terça-feira, 10 de julho de 2012

A POLÍTICA DE GETULINA É ISSO

O ritual seguiu o protocolo. Todos os vereadores, sob a presidência de um igual, reuniram-se para mais uma sessão ordinária na Câmara Municipal de Getulina para, como se espera, apontar deficiências, propor leis, conduzir a cidade a uma patamar que sempre remeta ao progresso. Não sem antes, é claro, ler o versículo da Bíblia, ela que sempre é testemunha dos atos mais generosos ou medonhos. O fato é que o trecho foi lido, e a partir daí o que se procede em âmbito político está avalizado pela instância sagrada, e ai de quem se opuser a isso.
          Lembremos, de novo, do significado central de política: instância que surge a partir da complexidade cada vez mais evidente da sociedade, tornando necessária a instauração de poder central para conduzir o todo, aparar as arestas, controlar os egos. Quando o indivíduo nota que não mais é capaz de mediar completamente o seu convívio com o próximo – e nem quer isso –, emerge a figura do representante, aquele que tomará para si as responsabilidades negligenciadas pelo cidadão.



      Presume-se que a partir disso alguém imbuído de boas intenções ofereça os seus conhecimentos, as suas experiências de vida e o senso de coletividade para atender o bem público. Enfim, todo trabalho político converge no morador, a síntese do que de melhor pode haver na esfera social, a inestimável ação de agir para o próximo, para o todo. A função mencionada aqui é para bem poucos, talvez menos do que o necessário ao funcionamento disso que convencionamos chamar de cidade.
          Cidade esta que esboça números destoantes. O salário atual de cada vereador é de R$ 2.322,13, enquanto que do presidente da Câmara é de R$ 2.931,98, tudo de acordo com informações disponibilizadas pela secretaria da Casa. O valor ganho pelo prefeito, em cada mês, é de atuais R$ 8.329,49. Já o vice-prefeito recebe 2.776,49 (essas duas cifras foram publicadas na página 9 da edição deste semanário de 13 de maio de 2012). Lembre-se: tudo pago com o seu, com o meu, com o nosso rico dinheirinho.
         Cidade esta que, sob a chancela da própria Câmara (dos nove vereadores, um, Henrique Mário Nohara, foi contrário aos reajustes), pagará a partir de 1° de janeiro de 2013 a bagatela de R$ 4.500,00 ao presidente da Casa. Cada vereador receberá a quantia de R$ 3.000,00. No Executivo, os subsídios, sancionados pelo chefe maior, para prefeito e vice serão de R$ 10.000,00 e R$ 4.500,00, respectivamente. Sim, amigo leitor, dez mil reais, por mês, para ser prefeito desta cidade. Todos esses valores estão disponíveis nas páginas 4 e 9 da edição do Getulina-Jornal de 03 de junho de 2012.



