Meu
pai teria abandonado a minha mãe e ela não seria a causa da sua dedicação como
homem. Ele a teria substituído por tabacos e destilados e sugerido a morte. O
aniquilamento de si traria paz ao corpo cansado, mas ao espírito, quem sabe?
Minha mãe, sei lá. Teria se fechado ao amor ou aberto o seu coração a todos?
Ela saberia viver sozinha, com os olhos duros, mas não sem a lágrima que afaga
e machuca ao mesmo tempo. Poderiam ter continuado juntos, e posteriormente a
combinação de outro espermatozoide com um óvulo diferente teria gerado um moço
melhor ou uma rapariga, talvez.
As Diretas já não teriam vingado. A ideia de
democracia seria só isso – às vezes ainda é – e o ano seguinte, mais um de
ditadura, e não o fim. Embora sem liberdade, Tancredo não teria morrido.
Sarney, sim. Collor, sim. Maluf, sim. Ah, como seria bom se eu não tivesse
vindo. A Argentina teria vencido a Inglaterra na luta pela Malvinas. O Brasil
teria atacado os hermanos e as tomado
para si. FHC não teria sido presidente. Mas se o intelectual não fosse, o que
seria de Lula? Se Luiz Inácio não fosse, o que seria do Brasil? Ambos foram
bons e ruins, mais um do que o outro, mas a política é isso porque o povo não é
além disso. Dilma não seria a primeira mulher a governar o país. Talvez Dilma
nem mulher seria. As piadas começam...
O Plano Real não
seria nem fumaça. Ficaríamos no Cruzado. A inflação levaria os industriais a quebrarem,
os latifundiários a quebrarem, os banqueiros a quebrarem e os trabalhadores a
rirem de tudo, quebrados. Porque o brasileiro é solidário e o trajeto para o
socialismo estaria feito, irrevogável, até que não fosse necessário mais
centralizar o poder na política. Eis o comunismo, em que cada indivíduo tem a
consciência do seu espaço, da sua função diante do todo e valores morais,
sociais e intelectuais resguardados. Sentimentalismos à parte, os EUA seriam
implodidos. Tudo por uma nova rota que unisse os Oceanos Pacífico e Atlântico. O
Cruzado seria a moeda global, mas dinheiro para quê, se o mundo virou comunista? Com o comunismo, nada de Windows 95, celular e internet. Mas a cura da AIDS poderia estar aí e o Câncer... Câncer? Eu nasci, e tudo virou mentira. Antes, não.
Lá fora, o velho
Bush não teria sido eleito e o filho seria só um menino reacionário, com
vontades, sem poder. Mas o mundo precisou ver os Bush para que os EUA elegessem
Obama. Sem ambos e Reagan, Barack seria mais um negro. Obama é um negro, é mais
um, mas igual a ele, ainda ninguém. A Europa triunfou, a China era agrária, o
Japão entendia de tecnologia, a África era miserável. Os nipônicos continuam a entender disso, os africanos também continuam, mas a
Europa quebrou, os EUA estagnaram e a China é um emergente que mete medo. Nenhum
deles esperava isso, só que eu nasci. Talvez o Muro não viesse abaixo, a
Guerra Fria nem tivesse acabado e nada disso aconteceria, ou tudo sucederia igualmente,
vai saber.
O Brasil seria
potência olímpica. Poderíamos ter vencido mais Copas, mas ganharíamos 94 e 02? A
Argentina não levaria o bi a Buenos Aires, Romário não teria feito 1000 gols, Ronaldo
continuaria a não ser fenômeno e Messi seria brasileiro. Ah, por que fui nascer?
Senna não teria morrido. Tom, Tim Renato, Cazuza, Kurt, idem. Mas, lamento, eu nasci. Se
eu não nascesse, Gusttavo Lima, Michel Teló, Luan Santana, o sertanejo universitário,
o pagode, as rádios FM também não? Será? A culpa das letras monossilábicas,
reprisadas e da melodia pobre recai. Ah, sim. Katinguelê e Karametade não
teriam inundado a nossa cabeça com músicas das quais a gente não conseguia se
livrar. Mas se eu vim, eles vieram e você, sim.
Atari, Mega
Drive, Super Nintendo e PlayStation não existiriam. No lugar, fliperamas somente. Mamonas Assassinas não fariam tanto sucesso e continuariam vivos. Madre
Teresa de Calcutá e princesa Diana encabeçariam esse novo mundo comunista,
ambas empunhando o martelo, a foice e a foto de Guevara. Dolly não seria clonada, porque cientista
que tem um nome a zelar não clona ovelha, clona gente. Nei Matogrosso, William
Bonner e Galvão Bueno seriam os escolhidos. A duplicidade de Nei nasceria sem
fantasias, o outro Bonner seria o novo repórter de moda da Rede Vida e o clone de
Galvão morreria in vitro, após a
equipe médica arrepender-se da ideia.
O mundo seria pior ou melhor, diferente ou
igual. Com ou sem mim, teria sido tudo. Como tudo seria se você também não fosse
fruto de uma noite chuvosa de sexo, com ou sem amor. Independente do mundo ser como é ou como poderia ter sido, você viveu paixões, muitas delas, ou, igual a mim, apenas uma. Se por nenhuma passou ou não quis, por que nasceu?
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