terça-feira, 4 de setembro de 2012

A ESCOLHA DO MELHOR CANDIDATO (parte II)

[continuação do post anterior]

Todas essas percepções podem pesar a favor ou contra na hora da escolha. Mas nada como conhecer o passado do candidato. A história de alguém, seja da política ou de qualquer outra área, diz muito sobre as intenções e a capacidade técnica do postulante a cargo público. O histórico do candidato como político e como pessoa, enfim, a trajetória, suas realizações, seus posicionamentos enquanto munícipe dão os traços do que será como representante na esfera política. Outra análise importante a ser feita é sobre o partido e/ou coligação. Apesar dos partidos se assemelharem em várias prerrogativas, inclusive na corrupção e no vislumbre ao poder, cada um detém uma concepção diferente de gestão, o modo como conduzir a coisa pública.

Como já discutido aqui, na última publicação desta coluna, os planos de governo surgem como instrumentos que direcionam o eleitor, mas o trabalho do morador não deve se restringir a isso. É muito pouco pela importância de todo esse processo. Mesmo porque de muitas promessas mirabolantes vivem os projetos de não poucos candidatos. Fala-se o discurso grandioso, e não falta muito para o postulante tirar o terno, os óculos e voar, super-homem que é. Exemplo mentiroso do “eu vou fazer”: a função do vereador não é executar. Se ele te disser que irá fazer mundos e fundos, duvide. O trabalho dele é com as leis municipais e a fiscalização de como o prefeito gere a riqueza do município e o que é feito ou não de benfeitoria social com a verba pública.

Da parte do prefeito, qualquer promessa de construção disso e daquilo deve ser avaliada com prudência. Getulina é uma cidade pequena, de baixa atividade industrial, com comércio fraco e agropecuária menos pujante do que no passado. Com os três setores da economia esfacelados, fora a inadimplência, não precisa ser o melhor dos economistas para concluir que o montante financeiro com o qual Getulina vive é proveniente do Estado ou da Federação. Portanto, fazer qualquer coisa maior não depende só da boa vontade e do discurso dos candidatos ao Executivo.



Mais uma prática que destoa em período eleitoral é a leva de candidatos simpáticos, outrora fechados, desconhecedores do mundo e alheios ao que predomina à sua volta. Alguma coisa contra quem é assim? Não. O que não dá é alguém virar bom moço por uma condição circunstancial, sendo oportunista num momento em que ser “legal” pode lhe trazer votos. De um dia a outro, porque é candidato, cumprimenta todo mundo, dá e aceita o tapinha nas costas, o sorriso fica gratuitamente exposto, não há economia de palavras e passa a pisar em lugares à que nunca fora antes, com o qual jamais se preocupara. Mas o eleitor está atento às mudanças de comportamento repentinas.

O candidato ideal não existe. Se ele existisse, não seria ideal. Mas há critérios que o eleitor cria, podendo orientá-lo no sentido de definir o melhor para a cidade. É evidente que a tarefa do cidadão se complica, pois a política é o campo das máscaras, das “personas”. Aquele que você vê falando não é o candidato: é alguém que o próprio candidato queria ser. Perceba, caro leitor, que voltamos a falar de idealizações, fantasias. Até por isso a nossa tarefa também é dura no momento de diferenciar o super-herói do mero mortal como tu e eu. Além do blá-blá-blá sem propósito concreto, a história do candidato e a sensatez na hora de tornar-se público vão te auxiliar, se não a escolher, pelo menos a descartar uns e outros.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A ESCOLHA DO MELHOR CANDIDATO (parte I)

Antes, sempre é pertinente lembrar: o município pagará, a partir de 1º de janeiro de 2013, ao ocupante do cargo de prefeito a quantia de R$ 10 mil a cada mês; ao vice-prefeito e ao presidente da câmara, o valor será de R$ 4,5 mil mensais; e os vereadores irão ganhar, a cada 30 dias, o subsídio de R$ 3 mil. Sim, em meio a esses números todos está o seu dinheiro, financiando a política da cidade com cifras que, possivelmente, nem beiram as suas. E não surpreende mais o getulinense ver a política viver do cargo, ao invés de viver para ele. Mas não dá para afirmar que todos os ocupantes ou candidatos são assim.

Para as eleições de 7 de outubro,  há cinco candidatos a prefeito e 74 pleiteiam nove vagas na câmara de vereadores. Do quadro político atual, os nove legisladores são candidatos (dois deles anseiam a prefeitura – Jota e Toninho Maia –, enquanto os outros sete – Pina Auto Escola, Dinaldinho, Carlito, Mário Nohara, Maninho, Toninho Lima e BetoBica – tentam a vereança novamente), além do vice-prefeito Gutão que, desta vez, encabeça uma das chapas à prefeitura. Apenas Rogério, o prefeito em mandato até o fim deste ano, não é candidato a nada. Vamos, então, ao postulante dito ideal.

