terça-feira, 14 de agosto de 2012

O TAMANHO DO TEXTO É PROPORCIONAL À REVOLTA

por Giovanna Betine

O argumento de todo jornalista que não defende o diploma é sempre o mesmo: "eu matava aula, não entregava trabalhos e hoje sou um profissional de sucesso". E desde quando isso confere legitimidade para não se cursar uma faculdade? Por que tomar um caso particular e a partir disso concluir que a formação superior não é importante?

Lembrando que nenhuma 
graduação capacita um estudante a se tornar um âncora no dia seguinte à colação de grau. Mas o objetivo da Universidade nem é este. Jornalistas "de mercado" estão acostumados a dizer que aprenderam na prática e não no banco da sala de aula. Dizem também que os professores estão distantes da prática para poderem ensinar, de fato, seus alunos. Bem, já participei de algumas bancas de TCC onde jornalistas "da prática" eram avaliadores. Resultado? Tinham dificuldade em aprofundar qualquer conhecimento sobre cultura, sociedade, ciência política. Truncavam seus pensamentos e não sabiam demonstrar ao aluno avaliado qualquer profundidade de análise. Mecanizados pelo mercado, estes jornalistas não enxergavam que além do lead, há o conhecimento do conhecimento (ou ao menos sua busca). Alguns desses avaliadores, após a banca, confessaram que foram surpreendidos por autores que falam com lucidez o que eles enfrentam no dia-a-dia. E completaram dizendo que, se tivessem buscado tais conhecimentos teóricos antes, saberiam conduzir melhor a prática.


Argumento pobre é o STF dizer que a obrigatoriedade do diploma impede a liberdade de expressão. Oi? Já pode rir? Economistas, sociólogos, advogados, engenheiros, filósofos etc, devem, sim, ter seus espaços resguardados para a publicação de artigos, colunas e crônicas. Mas a reportagem é jornalística. Assim como a apuração. Discute-se que um jornalista não entende de economia tanto quanto um economista e por isso poderia comprometer a notícia. Sou da opinião que TODO jornalista deveria passar por uma redação de jornal, pois ali se faz de tudo. Mas também penso que é preciso se especializar sempre. Ora, se gosto de cultura devo buscar uma pós, um mestrado, que me capacitem ainda mais para tal. Se eu quiser me enveredar pela cobertura política, tenho que superar a graduação e concentrar meu aprimoramento profissional no estudo do jornalismo político. Só a graduação é pouco, mas um "pouco" que é essencial.

Quando lecionava a disciplina de "Ética" no curso de Jornalismo, na minha primeira aula eu dizia aos alunos, "não vou ensinar ninguém aqui a ser ético". E continuo pensando assim. Ética vem de berço. Mas como diz Eugênio Bucci, só existe discussão ética onde há conflito. Essa é a essência da faculdade: a discussão, o questionamento, a pergunta, o confronto. Justamente porque a técnica (que deve, sim, fazer parte dos cursos) o mercado vai ensinar (ou estragar). Agora, jornalista que chega sem embasamento no mercado morre agarrado à pirâmide invertida e conivente ao seu editor.


O grande problema é a falta de leitura. Graduando que não quer ler Literatura, que não se interessa por História, que nunca leu Filosofia. Eis o desafio das perseguidas faculdades de Jornalismo: incentivar mais a leitura além do que é jornalístico. E este é meu desafio como jornalista e professora: plantar em meus alunos o gosto pela literatura, ainda que nem sempre eu consiga. Jornalista que não lê, não vai pra frente. Minha mãe costumava me dizer: "minha filha, como jornalista você tem que ler até bula de remédio"...rs...

Há muitos estudantes péssimos se formando por todo o Brasil. Pessoas sem bons textos, vago conhecimento e, principalmente, já dispostos a entregarem os pontos a práticas de comunicação levianas. Esse mau profissional terá seu diploma em mãos assim como o bom estudante que se forma. Entretanto, defender que a demanda de maus jornalistas justifique a queda do diploma é sofisma. Há médicos matando e assediando pacientes por aí, advogados se "prostituindo" a olhos nus. Engenheiros cujas casas não resistiriam a um sopro. Ah, e pedagogos que ainda falam para "mim" fazer. Vamos retirar, então, as faculdades de medicina, direito, engenharia e pedagogia também?

Muito do que li até aqui busquei por conta própria. Se conheço um pouco de Machado, Clarice, Guimarães, Saramago, Pessoa, foi porque fui incentivada a isso desde criança. Mas ter cursado Jornalismo foi uma das grandes decisões da minha vida. Tive excelentes e péssimos professores. Mas aos excelentes sou eternamente grata por terem me feito sair de dentro da caverna de Platão. Na verdade, às vezes ainda me pego entrando na caverna e enxergando por sombras. Mas isso já é culpa minha. Sou grata à graduação de Jornalismo como um todo. Se eu tivesse trabalhado numa redação ou assessoria sem passar pelo estudo, eu desconheceria a complexidade midiática e talvez acreditaria que jornalista é "formador de opinião".

