“O ônus da prova
cabe a quem acusa”. Eis aí um dos jargões jurídicos mais propagados. Pela nossa
descendência antropológico-iluminista, o “ver pra crer” dita a opinião,
concordante ou não. Mesmo que o inexplicável permeie a vida humana, esse bicho
insatisfeito e incontido não se conforma com o acaso, e quer a comprovação do
que afirmam. Mas só quando convém.
O problema é que
nem sempre alguém filmará um assassinato, a conversa suspeita, a corrupção que
tira dinheiro da educação, da merenda do menino pobre da escola pública, para
financiar esquemas. A conveniência do acusado logo brada: “não há provas contra
mim”. Na ausência das mesmas, trabalha-se com os indícios. Eles traçam o
caminho para reconstruir o ato ilícito, apesar de o percurso poder denunciar
falibilidade.
A ciência busca a
verdade definitiva. A justiça, o jornalismo e a religião, também. Porém,
reconheçamos: essas três últimas instâncias penam mais e tocam menos o fato
consumado porque as ciladas e os desvios de conduta são enormes. O ponto
pacífico é que a verdade derradeira finaliza qualquer discussão, mas sempre com
o intuito de permitir à sociedade a evolução e o esclarecimento.
O suspeito de ato
duvidoso também lança mão dessa prerrogativa, mas para se beneficiar. Na visão
dele, o assunto igualmente se dará por encerrado quando surgir uma prova, algo
que o apresente com a “mão na cumbuca”, com a “boca na botija”. É o “batom na
cueca” exposto, de modo a arrematar qualquer discussão, mas, do mesmo modo,
muitas vezes inatingível, posto que dificultoso ou inexistente.
E não é incomum o
fazer-se de vítima diante da falta de comprovações, mesmo que ante indicações
contundentes: depoimentos que se cruzam, saques e depósitos que coincidem com
alguma ocorrência, a fala contraditória que desmente o que acabara de afirmar,
a negação do evidente, do que todos sabem. Enfim, a desfaçatez que subverte a
lógica e nos credencia ao posto de idiotas.
Se tomarmos como
exemplo uma faculdade de Jornalismo, é simples saber se há má fé ou não. Se a
estrutura do curso não contiver o mínimo de aparelhagem suficiente, de locais
aptos a fazer daquele estudante um profissional minimamente competente, duvide
das intenções de quem gere a instituição em seus mais altos escalões. Se a
cidade não comporta um curso de ensino superior, sem sustentá-lo com demanda
mínima, arregale os olhos e entorte o nariz: há algo de podre naquele reino.
Num caso como
este, não é necessário ter uma foto, um vídeo, que escancare a negociata, o
acordo às escondidas que fere a sensatez. Se a normalidade e o óbvio o conduzem
a um posicionamento, o inverso disso é um total descabido. No caso desse curso
superior, não carece de provas. A falta de material técnico e as condições
físicas precárias são as provas de que tal realidade não poderia vigorar
naqueles moldes. Se ali está é porque outros intuitos são cultivados, que não
os da educação.
O fato da faculdade
ser aberta em um local impróprio e a vocação de iniciar um procedimento sem
finalizar o anterior dão à instituição – e a seus administradores, lógico – a condição
de ré. Ela é culpada por pleitear uma função, e não exercê-la. Ao instituir um
curso e abandoná-lo, ou seja, ao conceber um projeto prevendo todas as
prerrogativas e não cumpri-las, há um impedimento, inclusive moral, de se
iniciar outra atividade, sem que antes a primeira esteja totalmente finalizada.
Mas, não. “Comecemos alguma coisinha aqui e, antes de contemplá-la com as
condições básicas, iniciemos outra”. E a rede de interesses políticos e
financeiros vai se expandindo, arremessando seus tentáculos a distâncias maiores,
alocando-se em pontos estratégicos e diversos.
O exemplo
hipotético, mas não irreal, demonstra que um crime pode ser apontado sem o
flagrante de uma conversa direta entre interessados. Se a prova consuma a
dúvida, o indício pode suprimi-la também, além de revelar as entranhas dos
procedimentos irregulares que são muito bem feitos, a ponto dos maiores
descabidos caminharem pela legitimidade, seja em vias subterrâneas ou na cara
de quem quiser enxergar e entender.
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