sábado, 6 de abril de 2013

É PRUDENTE NÃO PERDER O FOCO

Me preocupa quando as discussões perdem o foco. Joga-se fora uma boa chance de se discutir, verdadeiramente, um problema, e as soluções e o entendimento de tudo ficam mais distantes. É aí que o senso comum parece dominar as ações, e o discurso igual vira uma peça de dominó caindo sobre outra, sem parar. O mesmo é dito, repetido, e a nossa acomodação tem o hábito de aceitar o que já está posto por um grande número de pessoas.

Quando se fala em estupro, é o que acontece. A conversa sobre o assunto sempre descamba para o aborto, ao invés de se voltar ao estuprador. A atuação é em cima do efeito, quando deveria ser, primeiro, sobre a causa. O problema do estupro não é se a vítima deve ter ou não o direito a retirar o feto, indesejado e concebido da forma violenta que foi. A preocupação capital nessa questão é criar mecanismos para que uma outra mulher não venha a sofrer isso e o culpado de ação tão desprezível seja punido.

Cena do ótimo Irreversível, filme de Gaspar Noé

Não tenho uma opinião definitiva sobre em que situação o aborto deva ou não ser legalizado, mas o fato é que, perante um caso de estupro, interromper a gestação não resolve nem metade dos problemas da mulher atacada. Em grande parte, os transtornos são de ordem psicológica. Hoje, eu cravo que se deve lançar mão de sacrificar a vida em gestação apenas em casos de riscos à mãe. Anencefalia, talvez.

Pela lógica, voltando ao estupro, já que aquele descendente surgiu de forma tão abominável – por intermédio de ato sexual não consentido –, que se providencie uma pílula do dia seguinte à vítima, em até três dias posteriores ao ato. Não deixa de ser um aborto, mas uma medida bem menos agressiva ao feto e, principalmente, à mulher.

No caso da última semana, ocorrido no Rio, o problema da gravidez, secundário nessa questão, se resolve rápido, evitando a hipótese do aborto. Essa deve ser a última medida, ao invés da primeira. Isso tudo sem pensar no viés religioso, mas sim no humano, no que concebemos como menos acintoso. Preocupar-se mais com a interrupção da gravidez do que com o estupro em si é, mesmo que indiretamente, ser conivente com o ato. O aborto não exclui o que a mulher sofreu.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

ARQUIBANCADAS VAZIAS: eu temo pelo futebol brasileiro

Sobre o clássico paulista de domingo, o que mais chamou a atenção não foi a vitória corintiana, de virada, em cima do São Paulo, pela 16ª rodada do Campeonato Paulista. Em um torneio insosso, qualquer resultado não mudaria – como não mudou – em nada a ordem das coisas, a não ser o fato de, finalmente, termos presenciado um clássico interessante. E não falemos de arbitragem, pois os três gols foram legítimos.

Fora isso, o jogo mostrou o que são os dois times: o São Paulo, além de possuir um bom elenco, busca ainda a melhor forma de jogar sem Lucas, e é um problema e tanto ainda não ter encontrado ou encaixado o novo jeito de atuar. Ney Franco demorou a perceber que o 4-2-3-1 só era forte com o agora jogador do PSG. Custou a ver que Aloísio não tinha a habilidade e a técnica de Lucas, e a saída não parece ser outra, senão jogar com Ganso ao lado do eficiente Jadson.

O Corinthians é incrivelmente sólido: não pôs a marcação ‘lá em cima’, mas quando era atacado em seu campo, marcava intensamente e com cobertura. É um time sincronizado, tanto para impor seu jogo, assim como quando é agredido. As linhas são aproximadas e a bola não se desloca uma enormidade de um pé a outro, prova de que cada jogador se auxilia em campo. Não é à toa que venceu o que venceu em 2012 e pode – por que não? – repetir a dose este ano.

O que mais despertou curiosidade – e pessimismo – foi o público de pouco mais de 20 mil pessoas no Morumbi, mesmo o torcedor já tendo ideia de que os dois clubes entrariam em campo com o que tinham de melhor. Era jogo para, no mínino 40 mil pessoas. Não deu isso, muito em função da torcida são-paulina. Vamos a alguns fatores que podem ser a causa do esvaziamento dos nossos estádios, não só no último domingo, não só em São Paulo.