Pode até parecer que as teorias do jornalismo e da comunicação não exerçam influência no fechamento de um jornal. Mas o editor que não souber o que é valor-notícia, agulha hipodérmica e os meandros da indústria cultural, não vai (NÃO VAI) atender, na essência do que isso significa, o interesse público. Dessa forma, não terá credibilidade.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

MELHOR O SILÊNCIO À HISTERIA

Ainda que o nosso orgulho impeça de admitir, temos uma necessidade vaidosa de mostrar aos outros aquilo que, em princípio, só nos interessa. Com poucas exceções que cada um de nós conhece, é rotineira a prática de tornar público algum ato, até para que o autor da obra se sacie com os elogios e a evidência. É quando a cabeça, dizendo “não”, tenta enganar o ego, e perde.

O relacionamento caminha por aí. Quantas vezes o homem ou a mulher não repercute uma declaração, não para ver o que o(a) parceiro(a) acha, mas visando o apreço dos outros. Diminui-se o amor, submete-o ao crivo popular e o estardalhaço é mais importante do que o sentimento pelo(a) companheiro(a). Do contrário, o ato seria externado a dois, pois se o mundo inteiro ou uma única pessoa sabe, indiferente.

Na religião há um pouco – ou muito – disso. A oração, a mais contundente herança divina, já não se basta silenciosa, já que mais importante do que conversar com Deus e pacificar-se é mostrar para alguém ao lado que se é crente. Se a reza objetiva a instância superior, compartilhar o momento de autorreflexão é dar à ação segundas intenções, a tentativa de provar-se magnânimo, a negação do que o ato, em si, propõe.


Quando se faz caridade, parece incompleto ajudar alguém sem que um aglomerado de gente tome ciência. Instaura-se a impressão de que a obra só existe e se consuma se for do conhecimento de pessoas que não possuem relação alguma com o fato. Enfim, neste caso, a benevolência não se volta à pessoa ou instituição carente. Se volta a si mesmo.

E na hora de pedir desculpas a alguém? Antes que a vítima de injustiça ouça o perdão, os presentes ao redor devem se inteirar do ato nobre do, antes, infrator. Quem errou espalha que se desculpou ou o fará, porque acima do reconhecimento da falha está a necessidade de que outros vejam a mudança de comportamento, e vem a aprovação pública, a turbinada no complexo de Rainha Má.

Convenhamos que usar uma situação e as pessoas que a integram para se promover dá trabalho e mente. Engana, porque desvia a ênfase do ato à repercussão, à ânsia de se ver apreciado por todos. Às próprias custas, a melancia no pescoço continua a ser a forma mais eficiente de se aparecer.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

NADA MAIS PARECE ASSUSTAR

São poucas as coisas que nos surpreendem. O vigente estado de simultâneos e indiscriminados acontecimentos sedam o homem, aquele que outrora chocava o mundo com as suas descobertas e criações, porque tudo antes era raro e, portanto, mais valioso. Hoje, não. Um turbilhão de novidades vem e... pronto: nada tão novo que não possa se tornar velho em pouco tempo.

Dois são os agravantes. O primeiro é o capitalismo, esse sistema que exige a recauchutagem do mundo periodicamente. As atribuições da economia são muitas para as 24 horas do dia, e não é por outro motivo que a nossa vida é mais atabalhoada hoje, com afazeres que nos esfolam o físico e a razão. A exigência do mercado é veloz, e dá-lhe o ser humano a produzir, comprar, trabalhar, estudar, dormir, tudo em um intervalo que o clichê diria ser “humanamente impossível”.

O segundo fator somos nós. Insaciável, a criatura humana garimpa incumbências onde já não mais há. E o faz por necessidade financeira e egoísmo. Quer ganhar mais porque tem pouco ou porque só ganha muito. Necessita demonstrar aos outros a capacidade que sabe possuir, mas conservá-la sem alarde é desvalorizar-se. Então, panfletemos. Ao publicar e ser parte do público, é emissor e recebedor de um emaranhado de feitos. Qual ainda está por vir?


Há não muito tempo, o aeroporto era atração turística. Lembro-me de uma viagem, ainda durante o ensino fundamental, que fiz a São Paulo no ano de 1992. Congonhas era o local em que poucos pisavam, só os ricos, símbolo de um Brasil pior do que o atual. Viajar de avião àquela época era o mesmo que portar um telefone celular ou manusear um computador, tamanho o ineditismo e atraso desse país que empacou e andou para trás em não poucas vezes.

Os relacionamentos também tinham algo de inaugural. O beijo consumava a afeição estabelecida de início, o semi-auge da cumplicidade entre corpos, o salto ornamental de uma fase a outra da relação. É bem verdade que, em tempos anteriores aos nossos, a submissão da mulher dava a ela o direito de retardar ao máximo o contato entre lábios e a respiração aproximada, ofegante e aquecida, mas escolher o gosto do beijo que desejava ter era um luxo agudo demais para a época. Razão pela qual não se quer aqui o saudosismo desregrado.