Retomando Aristóteles, muito do que se tem na política passa por ele. E não é descartável ao candidato e ao eleitor ler algumas de suas principais produções, como “Ética”, “Política” e “Ética a Nicômaco”. Embora o grego tenha escrito suas reflexões no século IV a.C., a genialidade do sujeito se comprova pela atemporalidade da sua obra. Aristóteles ainda é atual. Só que nem tudo o que o filósofo escreveu durante seu tempo de vida (384-322 a.C.) pode ser transposto, de forma automática, para a conjuntura atual. Àquela época, o cidadão mais velho, com maior experiência e, por isso, espírito nobre e preparado, era o indicado a assumir posto político.


Hoje em dia, o eleitor parece até evitar o candidato mais calejado, que, no inconsciente coletivo, salta como o mais corrupto, aquele que sabe enganar melhor. De acordo com o senso comum, a alternativa para isso é o jovem, inexperiente, mas com vontade de mudar, menos acomodado e, talvez, não enquadrado nas faces corrompidas do sistema político. Entretanto, lembremos: a culpa dos desvios não é da instituição. Quem escorrega nas suas próprias fragilidades é o homem. É necessário crer na política, porque impossível não haver gente capacitada e inalienável para isso.

Independente de idade, os que compõem a corrida eleitoral fazem, sem perceber, o anti-marketing. Já é tempo de botar o ouvido nas ruas para entender que a população despreza a propaganda exagerada. Falamos aqui da sujeira causada pelos papéis jogados – não por todos – que, vamos combinar, não parecem ser a melhor forma de se auto-promover, pois os “santinhos” vão ao chão e lá ficam. O outro ponto de discórdia é a propaganda sonora, os “jingles”, as paródias das músicas de maior sucesso no momento. Além de pouco criativas, são lançadas a um volume muito alto, em horários (cedo demais) e dias (sábados e domingos) impróprios e de forma insuportavelmente repetitiva. Só é preciso entender que quem faz isso dá voto a um concorrente mais contido, quieto.

[Continua no post de amanhã]

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

UM SONETO, NADA MAIS

Sem te olhar, sei quem és.
O incômodo de saber e não poder,
Esse não me tem.
Sou, sem hesitar, aos teus pés.

Se fazes, eu gosto.
Quando não, por quê?
Ao viver a te querer,
Meu amor, ao seu gosto.

Quando me perco, então venha.
E você comigo sempre é,
Por menos cuidado que eu tenha.

Por mais feliz que eu seja,
Pelo carinho que não só enseja,
Você, desejo, ao meu lado esteja.


terça-feira, 28 de agosto de 2012

EM CADA PONTA DO FONE DE OUVIDO, UMA MÚSICA

Assim como na política, tema de um texto meu publicado no 2P (www.doisparagrafos.com.br), a música sofre o mesmo processo de esquizofrenia. Os ritmos, além de mais definidos em si, dificilmente se misturavam numa seleção pré-determinada. Hoje, não. A mesma pessoa ou grupo é capaz de saltar de um estilo a outro nada similar, sem talvez notar que não existe uma lógica nessa alternância. Enfim, parece não haver mais critérios para definir a playlist.

Nada de complexos: este artigo não quer estipular o que se deve ou não curtir. Embora conceitualmente haja mais ritmos que fazem jus ao substantivo música, cada um ouve o que quer. Ainda assim, o clichê de que política, religião, esporte e música dependem do gosto, e por isso não se discutem, é dos papos mais furados, afinal, qual o problema em botar tudo isso na roda? Pode surgir um atrito aqui e ali, mas nada que fuja ao protocolo.


O mote deste texto foi uma situação do último sábado. Nas proximidades de onde moro, ouvia-se um pancadão. Ao mesmo tempo em que falava de gente, trazia animais à história, supostamente fazendo referência ao sexo. Apesar da aparente incongruência entre as figuras, tudo indicava que a mulher era tratada como cachorra por um homem bem do valentão. Surpreenda-se: ambos estavam numa cama, transando.

Como se não bastasse um momento íntimo ser berrado ao mundo, que por uma obrigatoriedade moral é executado em local específico, privado, a canção seguinte veio a romper com a expectativa. Um adendo, novamente: não se questiona aqui a forma como o homem se dirige à mulher na cama (tanto a recíproca como as outras combinações na parceria também valem). Há um contrato entre o casal, e o limite é o que ficar acordado entre ambos. Mas, com o perdão do termo, até num puteiro o ato sexual acontece de modo privativo, e aí, sim, grita-se de peito aberto.