Os ingressos estão absurdamente caros para a qualidade de jogadores e jogos que temos. Em suma, é muito caro para pouca coisa. Por exemplo, no jogo entre Remo e Flamengo, pela Copa do Brasil, o ingresso mais barato para o confronto no Estádio Mangueirão, em Belém, vale R$ 50. Nem Flamengo e muito menos Remo valem tanto. Há um descompasso entre o produto que temos e o produto que os dirigentes acham que temos. É preocupante.

Disso, podemos tirar duas conclusões: ou nossos cartolas são incompetentes, ou eles não dão a mínima para a receita que podem obter com estádios mais cheios, considerando como fontes válidas somente o patrocínio máster e, especialmente, a verba da TV, que paga – e muito! – para transmitir os jogos com exclusividade (a Globo paga, desde 2012, por ano, mais de 75 milhões de reais ao Flamengo; quase 73 mi ao Corinthians; pouco mais de 56 milhões ao São Paulo, só para se ter uma base – FONTE: http://f5.folha.uol.com.br/televisao/1047975-globo-paga-r-500-mi-a-times-e-flamengo-ganha-mais-veja-lista.shtml).

Além de jogos fracos e, com isso, chatos, os clubes parecem querer que nós também nos comportemos de acordo com o jogo. Pois no dia 28 de fevereiro, tive a prova cabal disso. Eu estava no Morumbi naquele dia, no setor térreo, e fui obrigado a presenciar uma cena lamentável: ao nos levantarmos, atentamente, para acompanhar, com a emoção devida, uma cobrança de falta de Rogério Ceni, eu e mais alguns dali fomos surpreendidos por alguns caras que, vestidos com coletes que os identificavam como orientadores, pediam para que a gente não ficasse em pé: “Vamos sentar, pessoal!”.

Há algum tempo, era inacreditável imaginar que alguém diria uma frase dessas num estádio de futebol. Hoje, nem tanto. Parece haver pouca diferença entre estádios – o correto agora é arena, sim? – e óperas, teatros ou salas de cinema. As manifestações de todos os tipos, que dão mais sentido ao jogo de bola, estão em extinção. Torçamos – será que vão nos deixar? – pelas resistências Brasil afora.


O outro fator, eu presenciei no mesmo jogo, mas não é uma máxima. Da Avenida Paulista até o Morumbi foram, de carro, mais de duas horas. Pelo valor que paguei (R$ 88) e pelo jogo que vi (abaixo da média), pegar um trânsito moroso no caminho ao estádio não é lá das coisas mais estimulantes. O cara pensa muito para ir a um jogo depois disso.

Mas, mais do que a demora para se chegar ao local do jogo e tudo o que envolve a peregrinação do torcedor ao estádio, o que mais conta nessa história toda é o comodismo que impregna o fã de futebol. É mais fácil ver o jogo da TV, do sofá, numa mesa de bar, embora à emoção do gol in loco poucas experiências na vida se comparam. O torcedor não vê atrativos para ver o time de perto, a não ser em decisões (a única exceção à regra talvez seja o corintiano), e, ao mesmo tempo, gostou da ideia de assistir às partidas em casa, com segurança, sem transtornos, quase sem gastos.

Uma forma de motivar o cidadão a ir ao jogo é mexendo no trânsito em dias de jogos, escoando melhor o público num determinado horário, além de transporte coletivo decente, não só em dia de evento esportivo. Outra maneira é destinar setores com ingressos mais baixos, para que não se intensifique o processo de elitização por que passa o nosso futebol. Para as classes mais carentes, o futebol é o único entretenimento de que dispõem. Mais policiamento na rua - e não dentro do estádio - para dar ao público a sensação de que não sofrerá com a violência. E temos, ainda, o projeto do sócio-torcedor, posto na ordem do dia pelo São Paulo, lá na década de 90, mas que, hoje, só o rival de Itaquera sabe explorar: preferência e descontos na compra de ingressos para associados e zero transtorno para adquirir o bilhete, tudo via internet.

As imagens panorâmicas dos estádios são feias e os gritos não têm a força de antes. O velho futebol parece sucumbir ao desejo de alguns poucos que querem ganhar dinheiro às custas da bola, mas não conseguem notar que é muito melhor fazer tudo o que desejam, empenhando-se em propiciar arquibancadas cheias. O torcedor, ao invés de reivindicar isso, não percebe que mesmo um jogo interessante perde o charme sem ele lá, a empurrar, chorar ou vibrar com o time à beira da derrota ou prestes a vencer.

sábado, 30 de março de 2013

OS FELICIANOS E AS JOELMAS NÃO SÃO AS ÚNICAS CAUSAS DA NOSSA DESGRAÇA

O post mais curto do sem_censor é sobre o pastor (pastor?) Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, um sujeito que já demonstrou não ter a menor ciência do que são os direitos humanos e, muito menos, do que significa o termo minorias. É também sobre o depoimento da cantora (cantora?) Joelma, da Banda Calypso, que hoje comparou o homossexual a um drogado. Enfim, o breve texto de hoje é sobre essas e outras coisas que, no fundo, se convergem.