A nudez era o que de mais improvável existia. Quando a mulher aparecia com um centímetro do vão dos seios à mostra, era moralismo do mulherio rival e deleite da ala masculina. Uma vez que a falta de pano era tão pecaminosa quanto a mente despudorada, a abertura do vestido nas costas e a saia que quase chega ao joelho compensavam os homens com pensamentos insanos, ultrajantes. Não era o corpo em si, mas apenas a sugestão dele. A pele e a carne insinuavam-se, escondidas, à vista e desejadas, pois inatingíveis. Ah, como o cinema brincou com isso.


No esporte, a normalidade não é menos presente. Quem não arrisca, de antemão, o que o jogador de futebol dirá aos repórteres no pré-jogo? “Temos que respeitar o adversário, mas vamos jogar com garra e determinação em busca dos três pontos”. Depois do jogo, é “graças a Deus” para todos os lados. O excesso de falsa humildade e da fala óbvia permite ao público encantar-se com o jamaicano Usain Bolt, que afirma sem ruborizar: “Sou o melhor, ninguém pode me vencer”. Quebra a rotina, surpreende e é cultuado por isso.

E na política, o que nos faz perplexos? É sempre Vossa Excelência daqui, Vossa Excelência dali, e ninguém comete ato falho, cai em corrupção. Ainda que as evidências exponham todo o enredo de obscurantismo e falcatruas, há que se dizer inocente, como se somente uma foto ou um vídeo fosse prova elementar. Diante das saliências de que falamos, até uma imagem é desmentida, visto que o normal é negar o que até um energúmeno enxerga.

A ausência do fato que choca, daquilo que nos faz esbugalhar os olhos, manter a boca entreaberta, interromper a respiração e desacreditar no que os olhos vêem sustenta a normalidade. A alternância de uma coisa à outra nos leva a crer na novidade, que não se suporta, posto que ela, em si, é uma rotina. Nada nos faz escandalizados. O imprevisto é qualidade dos gênios, esses cada vez mais escassos opositores da rotina.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A VELHA MANIA DE LIVRAR-SE DA CULPA

O que nos faz buscar sempre um culpado? Quase nunca é a gente, quase nunca são vários. O dedo apontado a alguém encerra o assunto, resume a história e a nossa angústia de não saber quem foi ou de supor que sabe, arrefece. Comodismo e negligência com os fatos fazem a realidade ser incompleta ou mentirosa. Mas a nossa impaciência – digo, má fé – em ter total domínio de inocentes e culpados tem resquícios lá atrás.

Quando Jesus foi aferroado na cruz, fez-se a conversão da história toda em uma pessoa. Nem o desaparecimento do corpo, o Cristo ressurreto e sua aparição não tiraram de Judas a condição de vilão exclusivo. Não se pretende aqui anular o papel de Iscariotes, torná-lo o injustiçado. Ele errou feio ao trocar Cristo por 30 moedas de prata e entregar o filho do Homem com um beijo, mas equivocado malhar só ele.


De todo conjunto que permeava a realidade da época, havia um sistema instituído que impelia qualquer tentativa de revolução, de se romper com o panorama vigente. Algo similar ao que sucede hoje? Sim, assim era e sempre será. Os que detêm o controle ideológico, político e econômico são os mesmos nas três instâncias, com raras possibilidades de quebra dessa tendência.

A linhagem de poder romana e judaica não dava brechas ao pensamento transgressor de Jesus. Trocando em miúdos, o nazareno causava desconforto às autoridades daquele período. O que falava e da forma que agia serviram como pretexto para os algozes fazerem o que fizeram. E, nesse sentido, Judas não foi mais culpado que Herodes, Caifás e Pilatos. Não nos esqueçamos também de Pedro, sobre o qual o Messias edificara a sua igreja. Simão negou o predestinado três vezes, sem contar no cochilo dos apóstolos em hora imprópria.

Seja no esporte, na rua, no trabalho, na faculdade ou dentro de casa, é quase que obrigatório alguém receber a culpa solitariamente. A necessidade de nomear um, e não a si mesmo ou a vários, tranqüiliza a consciência, tira o peso de não ser capaz de enfrentar o enigma insolúvel. Pensa aí se você nunca passou por isso, se em momento algum apontou o dedo pra se livrar da culpa ou encurtar discussões. Caso chegue à conclusão que sim, não me venha você botar a culpa em mim. Culpa sua, oras. Minha, jamais.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

MENOS DRAMA, POR FAVOR

A miséria ou a carência de ordem financeira e material é situação evitada pelo silogismo nosso de cada dia. Tão elementar quanto a ojeriza de Tom e Vinicius pelo sol ou a cadência perfeita da canção que homenageia uma bela mulher, é o direito de qualquer um a uma vida menos dificultosa. Há que se ter a bonança como meta, uma vez que a busca por algo melhor, toda entremeada de desafios, é o que nos evolui. É a dificílima dangerosíssima tarefa de conhecer-se a si mesmo. Certo? Errado.