A bem da verdade é que na sequencia veio Legião Urbana. É fato que a banda agrada este blogueiro, mas não se tem a presunção de estampar o grupo de Brasília como modelo de música. Só que você há de convir comigo que o hiato entre um ritmo e outro é grande e, pergunta-se, o que faz alguém apreciar quase que simultaneamente duas concepções tão distintas de música?

Por que motivo o rock sucede o funk; guitarra e bateria moldam a melodia sertaneja; ou Michael Jackson usava foguete e pirotecnia e, atrelado a isso, simulava uma dança indígena, mesclando do primitivo ao desenvolvido na passagem de um segundo a outro?


Uma motivação seria o fato de a massa estar vinculada a uma só égide, a uma proposta de cultura ampla que tem como combustível a padronização, porque se todos consomem o mesmo, mais lucro. Com exceção às resistências aqui e acolá, a cultura funciona aos moldes de uma indústria, e a linha de produção necessita expelir as obras e as obras precisam ser vendidas. A ideologia hegemônica pinça elementos de todos os cantos, até para que o japonês ouça uma música americana e não estranhe: “mas o que é isso?”. Ou seja, se na concepção cada ritmo tem a sua peculiaridade, na prática as diferenciações são mais sutis, já que tudo é parte de uma mesma oferta. É fundamental ao sistema que o chinês, o angolano ou o brasileiro se veja ali, ao menos um fragmento de si mesmo em meio à miscelânea de signos. A tendência produtiva aceita o diverso, não sem antes adaptar, reinventar e empobrecer seus componentes.

Da parte do indivíduo, pode simbolizar a diversidade e um cidadão menos intransigente perante as questões que o afligem. Ou pode ser também um indício de falta de um posicionamento definido: “gosto de tudo, tudo me agrada”. Certeza esta que deve também faltar no âmbito de outras decisões, mais imprescindíveis do que optar por esta ou aquela canção. Não seria exagerado situar aí a identidade em crise, porque poucos são identificados e se identificam com um traço definido. Todos valem. É o homem insaciável, que anseia sem limites, mas pressupõe-se inversamente um certo acomodamento, pois mais fácil ser ninguém do que alguém.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

“EU SOU ASSIM, É O MEU JEITO”

Talvez não exista afirmação mais representativa da preguiça do que essa. Improvável alguém que não tenha ouvido ou dito tal subterfúgio. A má vontade em mudar faz do ano a ano só uma alteração numérica, mas os aniversários meus e seus têm uma utilidade bem mais nobre. Se um ano a mais de vida não servir para amadurecer o espírito, para desfazer erros, mudar opiniões, para fazer-nos olhar ao passado e perguntar “esse era eu?”, há uma boa chance de tudo isso aqui não passar de alguns presentes, muito blá-blá-blá e tapinha nas costas. Basicamente, a velhice é isso: o agigantamento do homem frente ao mundo.

Sei lá, mas soa egoísmo centrar no “eu” algo que não diz respeito somente ao “eu”. A maturidade de que falávamos no primeiro parágrafo não atua sobre o que sempre olha pra si. Este se esquece de uma pressuposição fundamental: o indivíduo é social, e qualquer atitude mínima de sua parte, seja verbal ou física, irá afetar alguém às redondezas. A não ser que se trancafie em um quarto, que vá morar numa ilha, finque uma cabana no meio da Amazônia, decida viver no pico do Himalaia ou no centro do Atacama, é necessário mentalizar que o que faço não para em mim, estendendo-se aos que comigo compartilham o espaço.


Desde um território mínimo, como a casa, onde se pode viver a dois, passando pelo ambiente de trabalho, até as ruas, local em que se situa um sem número de individualidades, o convívio será à base de encontros, do contato entre histórias. E é injusto impor um modo de ser, da mesma forma que desagradável é suportar o outro com o jeito dele, porque quem pensa assim não se preocupa com o companheiro, e acaba por infringir um limite. O “eu sou assim” submete a coletividade e pulveriza a diversidade. Além do mais, aquele que olha ao próprio umbigo terá desconforto quando outrem desempenhar a prática que tanto lhe convém.

