainda tenha que enaltecer tanto isso, prova de que um em meio a onze é algo muito pequeno prum país como o Brasil, de tantas cores e misturas. Os Joaquins Barbosas deveriam ser mais, mais rotineiros, pois o Brasil e o brasileiro merecem. Mas fazer do ministro um herói nacional, como ocorre desde 2012, é falta de precaução.

Edição de 27 de novembro de 2013. Veja elege seu herói contra o partido que mais ama odiar.

Barbosa, de fato, demonstrou intolerância com os crimes de corrupção e foi indigesto aos mensaleiros do PT – ainda que seja pertinente lembrar que muitos outros, de tantas siglas partidárias, estejam por aí, à solta. Mas desde o princípio do julgamento da Ação Penal 470 Joaquim se excede. O comportamento se acentuou ontem com o resultado dos recursos, em que condenados como José Dirceu foram absolvidos (a contragosto do presidente da Corte) do crime de formação de quadrilha, o que pode diminuir a sentença drasticamente, a ponto de alguns deles estarem livres ainda este ano (sobre isso, http://g1.globo.com/politica/mensalao/noticia/2014/02/barbosa-critica-voto-e-diz-que-barroso-fez-discurso-politico-no-stf.html).

Por trás do desrespeito aos companheiros de toga e discursos mais inflamados está o intento de candidatar-se a cargo público, algo que muda bruscamente o teor do seu julgamento. Porque uma possível candidatura de Barbosa – seja a senador, governador ou presidente – não garante que a sua postura rígida com réus petistas tenha fundo político, mas abre uma margem imensa para que se pregue exatamente isso.


E se o ministro fez o que fez pensando em não mais ser ministro – como o mesmo declarou recentemente, ao dizer que já havia feito tudo no STF –, mas num cargo eletivo qualquer, a rivalizar com candidatos do próprio PT em eleições futuras? Pode não ter havido nada de excessivo. Pode ser que a postura agressiva do julgador não teve como mote o “aparecer pra galera”. Mas prudência na hora de eleger heróis nunca fez mal a ninguém. Joaquim, assim como você e eu, é de carne e osso.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

SOBRE A FELICIDADE

A motivação primordial da vida é a felicidade. Razão pela qual os gregos, como Aristóteles, chamaram-na de eudaimonia, ou seja, o bem supremo ou sumo-bem. Para atingir a virtude máxima, era preciso que o indivíduo identificasse os seus talentos e soubesse aplicá-los em tarefas específicas. Em outras palavras, era incumbência de cada um botar em prática os dons que possuía. Só assim estaria alinhado com o kosmos (universo finito e ordenado). O escravo, ao contrário, não poderia jamais ser feliz, pois seus talentos inexistiam, motivo que levava importantes filósofos da antiguidade a defenderem a escravidão como forma de punição justa àqueles desprovidos de qualificativos. O escravo era, acima de tudo, um imoral.

Qualquer ação nossa tem como objetivo algo fora dela, da ação. Exemplo: quando pequenos, íamos à escola não por amor a ela, mas por obrigação. Vai-se à escola para aprender, pra depois ir bem na prova, pra depois passar de ano, pra prestar um vestibular concorrido, porque saindo das melhores universidades a chance de um bom emprego aumenta. Com um bom emprego, o salário é satisfatório, o que permite comprar carro, casa, fazer viagens. Qual a meta de tudo isso? A felicidade.


Perceba a distância que a felicidade mantém da escola, por quantas escalas devemos passar até atingirmos a dita cuja... É justamente por isso que você odiava ir à escola, o mesmo ódio que o seu filho, provavelmente, herdou de você. E esse é só um exemplo. Perceba também que a felicidade é o ponto final, o último nível de desejo a ser alcançado. Porque as pessoas te perguntarão qual a razão de ter um celular, um tênis moderno ou um carro de dez marchas. Mas a pergunta “por que você quer ser feliz?” não tem resposta. É a única a não possuir resposta. Muito simples: tudo o que fazemos é em busca dela, e ela, em si, se basta. E isso nos permite afirmar que a felicidade, ao contrário do celular, do carro, da casa, da viagem, do tênis, não possui utilidade alguma. Enfim, a felicidade é inútil.

