terça-feira, 10 de julho de 2012

O FRUTO PROIBIDO DE TODOS OS DIAS

Bem, como se sabe, no princípio Deus criou os céus e a Terra, e esta, por sua vez, era sem forma e vazia. Depois, vieram os oceanos e o firmamento, dando uma configuração semelhante a isso que serviria à humanidade como morada e, aparentemente, único local habitável por seres com a nossa constituição. Embora, é bom que se diga, o quão estranho é existirem tantos outros planetas que de parecidos com a Terra só possuem o formato.
Enfim, o fato é que ao final dos sete dias, ou muito mais do que isso, Deus já havia feito tudo, descansado e criado a sua obra mais impressionante. Mas Adão e Eva caíram em tentação, e a desobediência de ambos fez com que as gerações posteriores se desenvolvessem tão corrompidas, a ponto do Criador desaprovar a criatura e o que esta fez a si própria e incumbir o bom e velho Noé de construir uma engenhoca à que se atribuiu o nome de arca. Nela deveriam ser colocados toda a sua família e animais das mais variadas espécies, voadores ou terrestres, e todo o resto seria extinto.
Durante quarenta dias e quarenta noites choveu, o que se convencionou chamar de dilúvio, e após 150 dias as águas começaram a recuar, encontrando a arca refúgio em solo firme no sétimo dia do sétimo mês. Mas o corvo e a pomba anunciavam quantidade de água ainda imprópria à vida. Quando Noé soltou a ave branca pela segunda vez e ela não mais regressou, era de se imaginar que tudo voltara ao habitual, e Deus os ordenou que descessem. “Sede fecundos, disse-lhes ele, multiplicai-vos e enchei a Terra” (Genesis 9:1).



Foi comum, ao longo da história que nos trouxe até aqui, deturpar a escritura para atender a interesses particulares e escusos. Mas nos prendamos à frase anterior que, isoladamente, se encarrega de prolongar discussões por todos os cantos. E é desperdício utilizar qualquer objeto para segregar, ao invés de mobilizar o todo em torno de uma idéia generosa e favorável ao convívio, e não à desavença.
Falamos aqui da homossexualidade e de como alguns grupos se apropriam, no caso, da Bíblia para emitirem apreciações respaldadas, no sentido de transformar suas percepções e opiniões em normativa. As intrigas são criadas como sempre foram: em nome de um ser superior a tudo o que é terreno, legalizando comportamentos preconceituosos e que em nada ajudam no debate sobre as melhorias sociais necessárias.
Quando Deus ordena que a espécie humana se perpetue, as conclusões podem ser inúmeras e não apenas uma. Mesmo havendo uma determinada quantidade de homossexuais – uma minoria –, a criatura humana, como é comprovado, continua a crescer. A multiplicação não fica comprometida pela natureza sexual desse ou daquele, mesmo porque se um casal homossexual não reproduz, o hétero tem a possibilidade de gerar descendentes, e é dessa forma que a espécie em questão continua a prosperar, ao menos na quantidade.
Nessa discussão, o gay não inviabiliza o avanço. Sendo assim, seria injusto cobrar dele uma tendência contrária à sua vontade. A composição hormonal de alguém é que o leva a atrair e sentir-se atraído por outra pessoa do sexo oposto ou por um igual. Embora seja da índole de alguns, a excessiva maioria dos homossexuais escolhe um parceiro do mesmo sexo não para desafiar o contexto vigente, destruidor de minorias, ou somente para experimentar uma nova sensação, mas sim porque o afeto só pode ser completado dessa forma. Está acima da sua capacidade lutar contra isso – e nem deve – só porque a sociedade e supostamente Deus abominam.



Isso posto, a multiplicação humana depende de tantos outros fatores mais importantes, relegados pela sociedade. Pensemos em alguns elementos fundamentais à vida: moradia, alimentação, salários justos, saneamento básico, segurança, trânsito poderiam tornar o projeto humano mais viável e sucedido do que o atual. A violência disseminada, as remunerações mirradas, a imprudência e a negligência no volante e condições insalubres de vida atentam muito mais contra o legado bíblico do que a união homoafetiva, podendo impedir o avanço ou elevando-se, mas sem a qualidade elementar.
Faria muito mais sentido a política vigente, que vaga assombrosa por todos os lados, ser combatida pelo patrulhamento religioso. Na outra ponta, a sociedade como um todo tem a sua parcela de não contribuição, ao permitir que se faça menos do que deveria, ao suportar mais do que deveria. Se de outro modo fosse, a falta daquelas condições básicas elencadas anteriormente seria menos sentida. Nesse aspecto, os religiosos de plantão, que abominam a homossexualidade, deveriam falar menos, julgar menos, fazer um pouco mais, atuando em cima das deficiências que fazem a diferença.
Não é porque a história começou errada que qualquer deslize posterior deva ser relevado. Discute-se aqui que a homossexualidade não é um erro, mas uma situação natural, uma tendência, algo inato e, como tal, deve ser honrado, respeitado. Se a corrente histórica nos leva a crer que a humanidade continuará crescendo, independente da composição genética e hormonal, preocupemo-nos, pois, com o que é realmente decisivo para a continuidade da nossa espécie. Atos verdadeiramente pecaminosos poderão ser evitados, não extirpando liberdade e amor, dois dos direitos inalienáveis do ser humano.

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