Em tempos de campanha política – mas não só – a massa de candidatos se vangloria por ter tido uma infância pobre, como se o panorama de vacas magras os fizesse melhores que seus oponentes abastados. Talvez até sejam, mas não será só a pobreza ou a riqueza a definir o mais apto. Ao fazer isso, o ex-miserável desproporciona o problema pelo qual passou. Tem-se aí um sofisma, um raciocínio lógico que conduz a uma conclusão falsa: “Foi tão positivo viver mal na infância que agora isso me credencia ao cargo público”. Certo? Erro outra vez.


A mentalidade enganosa pode banalizar o problema que é dos mais sérios enfrentados por países como o Brasil de hoje ou de antes. Sendo pobre ou emergente, de economia polpuda ou rala, as perguntas sem respostas não mudaram tanto, e no solo tupiniquim o dinheiro teima em prosperar, mas distribuí-lo que é bom, muito pouco. O candidato valoriza a sua pobreza porque, como político, dará muito trabalho a ele resolver questões como essa. “Você é pobre? Não se preocupe, eu também fui. Há mérito nisso”. Lavam-se as mãos, uma incumbência a menos, dinheiro e corrupção adicionais.

O curioso é que quem já foi pobre, não quer mais ser. Quem é, quer deixar de ser. A miséria não é uma contingência, uma condição circunstancial, referendada pela instância divina. O pobre existe porque há um sistema político e econômico que encarcera as classes, o jogo de cartas marcadas é mantido. E não me venha com a história de que o capitalismo tem como pressuposto a liberdade. Pode até ser menos engessado que as demais proposições econômicas, mas o aprisionamento mais sutil é louvado por quem submete.


A síndrome do coitadinho ou a folclorização da miséria é mais uma das ilusões da política e da vida. Por estar mais vistoso, eu não sou menos digno do que o tiozinho estirado na esquina, com roupas desgastadas e desesperançoso. O Faustão não é menos honrado do que eu só por ter a fortuna que tem. Mensura-se o caráter por meio de outros parâmetros, mas quem, em sã consciência, se arrisca a dizer-se inocente? Fora essa discussão mais longa e impalpável, estejamos empenhados em anular, amenizar, denunciar a pobreza, ao invés de reverenciá-la.

Quando as dificuldades são enormes, não são poucos a enfrentar situações adversas. Não que se deva fechar os olhos a isso, mas a apologia às avessas, a ponto de cultuar o impropério que é a miséria, é demasiado descartável. Que os infortúnios se voltem ao autoconhecimento, à introspecção, e não virem megafones a vastas multidões. Alguém de ouvido atento pode achar interessante ser assim ou fazer-se de vítima. Sim, ela, a vítima, que se dá ao desfrute de não arcar com nada.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

O BELO E O INSALUBRE DA VIDA ESTÃO NO LABIRINTO E A CÉU ABERTO

As cidades grandes importunam o interiorano. Ao perder-se em meio a arranha-céus, ao trânsito impossível, às etnias que se esbarram, ao barulho que perturba, desespera-se. Ele está em um local onde as referências se distanciam, porque as novidades, em quantidades cavalares, afetam a memória. O caipira está perdido, como se a imensidão de tudo fosse desabar e qualquer tentativa de fuga é em vão. O emaranhado de desorganização aborrece o bom senso dos que funcionam à manivela.

O interior, todavia sem a “dura poesia concreta de tuas esquinas, a deselegância discreta de tuas meninas”, tem bala na agulha e, ao seu modo, também pode atrair o encantamento e o desprezo. Mesmo sem o arsenal de opções da sua antítese, não há quem passe ileso a um vilarejo, uma ruazinha de paralelepípedos ou às vias sem mão única tomadas por botecos e cães vira-latas. A natureza é escancarada e respira-se verdadeiramente.


A calmaria das cidades que finalizam o mundo pode servir aos extasiados psicologicamente como água ao sedento, mas quem habituado está à efervescência, estar onde as novidades tardam a chegar pode enlouquecê-lo muito mais do que cruzar uma larga avenida paulistana de olhos vendados. Tudo aparenta vazio, monotonia, inatividade. Nada muda, e isso incomoda o mais tenso, igual ao homem que regressa da guerra e não tem quem matar.

A inexistência de dinamismo reforça a ligação entre as pessoas, a proximidade de cada um com o todo. Quase tudo o que acontece é de comum conhecimento, palpável ao mais desprendido, ao mais curioso. A sensação de pertencimento ao outro, de controle do outro faz das histórias, coletivas. O que sucedeu a você, chega a mim, e me sinto à vontade para comentar, questionar e julgar o que você fez e falou ou o que deixou de fazer e falar.


É a intromissão, o “cuidando da vida alheia” impondo-se, e apresenta-se na outra ponta da linha a prontidão em ajudar o vizinho, ao contrário da frieza metropolitana em que todos se desconhecem. A falta de privacidade em bandas interioranas constrói casas sem muros, sem cômodos, com imensos buracos de fechadura, de janelas sempre indiscretas.

