quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

APENAS LEMBRE

É tão corriqueiro o limiar entre o estar e o não estar com alguém, que a gente não se dá conta da infindável riqueza que há nas relações que começam e terminam rapidamente ou que são duradouras. Anestesiados, não percebemos, ou notamos menos do que se deveria, que num piscar de olhos tudo aquilo que supúnhamos eterno de repente some, e as coisas caminham a se resumir em lembranças. E olhe lá.

Você passa alguns minutos com alguém dentro de um ônibus, lado a lado, numa cidade grande, quando, do nada, ele ou ela desce uma estação antes da sua. Aquilo é o suficiente para vocês jamais se verem. Você também pode conviver com uma pessoa ou um grupo delas durante anos e, como naqueles olhos que piscam velozmente, finito: um dos dois – você ou o outro – se muda, traçando cada qual o seu rumo, porventura opostos. Só resta ao passado mantê-los próximos, uma vez que, de fato, distanciam-se. A morte também tem dessas: é capaz de levar alguém, cuja afeição os aproxima, em uma fração de instante, aquele momento que menos esperamos, indesejado, porém irrevogável.

Mas a vida corrida, que alterna acontecimentos com velocidade impossível de se acompanhar, nos enrijece a memória. Como é difícil, em tempos de ocorrências simultâneas, refletir sobre algo marcante, na tentativa de mantê-lo ali, bem perto, preservado, quase como dando uma sobrevida ao que inexiste. A lembrança é isso: mantém em nós o que entre nós não mais está, pois abrir mão daquilo é desistir de um pedaço importante da própria vida.


Os principais meios de comunicação, como TV e Internet, tiram-nos o foco, porque muitos sons, imagens e palavras agigantam-se ao mesmo tempo, sem folga. É o que de mais sofisticado e atual – e, por isso, quase indispensável – o mundo tem a apresentar, apto a colocar numa mesma ciranda crianças e idosos, mas a simplicidade que não se vê na mídia é o que torna o contato entre as pessoas desprovido de fronteiras. A velocidade de tudo perturba o nosso arcabouço de experiências vividas, embora um bilhete antigo ou uma foto gasta possa restabelecer o que uma vida de cumplicidade não hesitou em construir. Em fatos que perduram não existe a soberba, ao passo que um gesto ou palavra persiste.

Eu escrevi este texto na quinta, dia 20, véspera do dito “fim do mundo”, na certeza de que a vida seguirá, como você, que agora respira, é prova cabal da continuidade. Quando o seu celular tocar, o tablet te chamar, o Facebook o importunar e a TV cansá-lo, adie tudo isso. Lembre de um perfume, de um barulho, de um lugar, de um sorriso, uma lágrima, uma passagem qualquer que o tenha marcado, que te faça reviver uma sensação, o sentimento de que aquela pessoa que se desencontrou de você deveria estar sempre ao seu lado. Só que ela vai embora, para preservar em quem fica o interminável desafio de apenas lembrar.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

ATÉ JUDAS ESCOLHEU UM LADO

No último dia 15, a TV Globo transmitiu a segunda edição do Festival Promessas, ocorrida em São Paulo. O evento, que teve a sua primeira aparição em dezembro do ano passado, no Rio, traz nomes de destaque da música evangélica brasileira. O que mais chamou a atenção no evento não são os músicos ou o público de 100 mil pessoas que acompanhou os shows. Soa estranho a emissora carioca promover um acontecimento ligado às religiões pentecostais.

A Globo, como se vê, é ligada ao espiritismo [posso usar o sufixo ismo ou serei processado por isso?]. Telenovelas e filmes produzidos pelo grupo exemplificam o posicionamento da emissora. Nada fora da norma os donos do veículo se alinharem a esta ou àquela religião. Por sua vez, o catolicismo é tolerado pela emissora, que reconhece a autoridade do papa, por exemplo, mas não em poucas vezes coloca a igreja como palco de ações negativas ou irônicas, também na dramaturgia. Já as nomenclaturas evangélicas não têm muita folga.

Isso acontece muito em função da rival Record ser dirigida pelo bispo Edir Macedo, maior autoridade da Igreja Universal do Reino de Deus, que, dizem as más línguas, usa dinheiro arrecadado nos cultos, capital que não sofre dedução de impostos, para injetar investimentos na TV. E “a regra é clara”: não se pode usar a arrecadação de uma instituição sem fins lucrativos – até onde sabemos, uma igreja, qualquer delas, é uma entidade que não visa lucros – num outro âmbito, cujas finalidades são comerciais.


