terça-feira, 31 de julho de 2012

NINGUÉM É IMPUNE À MORTE

Quando a morte se agiganta, temê-la, resignar-se ou cumprimentá-la? Sendo o projeto mais certo da vida, a morte tira do homem aquilo que mais ama. Embora repleta de prejuízos, a vida terrena permite aos mortais privilégios irrecusáveis, em sua maioria de ordem material. É quando o ser busca recursos diversos, como cirurgias plásticas, alimentação regrada e a religião, na tentativa de adiar o fim. Mas o fim é inexorável e ele chegará a mim e a ti, seja agora, no momento em que lê este texto, ou depois.

A dúvida do que virá a seguir angustia o homem que, embora pense muito, é incapaz de esclarecer o mistério. As religiões poderiam trazer as respostas, mas, conforme-se: elas também são formadas por homens, e a nossa limitação, enquanto seres carnais, manterá uma incógnita. A interrogação pode nos atrapalhar, confundir os raciocínios, mas se ela for útil para realizarmos melhor o nosso papel, justamente por termos uma noção pouco nítida acerca do porvir, já será qualquer coisa positiva.


Pragmático que é, o homem se amedronta com as possibilidades posteriores incertas. É evidente que você e eu, após morrermos, podemos encontrar Jesus, Madre Teresa e Gandhi, isso se o nosso destino for os céus. Porque se a danação eterna nos espera, o mais manso dos condôminos do inferno será Hitler, uma criatura que, para os padrões do capeta, é de uma sensibilidade enorme. Se a partida preceder o encontro com o austríaco, não hesite em achar que algo não muito bom tenha sido obra sua. Se desembarcar por aquelas bandas, tenha certeza: haverá maldade, escuridão e seres assustadores, mas prepare-se para mais, porque de assanhamento despudorado o inferno está tomado.

Deixemos o inferno de lado, pois se você lê este texto e acessa o blog diariamente, é ponto consumado que o seu destino é o paraíso. Pobre daquele que não aderiu ao costume de vir aqui todos os dias... Como seriam os encontros pós-vida, se o corpo ficou aos bichos? Perceba que o nosso inconsciente tenta reproduzir na morte características da vida. E se a carne ficou, a nossa inteligência e memória também serviram de comida a seres minúsculos. Se tudo isso é enterrado ou cremado, o homem não será nada no além, a não ser que raciocínio e lembrança sejam também ou somente de ordem espiritual.

Ainda vivos, amedrontamo-nos com a ideia de não haver nada depois. Repugnamos a possibilidade de adormecer e só. Viver tanto, passar por inúmeras experiências, usar a inteligência para viabilizar maturidade ao espírito, e simplesmente apagar e não ter mais nada? Essa chance perturba o bom senso, faz com que alguns se acomodem nela, mas raros os que não pensam nisso.


Quando a morte não nos é, pega alguém próximo. Na juventude ou na velhice, não há uma que seja bem-vinda. Esta ou aquela pode doer mais, arranhar o sentimento dos que ficam, mas a perda é inconsolável. Quando alguém próximo se vai, uma parte da nossa história se afunda e não mais volta. Leva pra debaixo da terra um pedaço de quem ficou e aborrece quem respira, até o espírito – de novo ele – acalmar-se, conformar o físico, arrefecer a mente e vida que segue.

A equação insolúvel apequena o homem. As dúvidas e o temor nos confundem e submetem a razão. Se a igreja vem com o intuito de religar o homem a Deus, a tarefa fica prejudicada porque a autoridade moral de que o homem tanto necessita para estabelecer o elo esvaiu-se. A religião pode ter a sua utilidade, pode diminuir o que está confuso, fazer com que o medo regrida, mas voltar-se às próprias entranhas, no intimismo silencioso, pode melhor preparar o homem para a morte. Ela que nos espera ansiosamente, esperançosamente, para o que de bom ou ruim pode nos ocorrer depois.

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