A compaixão e o zelo dos confins não equivalem ao sossego, à garantia de que situações de ordem particular não se transformem em domínio público. Mas a indiscrição pode encontrar no outro uma vontade de estar em evidência, no falso sentido que a ideia “falem mal ou bem, mas falem de mim” pode compartilhar. Entre o pacato e o frenético cotidiano, mais difícil do que cravar o melhor, é habituar-se às saliências deste ou daquele lugar, que nos testam, intimidam, estraçalham ou cedem.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

ELEIÇÕES 2012: A FORCINHA, O VOTO NULO E AS REDES SOCIAIS


A praticamente dois meses das eleições municipais, as cidades se aclimatam para o pleito do dia 7 de outubro. A votação define os novos ou reeleitos prefeitos e vereadores por mais quatro anos, e toda aquela história que nós nos habituamos e cansamos de ouvir. O que serve a todos os municípios se vê em Getulina, e somam-se à regra algumas características importantes, tornando a disputa daqui ora comum, ora hilária, ora trágica.

Falemos da primeira das tragédias, essa mania rasteira apresentada por candidatos e que tem a aceitação de muitos que votam. Tem-se o costume em Getulina, por parte de vários postulantes a cargo de prefeito ou vereador – e esta parece ser uma prática vitalícia nas pequenas cidades –, de entregar o “santinho” ao eleitor e logo a seguir proferir a frase que já virou slogan em período eleitoral: “Dá uma forcinha pra gente”.

A frase empobrece o debate político, pois todo o processo de ver o que o candidato tem a oferecer, da viabilidade das suas propostas e da escolha por um deles fica limitado a dar a tal força a este ou àquele que pleiteia cargo político. Perde-se a oportunidade de discutir, e sejamos francos: se a criatura não tem a capacidade mínima de argumentar com bom senso o que pode oferecer, ele está apto a ser prefeito ou vereador?


Pior do que pedir uma força é aceitar dá-la. Mas se boa parte do eleitorado troca o voto por churrascos, agrados, promessas ou cargos, mesmo sem a crença real nos atributos do candidato escolhido, retribuir a força pedida não é o principal desatino. De qualquer forma, tentemos mudar a nossa mania. O voto vale um pouco mais do que carne e cerveja à vontade, uma função aqui, um presentinho ali. E se te pedirem a tão costumeira forcinha, pergunte se o candidato está fazendo uma mudança, empurrando um guarda-roupa ou algo que justifique o seu auxílio a ele. Ironias à parte, negue e estipule o debate.

Até diante disso e das promessas e planos de governo descabidos – porque nem toda conversa tem a obrigação e competência de traduzir a dúvida do eleitor em voto – o voto nulo é uma opção. O senso comum insiste em tachar a escolha nula como um equívoco, afirmando que votar assim é privilegiar um candidato ruim. De fato, os votos em branco ou nulos não são computados. Mas a opção por ninguém não é uma forma de privilegiar o postulante duvidoso, e sim a resposta por encontrar em todos deficiências consideráveis.

Para quem vota assim, não há candidatos piores ou melhores, uma vez que qualquer opção é ruim. Se o candidato X tem uma perspectiva de votos que o credencia a vencer o pleito, eu só devo votar em Y, com menos chances de ganhar, caso eu o julgue bom. Se assim como o X, o Y não for uma opção interessante, na minha visão ambos não estão aptos a assumir a posição que pleiteiam. Neste caso, o coerente é anular o voto, e não destiná-lo a alguém só pelo fato de estar mal ranqueado nas pesquisas.

É do processo eleitoral, no caso da eleição para prefeito, um ficar em primeiro e o restante perder a disputa. Nesse momento, há uma inversão de valores: o eleitor que não opta por algum candidato sai como vilão, quando a culpa de não haver a escolha em X ou Y é justamente de quem postula cargo político e a sua incapacidade de ganhar adesão eleitoral.

Para amenizar a incidência do voto branco ou nulo cabe aos candidatos atuarem em diversas frentes. Nas ruas, nas casas dos cidadãos, em pontos de grande convergência pública e nas redes sociais, local em que as pessoas se encontram virtualmente e ganha adesão diária de muita gente. É processo irreversível este que vivemos atualmente: a tendência é que os encontros, as reivindicações, os diálogos aconteçam no Facebook, no Twitter, enfim, na internet de um modo geral.


Ao eleitor, como não poderia ser diferente, é indicado inserir-se nessa prática. Se as eleições cada vez mais se instalarão no interior das redes sociais, é necessário que o votante busque formas alternativas de decidir seu voto, desde que os políticos também participem. Nesse sentido, há um grupo no Facebook cujo nome é “Getulina Eleições 2012”, com quase 1100 membros. Se considerarmos que o eleitorado da nossa cidade gira em torno de 8500 eleitores (de acordo com dados da eleição de 2008), as mais de mil pessoas que discutem as eleições no Face formam um contingente interessante que pode decidir o pleito.

