São poucas as
coisas que nos surpreendem. O vigente estado de simultâneos e indiscriminados
acontecimentos sedam o homem, aquele que outrora chocava o mundo com as suas
descobertas e criações, porque tudo antes era raro e, portanto, mais valioso. Hoje,
não. Um turbilhão de novidades vem e... pronto: nada tão novo que não possa se
tornar velho em pouco tempo.
Dois são os
agravantes. O primeiro é o capitalismo, esse sistema que exige a recauchutagem
do mundo periodicamente. As atribuições da economia são muitas para as 24 horas
do dia, e não é por outro motivo que a nossa vida é mais atabalhoada hoje, com
afazeres que nos esfolam o físico e a razão. A exigência do mercado é veloz, e
dá-lhe o ser humano a produzir, comprar, trabalhar, estudar, dormir, tudo em um
intervalo que o clichê diria ser “humanamente impossível”.
O segundo fator somos
nós. Insaciável, a criatura humana garimpa incumbências onde já não mais há. E o
faz por necessidade financeira e egoísmo. Quer ganhar mais porque tem pouco ou
porque só ganha muito. Necessita demonstrar aos outros a capacidade que sabe possuir,
mas conservá-la sem alarde é desvalorizar-se. Então, panfletemos. Ao publicar e
ser parte do público, é emissor e recebedor de um emaranhado de feitos. Qual ainda
está por vir?
Há não muito
tempo, o aeroporto era atração turística. Lembro-me de uma viagem, ainda
durante o ensino fundamental, que fiz a São Paulo no ano de 1992. Congonhas era
o local em que poucos pisavam, só os ricos, símbolo de um Brasil pior do que o
atual. Viajar de avião àquela época era o mesmo que portar um telefone celular
ou manusear um computador, tamanho o ineditismo e atraso desse país que empacou
e andou para trás em não poucas vezes.
Os relacionamentos
também tinham algo de inaugural. O beijo consumava a afeição estabelecida de
início, o semi-auge da cumplicidade entre corpos, o salto ornamental de uma
fase a outra da relação. É bem verdade que, em tempos anteriores aos nossos, a
submissão da mulher dava a ela o direito de retardar ao máximo o contato entre
lábios e a respiração aproximada, ofegante e aquecida, mas escolher o gosto do
beijo que desejava ter era um luxo agudo demais para a época. Razão pela qual
não se quer aqui o saudosismo desregrado.
A nudez era o que
de mais improvável existia. Quando a mulher aparecia com um centímetro do vão
dos seios à mostra, era moralismo do mulherio rival e deleite da ala masculina.
Uma vez que a falta de pano era tão pecaminosa quanto a mente despudorada, a
abertura do vestido nas costas e a saia que quase chega ao joelho compensavam
os homens com pensamentos insanos, ultrajantes. Não era o corpo em si, mas
apenas a sugestão dele. A pele e a carne insinuavam-se, escondidas, à vista e
desejadas, pois inatingíveis. Ah, como o cinema brincou com isso.
No esporte, a
normalidade não é menos presente. Quem não arrisca, de antemão, o que o jogador
de futebol dirá aos repórteres no pré-jogo? “Temos que respeitar o adversário,
mas vamos jogar com garra e determinação em busca dos três pontos”. Depois do
jogo, é “graças a Deus” para todos os lados. O excesso de falsa humildade e da
fala óbvia permite ao público encantar-se com o jamaicano Usain Bolt, que
afirma sem ruborizar: “Sou o melhor, ninguém pode me vencer”. Quebra a rotina,
surpreende e é cultuado por isso.
E na política, o
que nos faz perplexos? É sempre Vossa Excelência daqui, Vossa Excelência dali,
e ninguém comete ato falho, cai em corrupção. Ainda que as evidências exponham
todo o enredo de obscurantismo e falcatruas, há que se dizer inocente, como se somente
uma foto ou um vídeo fosse prova elementar. Diante das saliências de que
falamos, até uma imagem é desmentida, visto que o normal é negar o que até um
energúmeno enxerga.
A ausência do fato que choca, daquilo que nos
faz esbugalhar os olhos, manter a boca entreaberta, interromper a respiração e
desacreditar no que os olhos vêem sustenta a normalidade. A alternância de uma
coisa à outra nos leva a crer na novidade, que não se suporta, posto que ela,
em si, é uma rotina. Nada nos faz escandalizados. O imprevisto é qualidade dos gênios,
esses cada vez mais escassos opositores da rotina.
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