Sou favorável. E
por um motivo muito simples: alguns grupos segregados historicamente, hoje
beneficiados pelas ações afirmativas na educação, sempre foram alijados dos
processos educacional, cultural e intelectual, sendo estes reservados a uma
pequena parcela abastada da sociedade brasileira: a nossa elite branca, descendente
da nobreza portuguesa, e que sempre agiu como tal, despreocupada com o todo.
Usa-se o exemplo
de Joaquim Barbosa, um negro que conseguiu vencer sem o benefício das cotas
universitárias, para depreciá-las. Os contrários, manifestem-se: Além do
ministro Joca, quantos outros pretos há no STF? Quantos houve até 2003? Quantos
são patrões, professores, presidentes? Enfim, quantos negros, comparando-se ao
contingente branco, têm posição de destaque, ganham altos salários? Em uma platéia
de cinema, teatro, museu, no corpo discente de uma universidade, ainda que pública,
a desproporção é enorme. Agora, o inverso: numa comunidade carente, por
exemplo, por que você acha que vivem mais negros? Por que gostam?
De modo geral,
dados do Censo 2010 externam um problema de ordem social, econômica e cultural:
do contingente universitário, 31,1 % são brancos, enquanto que 13,4% são pardos
e 12,8% são negros. Essa disparidade não denuncia um problema? Quando o assunto
é o analfabetismo, a mesma coisa: a porcentagem brasileira é de 9,6% da
população total. Entre os brancos, o índice é de 5,9%. Do total de pardos, 13%
não sabem ler e escrever. E 14% dos pretos são analfabetos. É uma desigualdade
que não é sanada com as cotas, que provém de questões mais profundas,
históricas, mas que também não encontrará conforto na justificativa de que as
cotas colocam estudantes menos capacitados nos bancos da universidade. Quer dizer:
quem é contra a inserção de grupos marginalizados acha injusto alguém ser
selecionado pela etnia, mas não se comove tanto com as diferenças gritantes que
permeiam esses mesmos grupos.
Joaquim Barbosa é
um entre dez. A proporção da sociedade brasileira não é de um negro para dez
brancos. Essa equação é mais equilibrada. (Segundo dados do Ipea-2011, 97
milhões de brasileiros se declararam negros, enquanto 91 milhões se disseram
brancos, isto é, uma proporção de, praticamente, 1 para 1). E ela não se
reflete em todos os setores da sociedade porque as desigualdades sempre
estiveram expostas. A escravidão forçou ao trabalho o índio e o preto, não o
branco, e os estigmas desse tempo acompanharam os grupos, mesmo após o fim
tardio do trabalho escravo. O branco continuou a mandar. Os demais, a obedecer.
O tempo avançou, regimes mudaram de nome, leis foram instituídas, mas a
estrutura excludente permaneceu. Especialmente para as gerações mais antigas, o
preto carrega o ranço de ter sido escravo, sinônimo de pobreza, isso quando
ainda não o é de fato aos olhos dos velhos.
Para as cotas nas
universidades, a conta que se faz é que pretos e índios compõem a maior porção
dos pobres, que, para inverterem o cenário de poucas chances de prosperidade,
ganham um espaço maior nas universidades, ou seja, uma oportunidade mais ampla
de ocupar posição no mercado de trabalho, e crescer. Esse tipo de ação afirmativa
é uma forma de amenizar o equívoco que o próprio Estado brasileiro, calcado na
elite branca, cometeu durante muito tempo, de marginalizar a maioria do povo,
em benefício de si própria, típico egoísmo de quem tem o umbigo como centro das
atenções.
Para se aprimorar
ainda mais o intuito de ressarcir uma parcela considerável da nossa população,
um número de vagas destinado ao pobre – seja preto, índio, amarelo, pardo ou
branco – contemplaria, de forma completa, o esforço de tornar as classes menos
desiguais, não só financeiramente, mas do ponto de vista dos direitos,
prerrogativa elementar de todas as declarações democráticas desde a
independência dos EUA, em 1776.
Mas se o Brasil
estivesse preocupado com a educação, manteria a vigência desta política durante
30 anos, no máximo, tempo suficiente para reestruturar os ensinos fundamental e
médio, e botar todo mundo em pé de igualdade. Se quisesse uma escola forte, nem
discutiria investimentos: haveria de fazê-los massiçamente, sem ressalvas. Mas a
educação é “perigosa”, e justamente por isso continuará como está: sucateada,
desvalorizada, tratada com o descaso típico da política brasileira. As cotas, apesar
de maquiarem esse quadro e distorcê-lo diante das carências mais prementes, são
uma alternativa a curto prazo.