É evidente que as redes sociais estão repletas de incoerências também, assim como há no corpo a corpo. Se na Grécia Antiga os cidadãos se encontravam nas Ágoras, as praças públicas, para discutirem assuntos pertinentes ao cotidiano, a modernidade trouxe os jornais e as aglomerações saíram das ruas e foram às livrarias e aos cafés. Hoje, os encontros se dão em grande escala no mundo virtual. Considerando que o mesmo prima pela velocidade, há mais quantidade do que qualidade. Mas, como dito, as redes se colocam como uma alternativa.

O próximo texto desta coluna será publicado no primeiro domingo de setembro e irá tratar de um assunto que incomoda o eleitor. Diante de cinco candidatos a prefeito, 75 a vereador e promessas impossíveis, qual o melhor candidato? Até o dia 2 de setembro, data da próxima publicação neste semanário, o leitor pode acompanhar diariamente textos novos sobre política e diversos outros temas no www.semcensor.blogspot.com.br. Olha a rede aí como possibilidade de amadurecer o voto e vetar a forcinha aos candidatos mais acomodados.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

E SE O BRASIL NÃO FOSSE O PAÍS DO FUTEBOL?

Poderíamos ser, então, o país do judô, da natação ou do iatismo, talvez. Mas a história tem dos seus caprichos e ela quis que o Brasil vibrasse com a bola nos pés, com a bola na rede. Como quem diz “o que é teu está guardado”, o destino olhou para esse bando de mulatos, cafuzos, mamelucos, pretos e brancos e julgou que o futebol poderia imitar a vida, parafraseando Oscar Wilde. E assim foi.

O acontecimento decisivo contradisse as expectativas. Era a quarta Copa do Mundo, e depois de duas edições canceladas (1942 e 1946) em virtude da segunda guerra mundial, as principais seleções do mundo chegavam ao Brasil para a disputa do torneio entre selecionados mais importante.

Brasil, Uruguai, Espanha e Suécia formaram um quadrangular final, por terem ficado em primeiro lugar em seus respectivos grupos. Coincidiu que, no último jogo, os rivais sul-americanos se enfrentaram em condições de conquistar o título, pois venceram seus jogos ante os europeus. Mesmo com a vantagem do empate e tendo saído na dianteira do placar, um Maracanã com 200 mil pessoas viu a seleção ruir e os uruguaios comemorarem o bicampeonato. Éramos os vira-latas de Nelson Rodrigues.


O contraditório está aí. A derrota não só serviu para a seleção abandonar o uniforme branco, como para fazer-nos querer a Copa ainda mais. Oito anos depois do Maracanazzo, o Brasil com Pelé e Garrincha levantava a taça, exorcizava seus medos, entrando definitivamente na rota do futebol. Ao invés da decepção nos afastar do esporte, fez-nos salivar pelo primeiro título. Ao gostar daquilo, vieram outros quatro e sabe-se lá quantas lágrimas já não rolaram ao vermos vitórias argentinas, italianas, francesas e holandesas sobre nós.

Se o Brasil tivesse vencido aquele mundial, a nossa paixão teria sido ainda maior ou acomodaríamos. Mas se o evento de 1950 tivesse acontecido em outro país e a seleção, perdido, aqueles três esportes – ou outro qualquer – poderiam ser o que o futebol é.

E se o Brasil fosse o país do judô? Imagine o brasileiro grudado na TV, xingando o juiz que puniu o judoca injustamente, reclamando com o atleta que está em desvantagem no jogo de mãos. E na hora dos golpes? A cada possibilidade de yuko ou wasari, uma expectativa a mais, uma unha a menos. No momento do ippon, o dorso do adversário – de preferência argentino – batido no chão, um pulo, o soco no ar e o grito de “é campeão”.


Mas o Brasil poderia ser o país da natação. O público atento às braçadas, reunindo-se em bares a torcer pelo segundo a menos. Insatisfeito com Thiago Pereira após um quarto lugar, a não medalha, e os confrontos nas ruas começariam. O torcedor chamaria Cesar Cielo de “pipoqueiro” por se recusar a nadar o revezamento 4x100. Impossível não pensar na torcida vestindo o maiô, beijando a bandeira brasileira em dia de decisão na natação, para comemorar mais um título.

Poderíamos ser o país do iatismo também. A torcida seria a caráter: colocaríamos a vela no centro da sala. Saltitando de um lado a outro, simulando instintivamente o melhor vento. Ao passar pela baliza final, o choro da torcida, o grito que impõe o nome de Robert Scheidt em meio a palavrões, exultando o campeão, a sua conquista, o nosso contentamento.

Viu só? Não seria tão ruim assim ter outros esportes principais. Torcer pela braçada mais veloz, pelo golpe certeiro ou pelo vento na cara, sem ninguém à frente. Se o Brasil não tivesse sido derrotado em 50, dentro de casa, talvez não ligaríamos tanto a TV para assistir à bola rolar na grama. Mas a seleção perdeu aquela Copa, venceu outras cinco depois e nessa altura do texto nos vemos contentes ou não com as participações brasileiras em algumas modalidades olímpicas. Mas, isso à parte, rola agora um futebolzinho com os amigos ou algum jogo na TV?