A comodidade em permanecer como está traz um ônus à sociedade, que se adéqua ao meio, mas não vê um ou outro fazer igual. Ao mesmo tempo, torna o narcisista (termo impróprio?) estático no tempo. Sem evoluir, ele continua a olhar o mundo de cima pra baixo só porque “ele é assim”, e que se dane você. Ele não muda – e nem pode – em virtude do compromisso que preserva consigo, atestando-se um completo incapaz. Viver assim é mais fácil, sem afrouxar a vaidade, a soberba, sem entender que, em grupo, a permeabilidade de valores e conhecimentos é recíproca. Ser mimado agora, fazer birra por estar contrariado e recusar um posicionamento mais brando – assim é com todo mundo – não resolve. 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

VOCÊ É MELHOR DO QUE UM ÁRBITRO DE FUTEBOL?

Eu ainda não vivi o bastante pra ver torcedor, jogador, técnico ou dirigente de um time qualquer se manifestar indignado quando o seu clube é ajudado pela arbitragem. São-paulino que sou, nunca esbravejei palavrões ao ver o juiz apitar um pênalti inexistente ou validar um gol irregular a meu favor. Quando tudo isso acontece nas cercanias de Rogério Ceni, dá-lhe nariz torcido, sobrancelha franzida e humor pra poucos.

A nossa arbitragem é péssima, e se ela acerta com o seu time hoje, crave: amanhã ela te deixará estarrecido. Embora a incapacidade (não má fé, na maioria dos casos) seja generalizada, na Europa os “roubos” são incomuns e há mais precisão em lances complicados. O problema não é moral, mas técnico, que se resolve com treinamento e dedicação exclusiva ao ofício.


Questionar o caráter do árbitro só quando ele nos é prejudicial não faz de nós oportunistas? Evidente que a falha de uma marcação enganosa não se justifica, mas como o futebol tem o indissociável talento de imitar a vida, natural que o dito cujo traga as glórias e os fracassos do que está do lado de fora dos estádios, e viva Nelson Rodrigues.

Eis aí mais um traço da nossa paixão desmesurada (ops, pleonasmo): acusar o desvio do árbitro apenas quando nos convém é errar cretinamente, mais até do que o vilão dos gramados, e convenhamos que, depois disso, a nossa autoridade pra protestar decai. Se o crime está configurado quando me é contra, se favorável tem o mesmo peso. Mas, confortemo-nos: os espertos do mundo do futebol estão na faculdade, no trabalho, em casa, na política, na vida.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

POSSO ESTAR FALANDO COM VOCÊ UM MINUTINHO?

Texto publicado no semanário getulinense em 6 de julho de 2008.

Bom dia. Eu estou falando do BANCO QUE QUER SEMPRE TE ENGANAR e nós estamos oferecendo um ótimo plano para você. É o plano “enrolando você cada vez mais”, onde nós gostaríamos de estar dando a você um de nossos melhores serviços. Funciona da seguinte forma: você aplica o seu pobre dinheirinho em um dos nossos fundos de investimentos, fica pensando que sua grana vai render muito, quando na verdade os seus juros não rendem praticamente nada e, de quebra, nós aumentamos ainda mais a nossa margem de lucros.

Se você não se interessar, nós podemos estar oferecendo um outro benefício, porque não sei se você sabe... mas no nosso banco quem sempre ganha é você. Ou melhor, você sempre acha que ganha, mas, no fim das contas, somos nós os únicos beneficiados. Então... este serviço alternativo que nós podemos estar lhe dando é gratuito. Basta que você nos forneça o número do RG e CPF e permita que seja feito um pequeno desconto da sua aposentadoria ou do seu salário. Como você recebe R$ 415,00, nós abateríamos apenas a metade dessa quantia para criar um plano de vida vitalício. Afinal, viver com R$ 207,50 é uma moleza.

Mas não é só isso. Entre milhões de clientes, você acabou de ser sorteado para ser contemplado com um bônus mensal de R$ 500,00 durante um ano. Para que esse benefício seja efetuado, basta que você invista em uma de nossas contas espalhadas pelo mundo – é que a nossa quantidade de dinheiro é muito grande e é difícil nós restringirmos as agências a um país apenas, sendo que, brevemente, estaremos abrindo agências em Marte, Saturno e Júpiter, tudo para melhor atendê-lo, já que este planetinha não nos presenteia com tantas possibilidades. Pois bem, como eu estava dizendo, basta que você faça uma aplicação de R$ 500,00 mensais durante um ano, resgatando, ao final de doze meses, o valor excepcional de 6 mil reais. Não é fantástico?!