Eu sou favorável ao amor e à felicidade, seja à base de uma união homo ou hetero, e que se danem as interpretações levianas que os religiosos extraem da Bíblia. Mas não há cláusula em lei ou regimento algum (ainda bem!) que proíba um ou outro de não ser contrário à homossexualidade e ao relacionamento gay. E exigir que todos aceitem tais condições seria demasiado conservadorismo, o que contraporia a nossa tendência libertária, especialmente dos mais jovens, de aceitar as diferenças.


Em suma, o problema não é um cara aqui, uma mulher ali serem contrários à relação homoafetiva. O problema é tratar o indivíduo ou o casal gay com intolerância, agressão, desconhecimento e, por consequência, com preconceito, julgando o outro como um imoral, um doente, mas sem olhar para as próprias cretinices que comete em casa, nas ruas ou no trabalho. Ou seja, é um hipócrita.

As Joelmas – da música e da vida – só existem por intermédio de nós, assim como os Felicianos – da política e da vida. Embora favorável aos gays e às demais minorias, você é culpado pelas opiniões lamentáveis dos dois. E eu também.

sexta-feira, 29 de março de 2013

ERA A PROFECIA. ERA ROMA, O IMPERIO QUE PUNIA OS TRANSGRESSORES NA CRUZ

Pelo pouco que sei, a crucificação não foi um “luxo” só de Jesus. Roma punia os criminosos que mais a afrontavam dessa forma, expondo o culpado com tamanha brutalidade. E, acredite: o nazareno representava um perigo e tanto para o poder constituído, seja na Galileia, onde viveu seus primeiros 30 anos, seja na Judeia, a entrada cultuada em Jerusalém, ambos territórios subordinados à lei romana.

A via crúcis era o modelo de punição usado pelo Império para implementar nos cidadãos comuns o medo de cometer erros. Do contrário, o destino do infrator seria o mesmo: a morte na cruz, não sem antes ser açoitado e forçado a carregar, ao longo de um percurso longo e montanhoso, o objeto no qual seria cravejado.

Apesar de ser uma história diversas vezes contada e, na cabeça de muitos, totalmente consumada, eu não vejo Pilatos como o pior dos vilões. A responsabilidade do governante romano não chega nem perto da participação de Judas, Herodes e, especialmente, dos Fariseus, que não em poucas vezes foram contrariados, questionados e postos em xeque pelo Messias. Mas, como se diz, “estava escrito”. E parece que o entendimento humano só funciona quando a coisa tem requintes de crueldade.


Essa é a diferença de Jesus para os criminosos que, assim como ele, foram mortos crucificados: além de não ter cometido, de fato, delito algum, aquele a quem os cristãos têm como o Salvador quis o próprio sacrifício, para que o pecado do mundo fosse redimido, ao passo que poderia recusar o fardo. Há indícios muito fortes de que tudo isso proceda: além do corpo nunca ter sido encontrado, muitos que seguiram Jesus não negaram as proezas do nazareno, mesmo após a sua morte, e por isso foram igualmente assassinados.

A partir daí, o problema passava a ser de Roma também. Os adeptos do Cristianismo eram cada vez maiores, e o Império, no fim das contas, aos olhos de muitos, havia protagonizado o sangramento do Cordeiro. Como inimigos, os seguidores da ideologia cristã eram sumariamente perseguidos pelos romanos, que precisavam manter uma certa coerência: se Cristo foi um criminoso, os cristãos também o são. Quando, em 380 d.C., Roma percebe que o legado de Jesus é inalienável, o Cristianismo se torna a religião oficial do Império, relação esta muito próspera para os dois lados. Agora, que se persigam e punam os pagãos.

