Getulina, inverno de 2012.
Era uma quinta, e
a noite estava de bom tamanho para alguém que não tem muita paciência com o
calor. Aquele trecho do ano com temperaturas que fazem escorrer suor pelo corpo
e que deixam a pele grudenta, dando a sensação – verdadeira – de que estamos
constantemente sujos. Porque o suor tem disso: ele lava a alma e traz para fora
as impurezas de sempre. Mas há que se admitir: eis aí uma estação com as suas
peculiaridades.
Só que agora é
inverno, e a estação que no hemisfério norte acontece entre os meses de
dezembro e março reservou na noite de quinta uma das suas. Um parêntese: não
acredite em coincidências. O fato de ser inverno nas Américas Central e do
Norte e na Europa justamente quando aqui, na África e na Oceania é verão não é
obra do acaso. Isso se deve ao movimento de translação e aos 23° de inclinação
que a Terra tem em relação ao sol.
Mas essa
divagação astronômica só serviu para antecipar a história de hoje, que decorreu
ontem. Um bar foi a opção para ver um jogo que nem do meu time era. E pela
terceira semana seguida, o Palmeiras enfrentava o Coritiba, agora pelo
Campeonato Brasileiro. O resultado final foi 1x1, o que não alterou a ordem das
coisas. Os dois seguem na parte de baixo da tabela e o São Paulo mantém-se mal
desde 2009. Reconfortante.
Como um convite
de amigo não se nega, um bar não é o pior dos locais para se ver um jogo. É
claro que muitos dos comentários sobre a partida são risíveis, um bando de
gente quer falar ao mesmo tempo, xingar, elogiar, gritar gol, lamentar o tento
sofrido, a conversa que cruza o salão para emendar-se com outra mesa. É o
emaranhado de informações que faz do torcedor um apaixonado por esse esporte,
diferente de qualquer outro, uma vez que o apelo é incomparável.
Como se não
bastasse tudo, ao meu lado sentou-se um bêbado. Como sobreaviso, o amigo à
minha esquerda proferiu: “Vi esse cara cuspir um pedaço do fígado no hospital.
Estava quase morto, parou de beber, melhorou e agora está na fossa outra vez”. Sim,
ele estava na fossa, porque o bafo que da boca dele saía arrombou as minhas
defesas, e por um momento o álcool dele me cambaleou também. Eu definitivamente
estava embriagado por tabela, sem ter ingerido uma gota sequer.
E a criatura
desandou a falar. Falava do time, do campeonato, do rival Corinthians. Pior:
repetia incessantemente as mesmas coisas. Ouvi-lo e ver a cena não foi
dificultoso, mas o cheiro era ingrato. Era a cachaça me dizendo: “você me
desprezou a vida toda, me julgou, apontou o dedo àqueles que me tragaram. Suporte
as consequências agora”. Era a vingança da birita contra mim. O manguaçado
estava ali por um bom motivo. Regozijei-me diante da sua causa, mantendo certa
distância, é claro, já que a falta de banho também era notória.
Mas a minha
sensação de importunado foi dando passagem à outra reflexão. O que leva alguém
a chegar ao estado de embriaguez profunda e diária? Se alguém o faz é porque
gosta, mas antes disso há o momento que tenciona a respectiva propensão. O
vício, qualquer um deles (em drogas, em sexo, bebida alcoólica, carros,
compras, tecnologias, futebol, religião), é resultado de uma falta, que, na
visão do indivíduo que se encontra fragilizado, só a prática desregrada de
alguma coisa pode preenchê-lo. Qualquer prática em excesso é efeito de uma ruptura.
Sei lá o que pode ter levado aquele homem a
beber a ponto de não mais sentir o gole. O juiz apitou o final do jogo, ele
ficou satisfeito com o empate, mas não sem antes resmungar uma palavra ou
outra, todas incompreensíveis, como se pronunciasse somente consoantes. O vento
que vinha de fora trazia, de novo, o hálito daquele ser até mim. Era o fim da
quinta-feira, dia de futebol, reflexão e boas risadas.
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