E se você pensa que acabou, nada disso. De acordo com o nosso levantamento, dentre os nossos 3 milhões de clientes espalhados pelo planeta, notamos que você está entre os nossos 2 milhões e 999 mil melhores usuários. É sensacional, não? Isso lhe dá o direito de ganhar um dos nossos 100 melhores serviços. Sem qualquer tipo de parcela fixa sendo cobrada junto a você, é seu direito, a partir de agora, ter o nosso cartão universal de compras. Com ele, você pode comprar produtos em qualquer um dos planetas do sistema solar, com um ótimo poder de barganha para negociar com os alienígenas que se atreverem a dar uma de espertinho para cima de você. O seu cartão poderá estar sendo liberado depois que você doar todo o seu dinheiro, os seus bens e se comprometer a ficar vivo durante 150 anos. Procure entender, são as cláusulas do contrato.

E para você se certificar de que nós não estamos fazendo nenhuma piadinha de mau gosto com você, estamos lhe presenteando com um de nossos mais requisitados seguros de vida. Desde que você nos repasse até as suas cuecas rasgadas, nós temos a honra – e você mais ainda! – de concretizar a oferta de um seguro de vida que está pela hora da morte conseguir um assim. Respeitando o parágrafo único do vínculo contratual, que diz que você não pode ter filhos, que é terminantemente proibido possuir qualquer parente que se inclua em cinco gerações anteriores e posteriores à sua e que você precisa praticar uma boa-ação, entregando de mão beijada tudo para o banco que se predispôs a lhe oferecer – porém sem jamais ter dado, já que nós não somos nenhum palhaço seu –, você pode desfrutar dessa maravilha sem maiores problemas.


Eu sei, eu sei. Você não deve estar acreditando. Eu imagino a emoção que você está sentindo nesse momento, com tanta coisa boa que estamos colocando à sua disposição sem nenhum interesse, sem nada em troca. Mas o nosso grande serviço está por vir. Desde ontem, sem que você soubesse, nós confiscamos a sua casa própria, o seu carro, a sua poupança que há anos você juntou. Tudo para que você não tenha qualquer tipo de preocupação e possa viver com a sua bela e nobre família debaixo de um viaduto movimentado, sob a sombra de um prédio projetado pelo Niemayer ou em uma dessas calçadas esburacadas, com sarjetas imundas e pessoas quase pisando em você, mas não te vendo. Tudo isso, fizemos pensando exclusivamente no seu conforto e bem-estar.

Bom, como você deve estar positivamente chocado com os nossos benefícios, nós poupamos você de responder que aceita todos eles. Consta do nosso cadastro que você já é usuário de todos os serviços fornecidos. Para sua maior comodidade, pedimos que você disponibilize tudo o que foi solicitado – desde documentos até a sua residência – para que nós não precisemos chamar a polícia, colocá-lo na justiça ou levá-lo para um campo de concentração aos moldes nazistas. Visando à sua total tranqüilidade, nós desligaremos o telefone, sem que você se atreva a dizer uma só palavra, para não contrariar o que foi combinado legalmente neste diálogo proveitoso.

E fique atento: a qualquer momento você poderá estar sendo selecionado para estar recebendo mais novidades. Até logo! BANCO QUE QUER SEMPRE TE ENGANAR agradece! Tenha um bom dia.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

DUVIDE DA VERDADE

Texto publicado em 5 de dezembro de 2010 no semanário getulinense. Um dos meus avôs ainda era vivo.

Era quarta, em uma dessas nada ociosas salas de espera hospitalares. Às oito da manhã o dia já era longo, visto que a saúde pública é para os mais resistentes, seguindo a proposição darwiniana. Mesmo sonolento, era possível perceber que alguém me olhava a algumas cadeiras dali. Ao meu lado, o lugar vago se colocava como um convite àquele senhor, solitário, incomodado pelo marasmo dos minutos sem companhia. Exatamente. Ele veio até mim, sentou-se à minha vizinhança e logo ordenou-me que lhe contasse algo pitoresco sobre mim.

É óbvio. Assustou-me o fato de alguém, sem nada que o motivasse, nada que eu tenha dado como permissivo, chegar-me confortavelmente exigindo um fato fora da ordem, totalmente inédito, ainda mais sobre a minha vida. Quem supunha ser o velho para julgar que eu estaria a fim de descrever qualquer coisa irreverente ali, num hospital, numa sala de espera, depois de uma noite mal dormida? Sim, em pensamento, ofendi seus entes mais queridos, inclusive o netinho que dormia inocentemente no carro.

Mas decidi desaforar o idoso. Sabia que a carta que tinha na manga iria arrebatar da sua face toda aquela tranqüilidade que a sabedoria dos anos – aos capazes, é claro – propicia aos espíritos rijos. Selecionei uma parte promissora da minha história, que certamente iria fazê-lo perder as referências e acovardar suas certezas. A passagem dos meus dois avôs pela Terra não foi ingênua, pacífica, que desmerecesse apreciações apaixonadas e rebeladas.