Aparentemente, Pôncio Pilatos imputou a punição ao Rei dos Judeus a contragosto. Viu-se obrigado a fazê-lo por questões de ordem, pois, por incrível que pareça, haveria menos confusão crucificando o Filho do Homem do que mantê-lo vivo. O sangue de Jesus recaiu em maior escala sobre as mãos dos sacerdotes, aqueles velhinhos que viram seu poder – religioso e financeiro – ser ameaçado pelas boas novas.

quinta-feira, 28 de março de 2013

“SEM SABER QUE ERA SUBTRAÍDA EM TENEBROSAS TRANSAÇÕES”

Não se engane com o fato do Brasil ter feito parte, até bem pouco tempo – com justiça –, do grupo das nações subdesenvolvidas. Talvez ainda seja, mas agora sob a alcunha de emergente. Mas esse país que você e eu tanto amamos é rico, e sempre foi. E, justamente por isso, ficara marcado, desde Cabral e Caminha, por um contra-senso: apesar de pródiga em riquezas de todos os tipos, acabou por ser uma terra boa só para poucos.

É a desigualdade social, a má distribuição de renda, que a gente ouve desde que nasce. Ouve e vê, sem precisar de muito esforço. É bem verdade que o controverso governo petista, no Planalto desde 2003, foi responsável direto por amenizar tais diferenças que sempre foram abismais. Hoje, o pobre tem carro, faz compras em shoppings, viaja de avião, tem casa própria. Enfim, tem direitos que, antes, só se reservavam a uma elite composta por bem poucos. Mas a miséria ainda está aí, porque é como uma entranha que não se desprende.

O Brasil foi constantemente vítima dos homens que o apoderaram, no sentido daqueles que ocuparam os cargos políticos, com soberania para definir os rumos que esse país tomaria. E eles preferiram a conduta de fazer com que esta terra trabalhasse pra poucos, ao invés de todos trabalharem em função do país e, com isso, permitir a prosperidade a muitos.

Só que não dá para incumbir os portugueses de toda a culpa. Porque desde que o meio brasileiro, meio lusitano Dom Pedro I assumiu a frente, procedeu-se de igual modo. E os brasileirinhos a seguir deram andamento à mesma política implementada aqui em 1500: continuaram a subtrair a pátria, sob a tutela de uma população pouco atuante e muito condescendente com as corrupções e desmandos.


O que acontece em tempos de Copa e Olimpíadas a ocorrer no Brasil é exatamente isso, muito bem simbolizado pelo Estádio Engenhão, interditado por falta de segurança, após seis anos de sua inauguração. As ferrugens da estrutura que comporta a cobertura do Estádio Olímpico do Rio não é apenas o ensejo de uma obra mal acabada. É, mais ainda, uma denúncia acachapante de como quadrilhas, cada uma a seu tempo, tomam o Brasil de assalto.

O legado, de que tanto falam os ‘organizadores’ dos eventos, é posto de maneira leviana. Ao povo ficará pouca coisa. A alguns empresários e políticos ficarão os superfaturamentos, as obras mal feitas com dinheiro público, que se tornam obsoletas brevemente. Fora o que não descobrimos, uma vez que tudo é feito sorrateiramente e, lá na frente, prescreve. O que pode caracterizar esse momento – e o que depois vier – é o nosso comportamento diante de tudo: nós podemos olhar a tudo, passivos, como é de hábito, ou a gente pode berrar e dizer “não”.  

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

DA LIBERDADE

Os meandros do poder são estratificados, razão pela qual a dinâmica é complexa, mas não impossível de se entender. Uma velha conhecida nossa, a burocracia, torna o processo político uma rotina cansativa, aproximando-nos do que se sucede aqui e ali. O caminho com níveis intermináveis faz as decisões serem mais morosas, e na maior parte das vezes é o povo, em sua porção mais pobre, que arca com os atrasos dos resultados que deveriam ser mais prementes.

E é essa burocracia que dá viabilidade à corrupção, porque demorado é chegar ao centro do ato, ao mandante, ao maior dos contraventores. As paredes são tantas, que a justiça alcança até certo ponto, e o ator principal da infração, a peça central do jogo político, sai imune quase sempre. A própria formatação do sistema molda uma redoma no alto escalão, e os mistérios só são desvendados na sua totalidade se o procedimento vier de cima para baixo.

O caso do ex-presidente Lula é o exemplo mais claro disso. Luiz Inácio desempenhou gestão produtiva, a mais bem sucedida da era pós-ditadura: embora não tenha melhorado a qualidade sensivelmente, expandiu o ensino superior, abrindo possibilidades para mais pessoas cursarem a faculdade e se estabelecerem no mercado de trabalho. Enfim, de modo geral, o petista elevou o nível sócio-econômico do brasileiro, botou mais gente com condições dignas de vida. Quando eu tinha 9 ou 10 anos e participava das excursões da escola para São Paulo, um local sempre visitado era o aeroporto, tamanho o ineditismo daquele lugar para a maioria de nós, não só pela baixa idade, mas porque simbolizava um luxo para pouquíssimos. Lula democratizou o que só uma restrita elite consumia.


