As cidades
grandes importunam o interiorano. Ao perder-se em meio a arranha-céus, ao
trânsito impossível, às etnias que se esbarram, ao barulho que perturba,
desespera-se. Ele está em um local onde as referências se distanciam, porque as
novidades, em quantidades cavalares, afetam a memória. O caipira está perdido,
como se a imensidão de tudo fosse desabar e qualquer tentativa de fuga é em
vão. O emaranhado de desorganização aborrece o bom senso dos que funcionam à manivela.
O interior,
todavia sem a “dura poesia concreta de tuas esquinas, a deselegância discreta
de tuas meninas”, tem bala na agulha e, ao seu modo, também pode atrair o
encantamento e o desprezo. Mesmo sem o arsenal de opções da sua antítese, não
há quem passe ileso a um vilarejo, uma ruazinha de paralelepípedos ou às vias
sem mão única tomadas por botecos e cães vira-latas. A natureza é escancarada e respira-se verdadeiramente.
A calmaria das
cidades que finalizam o mundo pode servir aos extasiados psicologicamente como
água ao sedento, mas quem habituado está à efervescência, estar onde as
novidades tardam a chegar pode enlouquecê-lo muito mais do que cruzar uma larga
avenida paulistana de olhos vendados. Tudo aparenta vazio, monotonia, inatividade. Nada muda, e
isso incomoda o mais tenso, igual ao homem que regressa da guerra e não tem
quem matar.
A inexistência de
dinamismo reforça a ligação entre as pessoas, a proximidade de cada um com o
todo. Quase tudo o que acontece é de comum conhecimento, palpável ao mais
desprendido, ao mais curioso. A sensação de pertencimento ao outro, de controle
do outro faz das histórias, coletivas. O que sucedeu a você, chega a mim, e me
sinto à vontade para comentar, questionar e julgar o que você fez e falou ou o
que deixou de fazer e falar.
É a intromissão,
o “cuidando da vida alheia” impondo-se, e apresenta-se na outra ponta da linha
a prontidão em ajudar o vizinho, ao contrário da frieza metropolitana em que
todos se desconhecem. A falta de privacidade em bandas interioranas constrói
casas sem muros, sem cômodos, com imensos buracos de fechadura, de janelas
sempre indiscretas.
A compaixão e o zelo dos confins não equivalem
ao sossego, à garantia de que situações de ordem particular não se transformem
em domínio público. Mas a indiscrição pode encontrar no outro uma vontade de
estar em evidência, no falso sentido que a ideia “falem mal ou bem, mas falem
de mim” pode compartilhar. Entre o pacato e o frenético cotidiano, mais difícil
do que cravar o melhor, é habituar-se às saliências deste ou daquele
lugar, que nos testam, intimidam, estraçalham ou cedem.
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