E comecei. Pelo meu avô paterno, brasileiro, filho de casal italiano, bondade rara, palavra doce, olhar terno. Mas o seu passado não hesitaria em confundir as opiniões de quem o julgasse. Vovô era fascista, foi à Itália pela honra e teve no entreguerras e no auge do segundo grande conflito seu êxtase dentro do regime. Após comprovada sua fidelidade à ideologia, fora nomeado assistente de general. Ao planejar o assassinato do seu superior, ascendeu e virou íntimo de Vossa Excelência, Benito Mussolini.


O meu mais novo amigo ficara cabreiro. Por que eu não poderia ser um herdeiro obediente de meu avô? Isso criava-lhe desconforto e arrependimento. Empolgado que estava, a diversão dava as mãos à minha mente, e história que seguia. Mencionei ao velho as execuções em massa lideradas por vovô, os jantares com o Duce, banhados a vinho, massa e estratégias macabras. As reuniões secretas com Getúlio, no Brasil, serviram como amenização às exigências cardíacas já esparsas do meu ouvinte.

Meu avô era dono de pensamentos firmes, finalizados. E seria de muito egoísmo não dividir uma dessas proezas com meu ouvinte. E lá fui, empreitar-me na dura tarefa de reproduzir uma mentalidade conservadora. O brasiliano vira e mexe encostava-me, balbuciando que o que mais o irritava em um bêbado, nesses passeios diurnos aos domingos, não era nem o bafo do dito cujo. Era a mania que o alcoólatra tem de divagar filosofias antes de pedir R$ 0,50 para tomar uma dose.

Mas o momento era pródigo em viabilizar-me o deleite, e indubitavelmente eu não negligenciaria o meu outro avô, o materno. Nascido no Líbano, tinha sangue e raiz no Islamismo e era perseverante e rígido quanto aos costumes tradicionais. Era magro, alto, fala escassa, certeira a momentos oportunos. E, da mesma forma, a sua trajetória ludibriaria o curioso pouco atento. Era o destino daquela pobre alma que diante de mim prostrava-se, desenganada àquela altura, penitenciando-se pelo erro cometido.

Meu avô nascera no fim do século retrasado. Eu sei. Em sua cabeça agora passa a hipótese de que ele, meu vô, portou Osama Bin Laden no colo, assoviando canções de ninar ao pequeno. Foi exatamente a ilustração que tomou conta da imaginação do meu desafiante. Foi isso que aconteceu, de fato. O pai de minha mãe foi um dos fundadores da Al Qaeda, grupo terrorista que mais tarde viria a por abaixo as torres gêmeas do World Trade Center, em 2001. Após o término da primeira guerra mundial, vovô, ainda muito prematuro, herdou a responsabilidade de gerir uma das células do grupo, com sede em Beirute. A partir dali a organização ganhou contornos arrojados e audazes. Depois de alguns desentendimentos com o próprio Osama, vovô, já grisalho, desligou-se da rede, filiando-se ao Hezbollah, organização extremista libanesa. Eu me senti na obrigação de afagar as tensões daquela pobre criatura idosa. Nada melhor do que demonstrar-lhe o espírito patriota de meu avô.


Assim como o outro, meu antecedente árabe tinha das dele também. Ele indignava-se com Deus. Qualificava como inaceitável a bobeada da Criatura. Como poderia o ser supremo, sóbrio, racional e justo ter permitido enganar-se no Gênesis? Culpar a pobre serpente, pô-la a arrastar-se e praticamente absolver Eva depunha contra o seu legado. Em sua visão convergente, Adão e a cobra foram vítimas, e a maçã era o pretexto conveniente para disfarçar o ônus da culpa.

A essa altura o meu camarada nem me olhava. Inerte, seu olhar estático perdia-se no desengano. Por dentro, autoflagelava-se pela burrada cometida de encostar-se a um jovem desmedido. Mais ao fundo, duas filas de cadeiras atrás, uma senhora, distinta até, vestindo um conjunto de viscose, esbugalhava os olhos e perguntava-se por que não chamar a polícia. Um garotinho, que acordara no meio da conversa, chorava copiosamente, dizendo à mãe, apontando para mim, que aquele (eu) era o bicho papão ou o homem do saco de que tanto lhe falaram durante anos.

