O ritual seguiu o protocolo. Todos os vereadores, sob
a presidência de um igual, reuniram-se para mais uma sessão ordinária na Câmara
Municipal de Getulina para, como se espera, apontar deficiências, propor leis,
conduzir a cidade a uma patamar que sempre remeta ao progresso. Não sem antes,
é claro, ler o versículo da Bíblia, ela que sempre é testemunha dos atos mais
generosos ou medonhos. O fato é que o trecho foi lido, e a partir daí o que se
procede em âmbito político está avalizado pela instância sagrada, e ai de quem
se opuser a isso.
Lembremos, de novo, do significado
central de política: instância que surge a partir da complexidade cada vez mais
evidente da sociedade, tornando necessária a instauração de poder central para
conduzir o todo, aparar as arestas, controlar os egos. Quando o indivíduo nota
que não mais é capaz de mediar completamente o seu convívio com o próximo – e
nem quer isso –, emerge a figura do representante, aquele que tomará para si as
responsabilidades negligenciadas pelo cidadão.
Presume-se que a partir disso alguém
imbuído de boas intenções ofereça os seus conhecimentos, as suas experiências
de vida e o senso de coletividade para atender o bem público. Enfim, todo
trabalho político converge no morador, a síntese do que de melhor pode haver na
esfera social, a inestimável ação de agir para o próximo, para o todo. A função
mencionada aqui é para bem poucos, talvez menos do que o necessário ao
funcionamento disso que convencionamos chamar de cidade.
Cidade esta que esboça números destoantes. O salário
atual de cada vereador é de R$ 2.322,13, enquanto que do presidente da Câmara é
de R$ 2.931,98, tudo de acordo com informações disponibilizadas pela secretaria
da Casa. O valor ganho pelo prefeito, em cada mês, é de atuais R$ 8.329,49. Já
o vice-prefeito recebe 2.776,49 (essas duas cifras foram publicadas na página 9
da edição deste semanário de 13 de maio de 2012). Lembre-se: tudo pago com o
seu, com o meu, com o nosso rico dinheirinho.
Cidade esta que, sob a chancela da
própria Câmara (dos nove vereadores, um, Henrique Mário Nohara, foi contrário aos reajustes), pagará a partir de 1° de janeiro de 2013 a bagatela de R$
4.500,00 ao presidente da Casa. Cada vereador receberá a quantia de R$
3.000,00. No Executivo, os subsídios, sancionados pelo chefe maior, para
prefeito e vice serão de R$ 10.000,00 e R$ 4.500,00, respectivamente. Sim,
amigo leitor, dez mil reais, por mês, para ser prefeito desta cidade. Todos
esses valores estão disponíveis nas páginas 4 e 9 da edição do Getulina-Jornal
de 03 de junho de 2012.
Ah, sim... Passemos pelos
acréscimos, em valores reais e percentuais. De 31 de dezembro de 2012 para 1°
de janeiro de 2013, o cargo de prefeito pagará, mensalmente, ao seu ocupante R$
1.670,51 a
mais. Assim mesmo, de um dia para o outro, um aumento pouco convencional para
os trabalhadores comuns. Ao salário que o vice-prefeito ganha somar-se-á a
quantia de R$ 1.723,51 no dia que principia o ano seguinte. No mesmo dia, o
vereador passará a receber R$ 677,87
a mais do que neste ano. O presidente terá um aumento de
R$ 1.568,02 em relação a 2012. Diante das desproporções, se houvesse retorno em
forma de benesses sociais, ainda assim o preço pago seria demasiado.
Em porcentagem, temos um acréscimo
de 20,05% para a posição de prefeito. Ao cargo de vice-prefeito o aumento será
de 62,07%. Os vereadores terão elevados os seus subsídios em 29,19%, posto que
o presidente da Câmara irá angariar 53,47% a mais do que no ano que corre. Caso
os vereadores, prefeito e vice não tenham feito cálculo algum dessa natureza,
pode ser interessante aproveitá-los para inserir na próxima ata da Câmara e nos
informes do Executivo. Para a população, desatenta, desmemoriada e
despreocupada que é, seria uma informação adicional que, por ventura, poderia
surtir em qualquer coisa que assustasse o marasmo.