Mas o dito cujo, muito provavelmente, não só sabia do mensalão, como foi articulador central. Por um único motivo: nada acontece no PT sem passar por Lula. O ex-estadista é quase um partido à parte, com força superior à sigla que ajudou a criar. Mas a denúncia proposta pelo Procurador Geral da República só conseguiu chegar a José Dirceu, então principal ministro do primeiro governo de Lula, ainda assim sem provas concretas da participação do companheiro no crime. O antigo governante é fruto e elemento da burocracia, aquela que impossibilita ou tarda o contato com o mundo real, fazendo das peças humanas quase que objetos virtuais.

E é justamente por isso que o governante precisa estar atento. A política é composta por níveis, que distanciam muitas vezes o representante de tudo, seja da corrupção, em que só os testas de ferro são pegos, seja das realidades que deve cumprir no local em que governa. E essa condição de intocável, de blindado, pode fazê-lo refém dos prazeres do cargo. O homem é vulnerável ao que a vaidade pede e a carne não resiste.

Mesmo sem pensar que o povo pode tirá-lo de lá ao fim do mandato, ou até antes, ao sentir-se na condição de ocupante perene da posição à qual foi alçado, mete os pés pelas mãos. Rotineiramente, passa a crer na sua esquizofrenia, no devaneio de achar-se proprietário daquilo que, em suma, é momentâneo e nem dele é. E, para agarrar-se à própria ilusão, começa a protagonizar desatinos, atitudes que contrariam as prerrogativas da liberdade, porque se desespera ao imaginar-se sem a coroa.


E o político, seja ele quem for, de onde for, há de saber que é natural este ou aquele discordar de algo e que isso é parte desse jogo que dura quatro anos. Afinal, se todos são a favor, que mérito há no trabalho? Por que impedir uma voz dissonante de falar, se o apontamento indesejado pode conduzir melhoras adiante? Não há motivos para abominar uma opinião discordante, pois cercear isso é contrapor o próprio viés democrático que o elegeu, é fazer com que os demais enxerguem no governante uma característica rechaçada. Bem aventurado o representante que tem o entendimento dessas saliências, e as aceita.

A política, ou tudo aquilo que nos conduz ao poder, à evidência, pode atiçar no homem as suas vocações mais ocultas. Quanto mais o detentor de cargo político fugir das paredes que o separam da sociedade e aproximar-se dela, dando à mesma a possibilidade de refutar o que julga incorreto, aumentam as chances de ser agraciado pela maioria, o requisito que dará ao político, de modo natural, a aprovação ansiada. Sem intimidar o direito às manifestações, sem tomar decisões extremadas, sem mostrar para a mesma maioria que a escolha feita nas urnas foi errada.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

APENAS LEMBRE

É tão corriqueiro o limiar entre o estar e o não estar com alguém, que a gente não se dá conta da infindável riqueza que há nas relações que começam e terminam rapidamente ou que são duradouras. Anestesiados, não percebemos, ou notamos menos do que se deveria, que num piscar de olhos tudo aquilo que supúnhamos eterno de repente some, e as coisas caminham a se resumir em lembranças. E olhe lá.

Você passa alguns minutos com alguém dentro de um ônibus, lado a lado, numa cidade grande, quando, do nada, ele ou ela desce uma estação antes da sua. Aquilo é o suficiente para vocês jamais se verem. Você também pode conviver com uma pessoa ou um grupo delas durante anos e, como naqueles olhos que piscam velozmente, finito: um dos dois – você ou o outro – se muda, traçando cada qual o seu rumo, porventura opostos. Só resta ao passado mantê-los próximos, uma vez que, de fato, distanciam-se. A morte também tem dessas: é capaz de levar alguém, cuja afeição os aproxima, em uma fração de instante, aquele momento que menos esperamos, indesejado, porém irrevogável.

Mas a vida corrida, que alterna acontecimentos com velocidade impossível de se acompanhar, nos enrijece a memória. Como é difícil, em tempos de ocorrências simultâneas, refletir sobre algo marcante, na tentativa de mantê-lo ali, bem perto, preservado, quase como dando uma sobrevida ao que inexiste. A lembrança é isso: mantém em nós o que entre nós não mais está, pois abrir mão daquilo é desistir de um pedaço importante da própria vida.