O homem finalmente olhou-me. Riu-me um riso opaco. Saiu, sem verbo, sem gesto, nada. Temeroso, vago de si, ainda ousou pensar em redimir a sua curiosidade mórbida em outra presença despretensiosa. Mas o impacto de mais uma aventura mal sucedida seria desbancar o seu norte. E preferiu o netinho a qualquer outra peripécia. Quanto a mim, retomei a leitura interrompida no dia anterior, mantendo as aparências, saltitante por dentro e pedindo perdão ao vovô daqui e do céu.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A BELEZA DE SER O QUE É

Talvez digam que é bobagem, mas quando alguém caga, parece ter se convertido em um criminoso. Pode apostar: se você ficar mais de dois minutos trancafiado num banheiro, as pessoas lhe apontarão o dedo, voltarão os olhos para ti e pensarão ou dirão: “foi você!”. Pronto, sua vida estará arruinada. As ações da bolsa caem, o dólar dispara, a mortalidade infantil aumenta, como se os hipócritas que o julgam nunca tivessem feito o mesmo. Mas, não. Eles te policiam, te censuram. Crave também: a merda deles fede mais que a sua. Mas, afinal, o que você tem contra?

Antes, lembremos de alguns elementos que depõem contra a “criatura”. Primeiro, cheira muito mal, embora em alguns casos seja possível a existência de uma cagada inodora, o que torna os moradores da mesma residência – e os convidados que nela estão – sempre muito gratos. Registra-se: é desagradável ter de suportar o cheiro produzido por outro, apesar de este não ter culpa, a não ser que tenha exagerado numa alimentação à base de ovos, repolho e batata. Pior ainda se o algoz for o cunhado, a sogra, o sobrinho insuportável. Aí, pode ter certeza: foi de propósito!

Outra coisa que serve de acusação é a aparência nem tão apreciável. Seja preto, marrom, verde ou amarelo, dependendo do que se ingeriu, nenhuma das cores e formatos – aguado, sólido ou enfeitado (com grãos de milho, por exemplo) – apetece a espécie humana. Nem mesmo é capaz de chamar a atenção do seu autor, exceto de uma criança, que vibra com a sua capacidade criadora, sem saber que o adulto para quem se gaba não dá a mínima para tudo aquilo.

Mas há mais motivos para abraçarmos as merdas que fazemos do que ignorá-las. Assumindo a filosofia de banheiro, a bosta é uma parte de nós. Quando excretamos a “obra” na privada ou numa moita, arremessamos ali um pedaço da gente. Quando cagamos, morremos um pouco mais, e uma fração da nossa existência sai da vida para entrar na história. Sim, aquela merda que agora você esnoba esteve contigo nos seus momentos mais difíceis.


Lembra daquele fora que levou? Daquele exame em que reprovou por meio ponto? Do momento em que atropelou um cachorro ao manobrar o carro no estacionamento do shopping? De deixar o palito de dente escorregar da sua boca e perfurar os pés do filho da sua esposa com outro cara? Então, nas situações de maior sofrimento e delicadeza, aquilo que agora você pôs para fora, e justamente por isso tu desdenhas, jamais o abandonou.

Quando um político diz uma bobagem ou um jogador executa um lance errado, é comum classificar o insucesso como “uma merda”, com todo respeito a ela, à bosta. Mania incurável esta de desmerecer quem mais tem afeto por nós. Até por isso não dá para entender a revolta de alguém que pisa no cocô, por exemplo. É como se naquele instante a ordem das coisas fosse restabelecida e a justiça se consumasse. O que de nós saiu, para nós retorna. Eis a metáfora do pó.

Sou a favor do movimento que anseia instituir o banheiro como um local sagrado, ritualístico, místico. É a hora da introspecção, do esquecimento, do empenho em aliviar-se do que incomoda e, ao mesmo tempo, de ficar órfão. O que é a merda, senão o alimento por nós tão valorizado e essencial à vida? O que é aquilo que cagamos, senão uma picanha bem macia, uma macarronada deliciosa ou um peixe saboroso? É o que desejamos, salivamos, só que com feições alteradas.


A nossa estada no vaso é qualquer coisa inalienável. Ali, estamos desnudos, desprovidos de qualquer proteção, resistência. No viés inverso, a nossa dedicação em defecar é capaz de sensibilizar o pior dos algozes. Pudera: se existem distinções entre as mais diversas pessoas, temos aí aquilo que nivela todo mundo. Não é o carnaval que coloca todos os brasileiros no mesmo patamar: é o momento de compor a merda. Pode mudar a pompa do banheiro, uns mais luxuosos do que outros, mas o que sai de dentro de todos nós é igual, independente de classe social, religião, etnia ou posições políticas.