       Ah, sim... Passemos pelos acréscimos, em valores reais e percentuais. De 31 de dezembro de 2012 para 1° de janeiro de 2013, o cargo de prefeito pagará, mensalmente, ao seu ocupante R$ 1.670,51 a mais. Assim mesmo, de um dia para o outro, um aumento pouco convencional para os trabalhadores comuns. Ao salário que o vice-prefeito ganha somar-se-á a quantia de R$ 1.723,51 no dia que principia o ano seguinte. No mesmo dia, o vereador passará a receber R$ 677,87 a mais do que neste ano. O presidente terá um aumento de R$ 1.568,02 em relação a 2012. Diante das desproporções, se houvesse retorno em forma de benesses sociais, ainda assim o preço pago seria demasiado.
        Em porcentagem, temos um acréscimo de 20,05% para a posição de prefeito. Ao cargo de vice-prefeito o aumento será de 62,07%. Os vereadores terão elevados os seus subsídios em 29,19%, posto que o presidente da Câmara irá angariar 53,47% a mais do que no ano que corre. Caso os vereadores, prefeito e vice não tenham feito cálculo algum dessa natureza, pode ser interessante aproveitá-los para inserir na próxima ata da Câmara e nos informes do Executivo. Para a população, desatenta, desmemoriada e despreocupada que é, seria uma informação adicional que, por ventura, poderia surtir em qualquer coisa que assustasse o marasmo.
       Como em 2007, a política getulinense instituiu aumentos a si própria, o que convenhamos não é o mais apropriado a ser feito. Retomemos a idéia deixada nesta coluna em dezembro daquele ano: que se faça um plebiscito ou referendo para que a população vote a favor ou contra acréscimos salariais tão abusivos. Sobre isso, sejamos francos: quem, exceto os políticos, recebe aumento tão polpudo? Fora esse, a cada ano já existe alteração nos subsídios de prefeito, vice e vereadores, de acordo com o previsto em constituição, normalmente não ultrapassando os 5%. Eis a primeira coerência em relação ao que foi dito até então.
O ajuste dos trabalhadores comuns é baseado na inflação, índice que mede o poder do nosso dinheiro. Se o preço do que consumimos se eleva, é justo que tenhamos uma quantia maior de dinheiro para sobreviver. É preso a isso que o salário mínimo é reajustado. Como exemplo, em 1° de janeiro de 2012, o mínimo passou de R$ 545,00 para R$ 622,00, um aumento de 14,13%. Enfatizemos: uma mudança interessante, não fosse o valor mísero deste salário. Os políticos, além de desfrutarem de salários melhores, também lançam mão de reajustes mais elevados, com a diferença de que nós não escolhemos o que queremos ganhar.
Se política não é profissão implica afirmar que hoje alguém está político, mas amanhã pode não estar mais. Estado, caro leitor. Política é estado, o anseio intocável de ampliar a sensação de bem estar a seus concidadãos, durante um intervalo de tempo de quatro ou oito anos. Simultaneamente a isso, a maior parte dessa classe mantém ativas as suas atuações no ramo profissional privado, ou seja, dentro daquilo que lhe deu o sustento até assumir cargo público. Por isso, o subsídio deve ser simbólico, a ponto de não corromper as más intenções da carne. Cá para nós, as cifras atuais são pródigas nisso. Quem não tiver uma atuação paralela e julgar insuficiente o salário da política, que nem se candidate.
É inconcebível, em tempos de democracia permanente, não atentar ao que se estabeleceu: a política se tornou um ramo economicamente viável. Os seus ocupantes se perpetuam no poder, posto que o brasileiro reclama muito, mas protesta e reivindica em ninharia. Que emprego hoje, em Getulina, paga R$ 10.000,00 ao mês? É difícil pressupor tal disparate até ao mais qualificado de nós. Para os padrões da cidade, até o salário de R$ 3.000,00 é raro de se encontrar. Perceba como o dinheiro passa a chamar mais a atenção do que o sentimento de melhorar o local em que vive.
A justificativa que você e todos nós ouviremos é de que o reajuste irá valer para o próximo mandato e que despautério seria se fosse para já, mesmo porque há a possibilidade de nenhum deles desfrutar do que aprovaram, do que desejam, do que fazem suas bocas salivarem. Por outro lado, se levarmos em conta que boa parte da classe política que aí está irá pleitear uma vaga na câmara ou na prefeitura, nas eleições de outubro, temos uma medida aplicada em benefício próprio, ainda que indiretamente. Tenha certeza: muitos voltarão para mais quatro anos, nos braços do povo, pelos votos do povo, como sempre é, apesar da chiadeira em momentos pontuais.
Aquele que se candidata a cargo público disponibiliza suas vontades em prol do coletivo, mas se assim ocorrer com vistas à remuneração paga pelos contribuintes, que generosidade há em tal ato? É certo que o bom propósito há tempos passa distante do cenário político, mas que a população ao menos esteja alerta a isso. Logo mais, os postulantes atuais, os novos e os de sempre irão encostar em você e pedir votos, subir ao palanque, celebrar a vitória, já pensando nos compromissos, na burocracia, com pouca preocupação sobre o que propiciar à cidade e muita euforia com o que a cidade irá proporcionar a ele.

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