Mesmo sem qualquer menção até aqui, você já deve ter concluído por que pessoas cometem suicídio. Quando alguém tem a exata certeza de que é incapaz de ser feliz, a vida perde qualquer sentido. É evidente que esta pode ser uma visão míope que a pessoa tem da própria vida. Talvez por achar – equivocadamente – que a felicidade seja algo indissociável da vida, quando, em suma, é exatamente o inverso. Buscamos a felicidade a todo momento e, a todo momento, ela tenta nos escapar, se faz efêmera, quase inédita, o que dá a ela um brilho especial, o que faz dela a nossa presa mais desejada. Se a felicidade fosse banal, que graça haveria em ser feliz?

Outro grego, Platão, explica muito bem por que somos, ao longo da vida, mais tristes do que felizes. Platão é um filósofo dualista e, como tal, crê que a vida seja dividida em corpo e alma (há uma possibilidade muito grande de que Cristo, 427 anos mais novo que o filósofo grego, tenha sofrido influência da filosofia platônica). Enquanto o corpo é matéria com início e fim, a alma preexiste à carne e não finda (e aqui há uma distinção frente ao pensamento cristão, pois o cristianismo defende que a alma nasce com o corpo e depois se perpetua, mesmo após a morte, ao passo que o platonismo banca as reminiscências, isto é, a alma já existe quando encarna. Por favor, não confundamos Platão com Kardec, em respeito a Atenas...).


A tese de Platão – que não tem qualquer comprovação empírica, assim como toda teoria metafísica – é simples: a alma sempre foi livre e autônoma, até que é aprisionada por um corpo, que possui limitações e que, à medida do tempo, fica pior. Está claro que se trata de duas instâncias completamente opostas. Ao longo da vida, a alma é, então, sacrificada em detrimento do corpo. O que é, pois, a morte? O momento em que a alma, eterna e perfeita, volta a ser livre, desprendendo-se do corpo, mortal e imperfeito. A vida é, logo, um sacrifício. Por isso, quando alguém brada aos quatro cantos que “a vida é linda, maravilhosa”, duvide. Certamente temos aí alguém acometido pela ignorância. O sujeito que tem uma noção, ainda que mínima, do que seja a vida sabe que a coisa não é tão cor-de-rosa assim.

A felicidade é tudo isso porque escorre. Quando desejamos que o momento se perpetue ou, ao menos, dure um pouco mais, ali está ela, sorrateira e acachapante. Não se iluda: em breve, muito antes do que você gostaria, ela se recolherá, para depois voltar. Ser feliz é a dura tarefa de reencontrar-se e perder-se, de decifrar as esfinges que carregamos. A angústia de todos nós são as questões insolúveis, as que nos fazem duvidar de que é possível ser feliz.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

BREVE NOTA SOBRE O PRECONCEITO: o ato demasiadamente medonho fala por si

Ontem, em partida da Copa Libertadores, o jogador Tinga, do Cruzeiro, foi vítima de preconceito por parte de alguns torcedores peruanos do Real Garcilaso, que imitavam o som de macaco a cada toque na bola do jogador brasileiro.


É tão constrangedora quanto abjeta tal reação, assim como são todas as manifestações discriminatórias. O mais incompreensível é que a ação foi protagonizada por pessoas que habitam a região que outrora foi a sede do Império Inca, povo igualmente vítima de racismo do colonizador europeu.

Como torcedor, eu teria aprovado a ideia mais sensata: os atletas cruzeirenses deveriam ter se reunido, logo após a primeira manifestação, e abandonado a partida. Ainda que o clube fosse decretado derrotado, sofresse sanções da Conmebol e de seus patrocinadores, o que estava em questão era algo muito mais profundo e pontual. Danem-se os três pontos, a luta pelo título, as emissoras de TV que transmitiam o jogo.


Fora isso, eu manteria o clube peruano com os três pontos do jogo de ontem (o Real Garcilaso venceu por 2x1) e excluiria imediatamente o time desta competição e de todas as outras organizadas pela Confederação Sul-Americana de Futebol pelos próximos cinco anos.

Não acredito numa punição desta dimensão por parte da Conmebol. Não creio numa posição enérgica da CBF para que isso aconteça. É provável que tenhamos mais disso nos campos de lá e de cá.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

SENSACIONALISMO: quem tira a foto sabe que alguém quer vê-la

Não vi as fotos, não sei se vieram acompanhadas de texto, tampouco a autoria. Independente disso, meus caros ex-alunos, não botem tal desserviço na conta do jornalismo. Se o autor é formado ou não, a atuação dele não foi condizente com as prerrogativas básicas da imprensa, não podendo, assim, ser definido como um profissional da área. No máximo, executou mal a função que lhe cabia.