Quando a vontade insuportável vier, aprecie e dê mais valor a quem te quer tão bem. Cultue, cultive esse vai-vem que embeleza a vida. Uma cagada não é qualquer coisa: é uma extensão sua que morre e, portanto, passível de condolências e reflexões. “O que fiz para honrar isso que se desvincula de mim e ganha os caminhos das redes de tratamento de esgoto?”.

Produzir fezes é a prova cabal de que vivemos, cumprimos objetivos e aguardamos outros tantos no porvir. Isso à parte, não há nada mais fabuloso do que a equiparação do homem com o bicho. Na verdade, o indício consumado de que somos um deles. Dentro da normalidade, expulsar o cocô da gente é tão óbvio quanto beber água, respirar, dormir, transar, viver, morrer. É parte indissociável da nossa trajetória. É condição precípua para que completemos o nosso papel aqui e entremos mais dignos no firmamento. Envergonhar-se é negar tudo isso, é correr o risco de ter o inferno como castigo.

Que os meros mortais dêem mais valor ao elo enfraquecido, banalizado, ridicularizado. Empreende-se aqui um manifesto em favor da bosta, aquela para quem todos apontam e é negada quando convém, esquecendo-se de que uma cagada gostosa é impagável. É evidente que o final é sempre o mesmo: o dever cumprido, o olhar vitorioso, o dedo na descarga e o discurso arrogante: “Que merda!”. Mas, afinal, o que você tem contra?

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A BRIGA DO GALVÃO E O CALCANHAR DE AQUILES DA TV

Em 1° de agosto, no programa Conexão Sportv, transmitido diariamente após o término diário de competições nas Olimpíadas de Londres, o apresentador e narrador Galvão Bueno discutiu com um dos comentaristas da emissora, Renato Maurício Prado, que participava também de outros programas do canal, como Redação Sportv, Troca de Passes e Bem, amigos.

O motivo do embate: em conversas de bastidores, Galvão cravou que a seleção brasileira de vôlei masculino teve caminho mais fácil à medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984) porque alguns países que compunham a União Soviética boicotaram o evento americano, em represália à recusa de muitos atletas dos Estados Unidos de participarem, quatro anos antes, dos Jogos de Moscou (1980).


Como principal força que fazia frente à delegação estadunidense no quadro geral de medalhas, ao perder atletas pela recusa de participar do evento, óbvio que o Brasil teria um adversário mais enfraquecido pela frente em todas as modalidades, assim como no vôlei que, diga-se, teve no belo time de 84 um divisor de águas na sua história, inaugurando uma fase vitoriosa a partir da década de 90.

O problema nisso tudo? No ar, enquanto Galvão comentava o feito da “Geração de Prata” com Marcus Vinícius, um dos jogadores da época, Renato interveio, e, em tom de brincadeira, pediu a Galvão que dissesse na frente do ex-atleta o que havia afirmado sobre o Brasil ter conquistado o segundo lugar muito por causa da ida de um time soviético mais frágil a Los Angeles. O narrador ficou em situação desconfortável e exigiu, já impaciente, que o colega retirasse o que havia dito. Renato também se exaltou. Depois, desculparam-se, mas as gentilezas parecem ter ficado só ali.


O que de tão absurdo Galvão disse? Rigorosamente, nada. A URSS estava desfalcada, o que facilitou o caminho do Brasil até a final. Se a Espanha chegasse à próxima Copa sem Xavi e Iniesta, fatalmente daria uma chance maior a um ou outro rival de avançar mais, sendo menos competitiva do que seria se tivesse os dois atletas.

O que faltou a Galvão foi sustentar a opinião sem dar chilique. Com receio da situação indelicada, preferiu contornar, ao dizer que o país poderia ter tido trajetória mais complicada, mas negando que o Brasil não conseguiria o vice-campeonato. Ficou mais feio, pois o óbvio é que a seleção brasileira, assim como as demais adversárias, saíram favorecidas do boicote soviético, e a prata veio em função disso. Em outras palavras, foi o que Galvão sustentou em off. Simples assim.

Como normalmente acontece em qualquer área de atuação, a corda rompeu do lado mais fraco. Ao menos por agora, Renato Maurício Prado não terá seu contrato renovado. É que a imagem e seus deslizes permanecem um tempo maior em voga. E se, com isso, a TV teme prejuízos, que se puna a imperfeição, eis seu lema. Mas, será pra tanto?

Impressionante a dificuldade que esse veículo tem de lidar com as falhas, com a sua atuação inexoravelmente permeada por defeitos. Cobra-se o intocável da TV, uma máquina que, assim com as outras, falha, controlada por homens que, assim como todos, falham. Só Galvão foi posto na redoma. Simples de novo.