Como em 2007, a política
getulinense instituiu aumentos a si própria, o que convenhamos não é o mais
apropriado a ser feito. Retomemos a idéia deixada nesta coluna em dezembro
daquele ano: que se faça um plebiscito ou referendo para que a população vote a
favor ou contra acréscimos salariais tão abusivos. Sobre isso, sejamos francos:
quem, exceto os políticos, recebe aumento tão polpudo? Fora esse, a cada ano já
existe alteração nos subsídios de prefeito, vice e vereadores, de acordo com o
previsto em constituição, normalmente não ultrapassando os 5%. Eis a primeira
coerência em relação ao que foi dito até então.
O ajuste dos trabalhadores comuns é baseado na
inflação, índice que mede o poder do nosso dinheiro. Se o preço do que
consumimos se eleva, é justo que tenhamos uma quantia maior de dinheiro para
sobreviver. É preso a isso que o salário mínimo é reajustado. Como exemplo, em
1° de janeiro de 2012, o mínimo passou de R$ 545,00 para R$ 622,00, um aumento
de 14,13%. Enfatizemos: uma mudança interessante, não fosse o valor mísero
deste salário. Os políticos, além de desfrutarem de salários melhores, também
lançam mão de reajustes mais elevados, com a diferença de que nós não
escolhemos o que queremos ganhar.
Se política não é profissão implica afirmar que hoje
alguém está político, mas amanhã pode não estar mais. Estado, caro leitor.
Política é estado, o anseio intocável de ampliar a sensação de bem estar a seus
concidadãos, durante um intervalo de tempo de quatro ou oito anos.
Simultaneamente a isso, a maior parte dessa classe mantém ativas as suas
atuações no ramo profissional privado, ou seja, dentro daquilo que lhe deu o
sustento até assumir cargo público. Por isso, o subsídio deve ser simbólico, a
ponto de não corromper as más intenções da carne. Cá para nós, as cifras atuais
são pródigas nisso. Quem não tiver uma atuação paralela e julgar insuficiente o
salário da política, que nem se candidate.
É inconcebível, em tempos de democracia permanente,
não atentar ao que se estabeleceu: a política se tornou um ramo economicamente
viável. Os seus ocupantes se perpetuam no poder, posto que o brasileiro reclama
muito, mas protesta e reivindica em ninharia. Que emprego hoje, em Getulina,
paga R$ 10.000,00 ao mês? É difícil pressupor tal disparate até ao mais
qualificado de nós. Para os padrões da cidade, até o salário de R$ 3.000,00 é
raro de se encontrar. Perceba como o dinheiro passa a chamar mais a atenção do
que o sentimento de melhorar o local em que vive.
A justificativa que você e todos nós ouviremos é de
que o reajuste irá valer para o próximo mandato e que despautério seria se
fosse para já, mesmo porque há a possibilidade de nenhum deles desfrutar do que
aprovaram, do que desejam, do que fazem suas bocas salivarem. Por outro lado,
se levarmos em conta que boa parte da classe política que aí está irá pleitear
uma vaga na câmara ou na prefeitura, nas eleições de outubro, temos uma medida
aplicada em benefício próprio, ainda que indiretamente. Tenha certeza: muitos
voltarão para mais quatro anos, nos braços do povo, pelos votos do povo, como
sempre é, apesar da chiadeira em momentos pontuais.
Aquele que se candidata a cargo público disponibiliza
suas vontades em prol do coletivo, mas se assim ocorrer com vistas à
remuneração paga pelos contribuintes, que generosidade há em tal ato? É certo
que o bom propósito há tempos passa distante do cenário político, mas que a
população ao menos esteja alerta a isso. Logo mais, os postulantes atuais, os
novos e os de sempre irão encostar em você e pedir votos, subir ao palanque,
celebrar a vitória, já pensando nos compromissos, na burocracia, com pouca
preocupação sobre o que propiciar à cidade e muita euforia com o que a cidade
irá proporcionar a ele.
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