Além do mais, essas coisas de ética não se ensinam em sala de aula. Estão contidas na atuação do profissional (e do antiprofissional) as experiências de toda uma vida. A formação do indivíduo como pessoa e a sua concepção de mundo estão em jogo, muito mais do que as aulas semanais da disciplina de Ética e Legislação que o sujeito teve ou deixou de ter ao longo de um mísero semestre da faculdade.

A foto de Kevin Carter rendeu-lhe o Prêmio Pullitzer.
Espetáculo ou informação?
Quando a imagem chocante, seja ela estática ou em movimento, não carrega consigo informação, a sua intenção é meramente a do espetáculo. Crânios desfigurados e corpos esquartejados não informam, só estarrecem. Nessas circunstâncias, o texto necessita dar conta dos requintes de crueldade, e olhe lá. Na maioria dos casos, o indicado é executar o mais simples: “Fulano, 40, médico, morador do centro de São Paulo, sofreu um acidente na rodovia Castelo Branco e não resistiu aos ferimentos, vindo a falecer no caminho para o hospital”.

Registrar imagens e publicá-las são atividades acessíveis a muitos hoje (especificamente a quem tem, no mínimo, um celular com câmera e um pacote de internet móvel). A isso se dá o nome de jornalismo cidadão – expressão que têm o meu total desprezo. Mas o trabalho jornalístico transcende a meras questões mórbidas e de tecnologia. Falamos aqui em apuração, clareza, verossimilhança, interesse público e os limites básicos que qualquer atuação profissional requer.

Já leu a excelente obra de Capote? Sensacionalismo?

Importante destacar que o sensacionalismo não se materializa apenas numa imagem grotesca marcada por destruição e sangue. O sensacionalismo está no discurso apelativo, piegas e mal feito, buscando artificialmente sensibilizar a massa. Está, também, na repetição constante de imagens, ainda que estas não contenham qualquer tipo de tragédia. Enfim, o sensacionalismo é o recurso dos menos capazes, usado quando todas as alternativas já foram implementadas ou quando as mesmas são desconhecidas, pois carece o seu autor do repertório técnico, teórico, ético, científico e filosófico da área. Talvez falte, de igual modo, um tiquinho de sentimento, zelo pela comoção alheia, o que convencionamos chamar de humanidade.

Isso à parte, é desanimador saber que muita gente em meio à sociedade se satisfaz com essas aberrações (lembram-se do efeito catártico?: o sujeito se impressiona com a cena, mas fica inconscientemente aliviado, pois a vítima não foi ele, e sim o outro). O sensacionalismo nada mais é do que a vertente utilitarista do jornalismo: ele faz um trabalho que podemos julgar imoral, mas visa tão somente a maximização da felicidade. Ou seja, se a maioria aprova a ação (e isso, no jornalismo, dá-se com audiência), não importa se ela – a ação – é ou não questionável. O utilitarismo tem como fundamento central o resultado, e não a intenção baseada em princípios racionais. Já o intencionalista age movido pelo pressuposto kantiano de deontologia. Isto é, dane-se o resultado, o objetivo final, os índices de audiência. A bandeira do deontólogo é realizar o dever por amor ao dever.

E a cobertura do sequestro da menina Eloá Pimentel?

Evitemos o processo de execração do autor das fotos e de sua veiculação. Ele irá arcar com o ônus do equívoco cometido e haverá a chance de se redimir na próxima iniciativa. Lembremos: o fato de alguém agir imoralmente não significa que ele seja igualmente abominável, a não ser que a prática passe a ser rotineira.

Por tudo isso, ao me perguntarem qual a utilidade das disciplinas teóricas num curso de jornalismo, ao me deparar com estudantes desprezando as matérias mais pesadas, eis aí uma boa resposta: Filosofia, Sociologia, Antropologia, Economia, Teorias da Comunicação e pastas afins têm como função abordar o campo da comunicação sob a sua dimensão mais crítica. A ideia de faculdade é justamente essa: a de proporcionar uma noção mais horizontal e ampla da realidade, permitindo que se contextualize o fato com os diversos campos de conhecimento. Por isso, os cursos técnicos, no âmbito das ciências humanas e sociais aplicadas, são insuficientes. Saber apertar botão, enquadrar imagem, postar-se diante da câmera, imprimir o tom de voz adequado, construir o lead não bastam para cumprir a tarefa de informar.