terça-feira, 24 de julho de 2012

E SE EU NÃO TIVESSE NASCIDO?

Meu pai teria abandonado a minha mãe e ela não seria a causa da sua dedicação como homem. Ele a teria substituído por tabacos e destilados e sugerido a morte. O aniquilamento de si traria paz ao corpo cansado, mas ao espírito, quem sabe? Minha mãe, sei lá. Teria se fechado ao amor ou aberto o seu coração a todos? Ela saberia viver sozinha, com os olhos duros, mas não sem a lágrima que afaga e machuca ao mesmo tempo. Poderiam ter continuado juntos, e posteriormente a combinação de outro espermatozoide com um óvulo diferente teria gerado um moço melhor ou uma rapariga, talvez.

As Diretas já não teriam vingado. A ideia de democracia seria só isso – às vezes ainda é – e o ano seguinte, mais um de ditadura, e não o fim. Embora sem liberdade, Tancredo não teria morrido. Sarney, sim. Collor, sim. Maluf, sim. Ah, como seria bom se eu não tivesse vindo. A Argentina teria vencido a Inglaterra na luta pela Malvinas. O Brasil teria atacado os hermanos e as tomado para si. FHC não teria sido presidente. Mas se o intelectual não fosse, o que seria de Lula? Se Luiz Inácio não fosse, o que seria do Brasil? Ambos foram bons e ruins, mais um do que o outro, mas a política é isso porque o povo não é além disso. Dilma não seria a primeira mulher a governar o país. Talvez Dilma nem mulher seria. As piadas começam...


O Plano Real não seria nem fumaça. Ficaríamos no Cruzado. A inflação levaria os industriais a quebrarem, os latifundiários a quebrarem, os banqueiros a quebrarem e os trabalhadores a rirem de tudo, quebrados. Porque o brasileiro é solidário e o trajeto para o socialismo estaria feito, irrevogável, até que não fosse necessário mais centralizar o poder na política. Eis o comunismo, em que cada indivíduo tem a consciência do seu espaço, da sua função diante do todo e valores morais, sociais e intelectuais resguardados. Sentimentalismos à parte, os EUA seriam implodidos. Tudo por uma nova rota que unisse os Oceanos Pacífico e Atlântico. O Cruzado seria a moeda global, mas dinheiro para quê, se o mundo virou comunista? Com o comunismo, nada de Windows 95, celular e internet. Mas a cura da AIDS poderia estar aí e o Câncer... Câncer? Eu nasci, e tudo virou mentira. Antes, não.

Lá fora, o velho Bush não teria sido eleito e o filho seria só um menino reacionário, com vontades, sem poder. Mas o mundo precisou ver os Bush para que os EUA elegessem Obama. Sem ambos e Reagan, Barack seria mais um negro. Obama é um negro, é mais um, mas igual a ele, ainda ninguém. A Europa triunfou, a China era agrária, o Japão entendia de tecnologia, a África era miserável. Os nipônicos continuam a entender disso, os africanos também continuam, mas a Europa quebrou, os EUA estagnaram e a China é um emergente que mete medo. Nenhum deles esperava isso, só que eu nasci. Talvez o Muro não viesse abaixo, a Guerra Fria nem tivesse acabado e nada disso aconteceria, ou tudo sucederia igualmente, vai saber.

O Brasil seria potência olímpica. Poderíamos ter vencido mais Copas, mas ganharíamos 94 e 02? A Argentina não levaria o bi a Buenos Aires, Romário não teria feito 1000 gols, Ronaldo continuaria a não ser fenômeno e Messi seria brasileiro. Ah, por que fui nascer? Senna não teria morrido. Tom, Tim Renato, Cazuza, Kurt, idem. Mas, lamento, eu nasci. Se eu não nascesse, Gusttavo Lima, Michel Teló, Luan Santana, o sertanejo universitário, o pagode, as rádios FM também não? Será? A culpa das letras monossilábicas, reprisadas e da melodia pobre recai. Ah, sim. Katinguelê e Karametade não teriam inundado a nossa cabeça com músicas das quais a gente não conseguia se livrar. Mas se eu vim, eles vieram e você, sim.


Atari, Mega Drive, Super Nintendo e PlayStation não existiriam. No lugar, fliperamas somente. Mamonas Assassinas não fariam tanto sucesso e continuariam vivos. Madre Teresa de Calcutá e princesa Diana encabeçariam esse novo mundo comunista, ambas empunhando o martelo, a foice e a foto de Guevara. Dolly não seria clonada, porque cientista que tem um nome a zelar não clona ovelha, clona gente. Nei Matogrosso, William Bonner e Galvão Bueno seriam os escolhidos. A duplicidade de Nei nasceria sem fantasias, o outro Bonner seria o novo repórter de moda da Rede Vida e o clone de Galvão morreria in vitro, após a equipe médica arrepender-se da ideia.

O mundo seria pior ou melhor, diferente ou igual. Com ou sem mim, teria sido tudo. Como tudo seria se você também não fosse fruto de uma noite chuvosa de sexo, com ou sem amor. Independente do mundo ser como é ou como poderia ter sido, você viveu paixões, muitas delas, ou, igual a mim, apenas uma. Se por nenhuma passou ou não quis, por que nasceu?

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