Os últimos
dias foram pródigos em boas notícias envolvendo o futebol. Tanto foi assim, que
nem o marasmo que acometeu esta coluna por quatro meses resistiu e convidou-me
novamente a registrar algumas apreciações que, espero, permitam a mim e a ti
concordarmos ou não com isto e aquilo.
A cada nova
exibição de gala – e cada vez menos elas são novas e mais corriqueiras – há uma
tendência de equiparar o argentino Lionel Messi a alguém, como se a comparação
fosse fundamental para mensurar a monstruosidade desse jogador. E tem sido
muito comum inserir Pelé na outra ponta desse jogo de semelhanças, tido como o
maior jogador de futebol de todos os tempos. Vamos por parte.
Que Messi é,
hoje, o maioral dos gramados mundiais, parece não restar muita dúvida. Não
seria exagero colocá-lo em um nível à parte dos demais atletas. O argentino faz
aquilo que o futebol mais espera dos seus expoentes: encanta, surpreende,
decide. Messi tem o domínio quase que integral do repente, do inesperado, daquilo
que se torna óbvio.
A cada passo,
um toque. A cada toque, o gol mais próximo. A cada proximidade, o tento.
Mesclar objetividade e fantasia sempre foi a predileção dos amantes desse
esporte que diverte e arrebata corações no mundo todo, que é capaz de entreter
e despertar os maiores desatinos entre amor e ódio. Concordo, Messi é o que é
porque tem um time às suas costas extremamente organizado e seguro de si,
facilitando as suas peripécias em terrenos ofensivos. Mas o que ele faz
individualmente impressiona, porque assim é contra qualquer time do mundo.
Até por isso,
outra comparação é indevida. Tentou-se, há pouco mais de duas semanas, comparar
o feito de Messi ao de Neymar, algo imensamente propagado pela nossa mídia. O
santista é, sim, o principal nome do futebol brasileiro, também capaz de fazer
do lapso um desafio pequeno. Mas compará-lo a Messi é de uma injustiça e
inverdade grandiosas, como se a disputa entre ambos em dezembro ainda não
estivesse fresca na memória de quem assistiu à final do mundial de clubes.
Falta muito ao brasileiro, nada que o tempo não possa construir alguns
alinhamentos, embora este que vos escreve duvide que alguém desta geração
encante platéias como o argentino.
Falando de
Pelé, o brasileiro conquistou três mundiais pela seleção, dois pelo Santos,
duas libertadores e tantos outros títulos entre nacionais e estaduais, além de
ter somado mais de 1200 gols. Não que Messi necessite desses números para
atingir o nível de Pelé, mesmo porque trata-se de números coletivos, galgados e
conquistados em conjunto. O que conta é o que se faz de incrível, inacreditável,
improvável contra o oponente no mano a mano. A técnica e inteligência que o
atleta usa para inserir o coletivo numa situação favorável. Ou seja, aquele que
define jogos, decisivo para conquistar campeonatos, o que leva o seu torcedor a
enaltecê-lo e o público oponente a entregar-se à dura missão de reconhecer que
do lado de lá existe alguém brilhante.
Mas é
necessário fazer algumas ressalvas. As épocas são diferentes. Pelé jogou em um
futebol mais lento, possivelmente mais fácil de se sobressair. Messi tem a seu
favor a tecnologia de bolas, uniformes e chuteiras, o que deixa o nivelamento entre
períodos diferentes ainda mais prejudicado. Por isso, quando o conterrâneo de
Maradona encerrar a carreira daqui a mais ou menos 15 anos ficará mais fácil
comparar, analisando trajetórias, ao invés de se prender a um jogo aqui, outro
ali, mesmo porque ambos têm, de sobra, momentos sublimes aqui e ali. Na dúvida,
fiquemos com os dois, posto que desnecessário e dispendioso excluir este ou
aquele.
Quando a
imprensa não se conscientiza de que comparações diminuem o futebol, desperdiça
um bom momento para agregar, enaltecer a transcendência do esporte. O conflito
entre dois expoentes exclui o que o futebol tem de melhor: a diversidade, a
infindável renovação do espetáculo. Por julgar que instituir “o melhor é” –
porque muitas vezes é isso que o público quer –, o jornalismo regride e perde a
chance de celebrar.
Outra atuação
questionável da imprensa, mais precisamente dos canais e programas vinculados
às organizações Globo, durante as últimas semanas, foi com relação à renúncia
do agora ex-presidente da CBF e do Comitê Organizador Local da Copa, Ricardo
Teixeira. Após 23 anos de gestão, o cartola abriu mão do cargo, visto que no
momento havia mais ônus do que qualquer outra coisa por estar em evidência.
Teixeira se
apoiou na CBF para transformar a Seleção Brasileira em uma máquina de fazer
dinheiro, ao mesmo tempo em que esta perdeu qualquer relação afetiva com a sua
torcida e, consequentemente, os seus atletas passaram a ter menos noção do que
é atuar pela Seleção, mesmo em torneios importantes como a Copa do Mundo.
Amistosos suspeitos, adversários desconhecidos e uma gama de patrocinadores que
se revertidos em evolução ao futebol brasileiro como um todo seriam bem-vindos.
Mas isso só trouxe louros à Confederação e, adivinhe, a Ricardo Teixeira.
A Globo, por
sua vez, por possuir os direitos exclusivos de transmissão dos jogos do
Campeonato Brasileiro e da Seleção, recusa-se a mencionar o nome de Teixeira
atrelado a fatos negativos – e olha que não são poucos –, a emitir uma crítica
à forma como é organizado o nosso futebol, e, na semana retrasada, houve
repercussão mínima sobre a renúncia, como se existisse uma sociedade, um acordo
entre ambos, quando o que há é o pagamento da emissora para a concessão de um
produto por parte da entidade. Enfim, uma troca.
O jornalismo
da emissora se limitou a enaltecer as conquistas da Seleção na sua era, trechos
da carta escrita pelo cartola, além de mencionar que durante a sua gestão foi
organizado um campeonato de pontos corridos, mais organizado e com todas as datas
do torneio pré-estabelecidas, medidas inclusive indesejadas pela Globo e pelo
próprio Teixeira.
O sentido que
se tem hoje do futebol mudou. Se antes a diversão conduzia os torcedores a
lotarem estádios e os jogadores a serem mais irreverentes e menos máquinas,
hoje se transformou em um negócio extremamente lucrativo. A televisão encabeça
essa tendência, submetendo parte considerável do jornalismo a cumprir
protocolos pré-acordados. Mas se em meio a notícias tendenciosas e pouco
esclarecedoras você não souber o que fazer, revolte-se contra as corrupções de
todas as áreas e regozije-se a Messi.
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