A partir de
amanhã, o STF (Supremo Tribunal Federal) terá dias atípicos. A mais alta corte
jurídica do país começa a julgar o mensalão,
esquema de corrupção que envolveu desde bancos e empresários a integrantes
do alto escalão do governo federal durante o primeiro mandato de Luiz Inácio
Lula da Silva. Além da questão política, há o componente midiático, porque sem
ele tudo seria mais normal, embora a ocasião esteja mais para repercussão do
que calmaria.
Antes de falar
especificamente da imprensa, passemos pela carga que a mesma tenta dar ao ocorrido,
obviamente a buscar uma evidência ainda maior do que o próprio caso implementa.
Todavia discutível, o mensalão pode
até ser o maior escândalo da política brasileira em toda a sua história, mas a
irregularidade não ocupa o primeiro lugar sozinho. Vejamos por quê.
A corrupção é a
irmãzinha caçula da política nossa de cada dia. Atrelado a ela – à corrupção –
vem o que se convencionou chamar de escândalo. E, cá entre nós, eles não são
poucos desde que os portugas pisaram na Bahia pela primeira vez, encararam os
índios, riram muito no princípio da colonização e depois trataram de dizimar o
contingente indígena que já se encontrava aqui há um bom tempo.
Mesmo fora da política
formal, talvez este tenha sido o primeiro insulto de ordem política vivenciado
no Brasil: à força, os lusitanos ocuparam um espaço já em uso por outro povo. A
partir daí virou bagunça, e não culpemos o clima, as praias, as mulatas, o
samba. Em outros locais existem belas músicas; mulheres que estonteiam; sol,
chuva, calor e frio em doses boas; e o disparate é mais contido.
Até onde a
memória de um não-historiador pode buscar, lembremos da independência, em 1822.
Além de tardia, teve como principal mandatário o filho do Rei, ex-maior
autoridade do Brasil. Na sucessão de D. Pedro I temos o segundo na linha
sucessória, que assume o posto de imperador com apenas 14 anos, no ocorrido que
se denominou Golpe da Maioridade.
Um asterisco ao
filho de D. João VI. Se os Estados Unidos aderiram ao regime republicano já em
1776, após libertarem-se da Inglaterra, o Brasil trouxe a República apenas em
1889 para suceder o regime imperial. Embora com maior caráter social,
mencionemos a atrasada abolição da escravatura, assinada um ano antes, tardada
pelo interesse dos políticos na agroexportação.
Se a nossa
república nasceu militarista, no acender das luzes do século XX tivemos a
alternância na presidência entre paulistas e mineiros e a chegada golpista de
Getúlio Vargas para romper, mesmo sendo derrotado por Júlio Prestes, a política
do café com leite. O presidente mais longevo da nossa história viria a se matar
em 1954, já em seu segundo mandato.
Depois disso, a
Ditadura de 64. Revolução? Não. Golpe. O mais triste escândalo entre todos por
que passamos. A morte de Tancredo pode ter sido fatalidade, mas a subida de
Sarney, complicou. O impedimento de Collor foi outro baque. E depois, menos
graves, vieram as privatizações com FHC e o mensalão
com Lula. Fora o que ficou além da lembrança.
Ponto em comum de
tudo isso? As nossas duas principais vocações: ter políticos e eleitorado
péssimos. Se fôssemos melhores no voto, os piores representantes não estariam
lá e a condescendência diante de descalabros seria menor e maior seria a luta
por melhores escolas, condições de moradia, segurança e acesso a serviços de
saúde.
A diferença entre
todos os escândalos e o mensalão é a
cobertura da imprensa, afiada como nunca. Haverá uma incidência considerável de
notícias, notas, comentários e opiniões no noticiário de todos os veículos. À medida
que o assunto cresce no seio social, pela ênfase do agendamento midiático, a
audiência aumenta e entra em cena a espetacularização do fato. Isso preocupa.
As câmeras serão
inúmeras, o foco quase que exclusivo e concorrência na preferência pública com
as Olimpíadas podem desequilibrar a isenção. E a expectativa de que a vaidade
dos ministros não seja afetada, prejudicando o julgamento. Cairemos numa
contradição? Apesar da importância da imprensa em divulgar fatos de interesse
público, o exagero disso pode afetar o acontecimento em si.
Se a Record tem
os Jogos Olímpicos, a Globo e as outras terão o mensalão. A divisão em capítulos, a transformação do real em drama
fictício e a vulnerabilidade ou não da Suprema Corte brasileira podem dar as
caras a partir de amanhã. Enquanto Dirceu, Jeferson, Delúbio, Valério e o resto
forem julgados, o povo julgará os ministro do STF e o jornalismo. E a história
irá julgar todos eles, inclusive o povo, se algo fugir do que deve ser feito.
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