Os principais meios de comunicação, como TV e Internet, tiram-nos o foco, porque muitos sons, imagens e palavras agigantam-se ao mesmo tempo, sem folga. É o que de mais sofisticado e atual – e, por isso, quase indispensável – o mundo tem a apresentar, apto a colocar numa mesma ciranda crianças e idosos, mas a simplicidade que não se vê na mídia é o que torna o contato entre as pessoas desprovido de fronteiras. A velocidade de tudo perturba o nosso arcabouço de experiências vividas, embora um bilhete antigo ou uma foto gasta possa restabelecer o que uma vida de cumplicidade não hesitou em construir. Em fatos que perduram não existe a soberba, ao passo que um gesto ou palavra persiste.

Eu escrevi este texto na quinta, dia 20, véspera do dito “fim do mundo”, na certeza de que a vida seguirá, como você, que agora respira, é prova cabal da continuidade. Quando o seu celular tocar, o tablet te chamar, o Facebook o importunar e a TV cansá-lo, adie tudo isso. Lembre de um perfume, de um barulho, de um lugar, de um sorriso, uma lágrima, uma passagem qualquer que o tenha marcado, que te faça reviver uma sensação, o sentimento de que aquela pessoa que se desencontrou de você deveria estar sempre ao seu lado. Só que ela vai embora, para preservar em quem fica o interminável desafio de apenas lembrar.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

ATÉ JUDAS ESCOLHEU UM LADO

No último dia 15, a TV Globo transmitiu a segunda edição do Festival Promessas, ocorrida em São Paulo. O evento, que teve a sua primeira aparição em dezembro do ano passado, no Rio, traz nomes de destaque da música evangélica brasileira. O que mais chamou a atenção no evento não são os músicos ou o público de 100 mil pessoas que acompanhou os shows. Soa estranho a emissora carioca promover um acontecimento ligado às religiões pentecostais.

A Globo, como se vê, é ligada ao espiritismo [posso usar o sufixo ismo ou serei processado por isso?]. Telenovelas e filmes produzidos pelo grupo exemplificam o posicionamento da emissora. Nada fora da norma os donos do veículo se alinharem a esta ou àquela religião. Por sua vez, o catolicismo é tolerado pela emissora, que reconhece a autoridade do papa, por exemplo, mas não em poucas vezes coloca a igreja como palco de ações negativas ou irônicas, também na dramaturgia. Já as nomenclaturas evangélicas não têm muita folga.

Isso acontece muito em função da rival Record ser dirigida pelo bispo Edir Macedo, maior autoridade da Igreja Universal do Reino de Deus, que, dizem as más línguas, usa dinheiro arrecadado nos cultos, capital que não sofre dedução de impostos, para injetar investimentos na TV. E “a regra é clara”: não se pode usar a arrecadação de uma instituição sem fins lucrativos – até onde sabemos, uma igreja, qualquer delas, é uma entidade que não visa lucros – num outro âmbito, cujas finalidades são comerciais.


Como a Rede Record, muito em função disso [segundo as más línguas, de novo], virou a principal adversária da Globo na briga por audiência, a emissora carioca costuma retratar o evangélico, em suas novelas, de forma cômica, idiota ou corrupta. Em Avenida Brasil, havia uma ex-atriz pornô, que abandonara o único filho e o marido no passado por causa do ofício, mas que no presente voltava arrependida, agora não mais atuante em filmes de sacanagem, e sim toda puritana, com os estereótipos da mulher evangélica – antigamente dita crente: cabelo liso longo e saião. No fim, deixou novamente o marido com quem havia se casado de novo, para se entregar ao mundo da promiscuidade. Perceba com que olhos a Globo enxerga o evangelismo...

E não é que no último dia 15 a emissora atuou na contramão do que é de praxe! Ao organizar e transmitir o festival, teve comportamento dúbio: ou a Globo não tem a menor credibilidade, por ficar saltitando de uma ideologia a outra de acordo com o que lhe é de interesse, com o objetivo de, ao mesmo tempo, atacar a concorrente, sem se prejudicar frente a um público de massa formado pelo evangélicos; ou a emissora é digna de elogios, pois não é intransigente: embora por linhas tortas, ataca a Record, mas isso não a impede de se aproximar dos evangélicos promovendo um show gospel.

