sexta-feira, 10 de agosto de 2012

NADA MAIS PARECE ASSUSTAR

São poucas as coisas que nos surpreendem. O vigente estado de simultâneos e indiscriminados acontecimentos sedam o homem, aquele que outrora chocava o mundo com as suas descobertas e criações, porque tudo antes era raro e, portanto, mais valioso. Hoje, não. Um turbilhão de novidades vem e... pronto: nada tão novo que não possa se tornar velho em pouco tempo.

Dois são os agravantes. O primeiro é o capitalismo, esse sistema que exige a recauchutagem do mundo periodicamente. As atribuições da economia são muitas para as 24 horas do dia, e não é por outro motivo que a nossa vida é mais atabalhoada hoje, com afazeres que nos esfolam o físico e a razão. A exigência do mercado é veloz, e dá-lhe o ser humano a produzir, comprar, trabalhar, estudar, dormir, tudo em um intervalo que o clichê diria ser “humanamente impossível”.

O segundo fator somos nós. Insaciável, a criatura humana garimpa incumbências onde já não mais há. E o faz por necessidade financeira e egoísmo. Quer ganhar mais porque tem pouco ou porque só ganha muito. Necessita demonstrar aos outros a capacidade que sabe possuir, mas conservá-la sem alarde é desvalorizar-se. Então, panfletemos. Ao publicar e ser parte do público, é emissor e recebedor de um emaranhado de feitos. Qual ainda está por vir?


Há não muito tempo, o aeroporto era atração turística. Lembro-me de uma viagem, ainda durante o ensino fundamental, que fiz a São Paulo no ano de 1992. Congonhas era o local em que poucos pisavam, só os ricos, símbolo de um Brasil pior do que o atual. Viajar de avião àquela época era o mesmo que portar um telefone celular ou manusear um computador, tamanho o ineditismo e atraso desse país que empacou e andou para trás em não poucas vezes.

Os relacionamentos também tinham algo de inaugural. O beijo consumava a afeição estabelecida de início, o semi-auge da cumplicidade entre corpos, o salto ornamental de uma fase a outra da relação. É bem verdade que, em tempos anteriores aos nossos, a submissão da mulher dava a ela o direito de retardar ao máximo o contato entre lábios e a respiração aproximada, ofegante e aquecida, mas escolher o gosto do beijo que desejava ter era um luxo agudo demais para a época. Razão pela qual não se quer aqui o saudosismo desregrado.

A nudez era o que de mais improvável existia. Quando a mulher aparecia com um centímetro do vão dos seios à mostra, era moralismo do mulherio rival e deleite da ala masculina. Uma vez que a falta de pano era tão pecaminosa quanto a mente despudorada, a abertura do vestido nas costas e a saia que quase chega ao joelho compensavam os homens com pensamentos insanos, ultrajantes. Não era o corpo em si, mas apenas a sugestão dele. A pele e a carne insinuavam-se, escondidas, à vista e desejadas, pois inatingíveis. Ah, como o cinema brincou com isso.


No esporte, a normalidade não é menos presente. Quem não arrisca, de antemão, o que o jogador de futebol dirá aos repórteres no pré-jogo? “Temos que respeitar o adversário, mas vamos jogar com garra e determinação em busca dos três pontos”. Depois do jogo, é “graças a Deus” para todos os lados. O excesso de falsa humildade e da fala óbvia permite ao público encantar-se com o jamaicano Usain Bolt, que afirma sem ruborizar: “Sou o melhor, ninguém pode me vencer”. Quebra a rotina, surpreende e é cultuado por isso.

E na política, o que nos faz perplexos? É sempre Vossa Excelência daqui, Vossa Excelência dali, e ninguém comete ato falho, cai em corrupção. Ainda que as evidências exponham todo o enredo de obscurantismo e falcatruas, há que se dizer inocente, como se somente uma foto ou um vídeo fosse prova elementar. Diante das saliências de que falamos, até uma imagem é desmentida, visto que o normal é negar o que até um energúmeno enxerga.

A ausência do fato que choca, daquilo que nos faz esbugalhar os olhos, manter a boca entreaberta, interromper a respiração e desacreditar no que os olhos vêem sustenta a normalidade. A alternância de uma coisa à outra nos leva a crer na novidade, que não se suporta, posto que ela, em si, é uma rotina. Nada nos faz escandalizados. O imprevisto é qualidade dos gênios, esses cada vez mais escassos opositores da rotina.

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