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

INCONTROLÁVEL: O RISO VEIO PARA CAUSAR DIVERGÊNCIA

Vamos combinar uma coisa: a comédia sempre vai atingir alguém. Se a obra homônima de Aristóteles, o Livro II da sua Poética, tivesse sobrevivido à Igreja, leríamos isso muito claramente. Mas se a piada bate numa pessoa ou instituição, deve haver algo a motivá-la. O oposto a isso pode gerar uma intromissão sem graça, gratuita ou ofensiva.

Parênteses ao sumiço da produção aristotélica sobre o riso. De acordo com Umberto Eco, autor italiano do livro O nome da rosa, que possui a sua versão cinematográfica com mesmo nome, o riso era abominado por parte influente do catolicismo porque ao rir o homem perde o temor a Deus. E quem não teme Deus, peca.

Falamos aqui de um livro produzido no século IV a.C. Como na época o que se tinha das obras era, na maioria das vezes, um manuscrito baseado no original, para cada livro existia apenas um único exemplar. E foi fácil à Igreja impedir que o exemplar solitário da Comédia de Aristóteles permanecesse intacto. Somente mais de um milênio e meio depois, por volta de 1450, Gutenberg inventa a prensa de tipos móveis, baseado em equipamentos anteriormente desenvolvidos no oriente, o que permitiu a produção em massa e seriada de material impresso.




Depois do grego, o precursor nos estudos sobre humor, outros tantos se arriscaram a produzir reflexões acerca da comédia. E é consenso entre os diversos pensadores que a piada é usada como artifício de vingança de uma pessoa ou um grupo ante uma situação adversa. A graça desestabiliza o inimigo, rompe o equilíbrio da oposição. Ou ela restabelece a igualdade? Ambos.

O brasileiro se delicia com piadas de português, por quê? Porque os lusitanos submeteram o Brasil a uma condição de inferioridade. Em contrapartida, rir do português é uma forma de invertermos a ordem das coisas, de buscarmos uma posição de privilégio na disputa.

As piadas de loira passam pelo mesmo processo. Quando um local dominado por mulheres morenas tem a presença de uma fêmea loira, os homens tendem a assediar a mulher “diferente”. Pelo fato de ser menos desejada, as não-loiras dão o troco fazendo chacota da oponente de pele mais clara e cabelos dourados, afirmando que as rivais não têm tanta inteligência.



No futebol? Com a sogra? O mesmo procedimento. Corintianos caçoam de palmeirenses quando estão em posição incômoda e a recíproca é procedente. Temos, então, uma máxima: a piada vem para zelar pelos desfavorecidos. Ao ver-se acuado, o atingido usa o humor como válvula de escape.

E quando a piada inverte a lógica e o humorista ofende quem já está em desvantagem? Com essa nova leva de comediantes ditos stand up, a graça faz o caminho inverso do costumeiro, não tendo a função obrigatória de trazer de volta ao páreo o perdedor. Ao contrário, agride-o ainda mais. E as polêmicas não são poucas, especialmente aos que adquiriram maior evidência nos últimos cinco anos, como são os casos de Rafinha Bastos e Danilo Gentili.

Por buscarem o riso demais, não são poucas as vezes que metem os pés pelas mãos. Outro ponto: o talento do humorista se mede pelo nível de risada que ele provoca no público, mas, não menos importante, pela forma como ele se apropria de tipos do cotidiano para fazer comédia. Essa é a parte mais difícil: em cima de elementos da vida diária (pessoas, eventos, instituições, pensamentos) fazer as pessoas rirem. Criatividade e imprevisibilidade contribuem para a plateia gargalhar, porque o que é inteligente e surpreendente agrada o ouvinte e desregula a sua expectativa. Resultado: a reação mecânica do corpo ao improvável é o riso.



O que pode gerar problema de compreensão é não ficar muito clara essa linha, que já é tênue, entre verdade e brincadeira. A piada é só uma piada, porém, como já dissemos, pode ser um realce à crítica. Neste caso, além do gracejo, vem com o intuito de discutir algo. No mais, não seria exagero ter maior atenção e talento ao brincar com morte, repressão, deficiência física ou mental, enfim, com alguém que já é vítima de alguma circunstância. Mais cuidado, não censura. O humor, dependendo do instrumento, é exemplo de manifestação artística, e essa é sempre bem-vinda.