É elogiável quando alguém não se prende à opinião única e sabe o momento de divergir de si mesmo, provando que o amadurecimento traz uma nova visão, mais coerente, sustentada, inequívoca, sobre a realidade. O problema é que mudar repentinamente de posicionamento pode representar insegurança e um estranho comportamento de atuar conforme as conveniências, contingências de agora. Amanhã, quem sabe?

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

“FIGURAS ENTRE OS PRIMEIROS”

Aos 23 minutos do segundo tempo aconteceu o que o jogo desenhava: o Corinthians marcava, com o peruano Guerrero, aquele que seria o gol do primeiro título mundial do alvinegro. E antes que os chiliques comecem, logo mais explicarei por que considero esta o único campeonato mundial conquistado pelo Corinthians, o que não é pouca coisa, pois poucos o são. O Timão se impôs taticamente, como raros times brasileiros e sul-americanos conseguiram em toda a história.

A tática, aliás, é o ponto forte deste ótimo Corinthians. Individualmente, há pouquíssimos destaques, bem menos do que o time do final dos anos 90, por exemplo, conjunto este que não foi capaz de conquistar o que o atual elenco galgou. O esquadrão de Dida, Índio, Fábio Luciano, Adilson, Kleber, Vampeta, Rincón, Ricardinho, Marcelinho, Edílson e Luizão (ufa! Haja bom jogador!) era fantástico, do ponto de vista das peças, conseguindo, no máximo, dois títulos brasileiros (1998-99) e um paulista (1999). Não é pouco, mas acaba por ficar tímido perto do que o clube faturou em 2011 (Brasileiro) e no histórico ano de 2012 (América e Mundial).

O Corinthians de hoje joga o que de mais moderno existe no futebol: bola no chão; troca de passes demarcada; marcação no campo de ataque, na saída de bola do adversário; todas as linhas (três ou quatro) aproximadas, o que inviabiliza qualquer conforto ao time adversário, seja em que zona do campo for (o maior exemplo dessa forma de jogo é Paulinho. O melhor volante que surgiu no futebol brasileiro nos últimos anos rouba, com frequência, bolas no campo de ataque, excluindo a ideia de que meio-campista defensor joga na intermediária do seu campo); posse de bola, volume de jogo; e o mais importante: a proposta de jogo corintiana tem incidência, atua em busca do gol, ainda que a maioria das vitórias do time este ano tenha sido pela contagem mínima e sem um centro-avante, homem de referência na frente (Paolo Guerrero voltou a ser essa peça, depois de Ronaldo).


Tite é capaz de montar uma equipe quase perfeita – a mais entre todos os times brasileiros no momento – porque é um estudioso de futebol: sabe o que é eficiente ao Corinthians, sabe o que precisa neutralizar no adversário. Apenas isso faz de Tite o nome principal para assumir a Seleção, mas a CBF tem vocação ao retrocesso. Nada disso significa que o técnico vencerá tudo, mas esse Corinthians é favorito para ganhar o que disputar, sempre rondará os troféus, e não se assuste se a Fiel invadir o Japão em 2013 outra vez.

O Chelsea, por sua vez, foi o inverso disso. Embora com bons nomes, não se preparou coletivamente para o jogo decisivo, sendo um reflexo ainda mais grotesco dos clubes europeus que disputam o Mundial. Espanhóis, italianos, alemães e ingleses não dão a mínima para o campeonato, o que não tira o brilho da vitória sul-americana, brasileira ou mesmo europeia, quando vem.

Nesse cenário, não dá pra comparar o êxito corintiano aos fracassos santista, no ano passado, e palmeirense, em 1999. Santos e Palmeiras enfrentaram times muito fortes, cujas camisas pesam. Como registra um ditado do futebol: se você botar a camisa do Barcelona ou do Manchester no varal, o varal entorta. A do Chelsea, não. Os Blues não têm história, são o que são hoje graças ao milionário russo Roman Abramovich, razão pela qual este blogueiro defendeu a ideia, desde o início de dezembro, de que o Corinthians chegava ao Japão com boas chances de levar o título, talvez mais probabilidade do que qualquer outro time brasileiro que se credenciou a disputar o título mundial.


Isso à parte, o blog considera esta a única conquista mundial do Corinthians, pelo simples fato de que o próprio corintiano encarou este momento completamente diferente do que foi em 2000. O torcedor viveu este Mundial de Clubes desde o apito final do jogo contra o Boca, nos 2x0 que decretaram o primeiro e histórico título continental. Ao vencer, o Timão negligenciou, assim como outros clubes brasileiros em anos anteriores, o campeonato nacional. A ocasião é tão especial, que é capaz de fazer um clube abandonar um campeonato de 38 jogos, importante como é, para se concentrar em apenas dois.