Ao mesmo tempo em que libertou o homem da paranoia religiosa, o riso é ponto de discórdia entre quem emite a piada e o receptor, prova de que nem só de irreverência vive o humor. Não reajamos com reacionarismo diante de piadas. Normalmente quem as conta, brinca, munido de um personagem. Quando a piada soar conservadorismo, temos aí um indício de deslize do humorista. Ele não pode falar o que lhe vem à mente, até porque ninguém pode, já que mesmo em democracia o bom senso é sábio em vetar-nos os excessos. O politicamente correto é chato, monótono. Só que ele pode certificar o humor de que hora ou outra, ao invés de fazer rir, ele explora um igual indevidamente, com sensacionalismo, de forma a apoiar-se em alguém para dizer uma piada que corre o risco de nem ser engraçada.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O MENSALÃO E O FOLCORE POLÍTICO BRASILEIRO

A partir de amanhã, o STF (Supremo Tribunal Federal) terá dias atípicos. A mais alta corte jurídica do país começa a julgar o mensalão, esquema de corrupção que envolveu desde bancos e empresários a integrantes do alto escalão do governo federal durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Além da questão política, há o componente midiático, porque sem ele tudo seria mais normal, embora a ocasião esteja mais para repercussão do que calmaria.

Antes de falar especificamente da imprensa, passemos pela carga que a mesma tenta dar ao ocorrido, obviamente a buscar uma evidência ainda maior do que o próprio caso implementa. Todavia discutível, o mensalão pode até ser o maior escândalo da política brasileira em toda a sua história, mas a irregularidade não ocupa o primeiro lugar sozinho. Vejamos por quê.

A corrupção é a irmãzinha caçula da política nossa de cada dia. Atrelado a ela – à corrupção – vem o que se convencionou chamar de escândalo. E, cá entre nós, eles não são poucos desde que os portugas pisaram na Bahia pela primeira vez, encararam os índios, riram muito no princípio da colonização e depois trataram de dizimar o contingente indígena que já se encontrava aqui há um bom tempo.


Mesmo fora da política formal, talvez este tenha sido o primeiro insulto de ordem política vivenciado no Brasil: à força, os lusitanos ocuparam um espaço já em uso por outro povo. A partir daí virou bagunça, e não culpemos o clima, as praias, as mulatas, o samba. Em outros locais existem belas músicas; mulheres que estonteiam; sol, chuva, calor e frio em doses boas; e o disparate é mais contido.

Até onde a memória de um não-historiador pode buscar, lembremos da independência, em 1822. Além de tardia, teve como principal mandatário o filho do Rei, ex-maior autoridade do Brasil. Na sucessão de D. Pedro I temos o segundo na linha sucessória, que assume o posto de imperador com apenas 14 anos, no ocorrido que se denominou Golpe da Maioridade.

Um asterisco ao filho de D. João VI. Se os Estados Unidos aderiram ao regime republicano já em 1776, após libertarem-se da Inglaterra, o Brasil trouxe a República apenas em 1889 para suceder o regime imperial. Embora com maior caráter social, mencionemos a atrasada abolição da escravatura, assinada um ano antes, tardada pelo interesse dos políticos na agroexportação.


Se a nossa república nasceu militarista, no acender das luzes do século XX tivemos a alternância na presidência entre paulistas e mineiros e a chegada golpista de Getúlio Vargas para romper, mesmo sendo derrotado por Júlio Prestes, a política do café com leite. O presidente mais longevo da nossa história viria a se matar em 1954, já em seu segundo mandato.

Depois disso, a Ditadura de 64. Revolução? Não. Golpe. O mais triste escândalo entre todos por que passamos. A morte de Tancredo pode ter sido fatalidade, mas a subida de Sarney, complicou. O impedimento de Collor foi outro baque. E depois, menos graves, vieram as privatizações com FHC e o mensalão com Lula. Fora o que ficou além da lembrança.

Ponto em comum de tudo isso? As nossas duas principais vocações: ter políticos e eleitorado péssimos. Se fôssemos melhores no voto, os piores representantes não estariam lá e a condescendência diante de descalabros seria menor e maior seria a luta por melhores escolas, condições de moradia, segurança e acesso a serviços de saúde.


A diferença entre todos os escândalos e o mensalão é a cobertura da imprensa, afiada como nunca. Haverá uma incidência considerável de notícias, notas, comentários e opiniões no noticiário de todos os veículos. À medida que o assunto cresce no seio social, pela ênfase do agendamento midiático, a audiência aumenta e entra em cena a espetacularização do fato. Isso preocupa.

As câmeras serão inúmeras, o foco quase que exclusivo e concorrência na preferência pública com as Olimpíadas podem desequilibrar a isenção. E a expectativa de que a vaidade dos ministros não seja afetada, prejudicando o julgamento. Cairemos numa contradição? Apesar da importância da imprensa em divulgar fatos de interesse público, o exagero disso pode afetar o acontecimento em si.

Se a Record tem os Jogos Olímpicos, a Globo e as outras terão o mensalão. A divisão em capítulos, a transformação do real em drama fictício e a vulnerabilidade ou não da Suprema Corte brasileira podem dar as caras a partir de amanhã. Enquanto Dirceu, Jeferson, Delúbio, Valério e o resto forem julgados, o povo julgará os ministro do STF e o jornalismo. E a história irá julgar todos eles, inclusive o povo, se algo fugir do que deve ser feito.