E, por ter apreciado o momento durante quase seis meses, levou uma multidão para o outro lado do mundo. Falamos aqui de uma cifra entre 25 e 30 mil pessoas. Não dá para pontuar de forma certeira quantos saíram do Brasil e quantos se deslocaram de outras partes do mundo para Toyota e Yokohama. O fato é que foi muita gente, incomparável com anos anteriores, justamente pela imensidão que é a torcida corintiana. Em 2000, não houve nada parecido, ainda que o torneio tenha sido disputado no Brasil, com três jogos no Morumbi e um no Maracanã. Nivelar o campeonato de 2000 ao de agora é submeter o trunfo de 2012 à banalidade. Não há nada de trivial no que ocorreu há dois dias.


Depois daquele mal sucedido certame, a FIFA só voltou a organizar um Mundial de Clubes em 2005, e de lá pra cá a fórmula se manteve (entre 2000 e 2004, continuou a ocorrer o jogo único entre campeão europeu e campeão da América, na chamada Copa Intercontinental, disputada desde 1960). Sob a nova fórmula, São Paulo, Internacional e Corinthians foram os clubes brasileiros vitoriosos, o que não significa que o modelo seja o ideal. Ao contrário, por destinar uma vaga para cada continente, a entidade máxima que rege o futebol coloca na mesma vala Europa e Oceania, por exemplo. É claro que as datas são escassas, mas fazer um torneio com campeão e vice da UEFA Champions League e da Libertadores (as duas confederações com maior cancha no futebol) poderia dar à disputa mais atrativos, um peso ainda maior.

A conquista do Timão é expressiva. O clube, que sempre fora muito forte dentro do país, alcançou abrangência mundial em 2012, porque o Corinthians era grande demais para ter feitos apenas domésticos, e por isso era motivo de chacota de torcidas rivais. A organização política à que o clube se propõe desde 2008, passando pelo precioso e importante trabalho de marketing que soube explorar, mesmo tardiamente, a força da sua torcida, reflete o que é o time atual em campo: disciplinado, seguro e letal aos adversários, uma vez que técnico e atletas entenderam a forma de jogar, uma proposta vencedora. O Coringão, irretocável, é o dono do mundo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O SER HUMANO É UM EMARANHADO DE FORTALEZAS E FRAGILIDADES

A fragilidade humana é uma ferida exposta que não cicatriza nunca. Porque o homem sem ela não seria o que é, sem delícias e dores. A fragilidade é a limitação inerente, superada todos os dias, mas jamais vencida, pois dela sai o empenho do homem de esclarecer, descobrir, conhecer, a si, aos outros, a tudo. Mas essas coisas não passam de tentativas, frustradas e renovadas, dia após dia, com o intuito de instaurar novos limites. Ainda que mais altos, mais largos, mais árduos, eles – os limites –, sempre estarão lá, para não nos permitir a rotina, o tédio, a soberba.

Somos humanos, provavelmente os mais capazes dos bichos, a despeito da nossa capacidade até certo ponto. Nem mesmo os heróis são infalíveis, exatamente porque necessitam reproduzir a realidade mundana. Na ficção clássica grega, o mocinho, um semi-deus, era descendente de Zeus, e precisava morrer no final para garantir a sua divindade, o seu caráter único. Hoje, o herói não morre nunca, mas passa por maus bocados ao longo do enredo.

Aquiles, interpretado por Brad Pitt, em Tróia

A inteligência, de que só o homem sabedor dispõe, auxilia no rompimento de barreiras, e a ciência assegura ao homem as comprovações necessárias para que ele se situe no mundo em que vive. A partir de tal perspectiva, em que a sociedade se calcou no Homem Vitruviano, centrado e simétrico, responsável por inegáveis avanços tecnológicos e humanos, confessamos a necessidade de ver, posto que aquilo que não é visível não existe.

Faz sentido, então, endossar que o pensamento que nos faz crescer também nos encarcera no pragmatismo. O homem, vulgo livre, tropeça nas normativas que se impõe e torna-se artificial, mecânico, demonstrando basicamente o quão vulnerável é, porque inevitável não ser. A morte é só um símbolo – o maior – de que o homo não está apto a romper tudo. Ele não fracassa apenas no intuito de evitar o próprio fim. Resiste, também, em compreendê-lo.