Como a Rede Record, muito em função disso [segundo as más línguas, de novo], virou a principal adversária da Globo na briga por audiência, a emissora carioca costuma retratar o evangélico, em suas novelas, de forma cômica, idiota ou corrupta. Em Avenida Brasil, havia uma ex-atriz pornô, que abandonara o único filho e o marido no passado por causa do ofício, mas que no presente voltava arrependida, agora não mais atuante em filmes de sacanagem, e sim toda puritana, com os estereótipos da mulher evangélica – antigamente dita crente: cabelo liso longo e saião. No fim, deixou novamente o marido com quem havia se casado de novo, para se entregar ao mundo da promiscuidade. Perceba com que olhos a Globo enxerga o evangelismo...

E não é que no último dia 15 a emissora atuou na contramão do que é de praxe! Ao organizar e transmitir o festival, teve comportamento dúbio: ou a Globo não tem a menor credibilidade, por ficar saltitando de uma ideologia a outra de acordo com o que lhe é de interesse, com o objetivo de, ao mesmo tempo, atacar a concorrente, sem se prejudicar frente a um público de massa formado pelo evangélicos; ou a emissora é digna de elogios, pois não é intransigente: embora por linhas tortas, ataca a Record, mas isso não a impede de se aproximar dos evangélicos promovendo um show gospel.

É elogiável quando alguém não se prende à opinião única e sabe o momento de divergir de si mesmo, provando que o amadurecimento traz uma nova visão, mais coerente, sustentada, inequívoca, sobre a realidade. O problema é que mudar repentinamente de posicionamento pode representar insegurança e um estranho comportamento de atuar conforme as conveniências, contingências de agora. Amanhã, quem sabe?

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

“FIGURAS ENTRE OS PRIMEIROS”

Aos 23 minutos do segundo tempo aconteceu o que o jogo desenhava: o Corinthians marcava, com o peruano Guerrero, aquele que seria o gol do primeiro título mundial do alvinegro. E antes que os chiliques comecem, logo mais explicarei por que considero esta o único campeonato mundial conquistado pelo Corinthians, o que não é pouca coisa, pois poucos o são. O Timão se impôs taticamente, como raros times brasileiros e sul-americanos conseguiram em toda a história.

A tática, aliás, é o ponto forte deste ótimo Corinthians. Individualmente, há pouquíssimos destaques, bem menos do que o time do final dos anos 90, por exemplo, conjunto este que não foi capaz de conquistar o que o atual elenco galgou. O esquadrão de Dida, Índio, Fábio Luciano, Adilson, Kleber, Vampeta, Rincón, Ricardinho, Marcelinho, Edílson e Luizão (ufa! Haja bom jogador!) era fantástico, do ponto de vista das peças, conseguindo, no máximo, dois títulos brasileiros (1998-99) e um paulista (1999). Não é pouco, mas acaba por ficar tímido perto do que o clube faturou em 2011 (Brasileiro) e no histórico ano de 2012 (América e Mundial).

O Corinthians de hoje joga o que de mais moderno existe no futebol: bola no chão; troca de passes demarcada; marcação no campo de ataque, na saída de bola do adversário; todas as linhas (três ou quatro) aproximadas, o que inviabiliza qualquer conforto ao time adversário, seja em que zona do campo for (o maior exemplo dessa forma de jogo é Paulinho. O melhor volante que surgiu no futebol brasileiro nos últimos anos rouba, com frequência, bolas no campo de ataque, excluindo a ideia de que meio-campista defensor joga na intermediária do seu campo); posse de bola, volume de jogo; e o mais importante: a proposta de jogo corintiana tem incidência, atua em busca do gol, ainda que a maioria das vitórias do time este ano tenha sido pela contagem mínima e sem um centro-avante, homem de referência na frente (Paolo Guerrero voltou a ser essa peça, depois de Ronaldo).


Tite é capaz de montar uma equipe quase perfeita – a mais entre todos os times brasileiros no momento – porque é um estudioso de futebol: sabe o que é eficiente ao Corinthians, sabe o que precisa neutralizar no adversário. Apenas isso faz de Tite o nome principal para assumir a Seleção, mas a CBF tem vocação ao retrocesso. Nada disso significa que o técnico vencerá tudo, mas esse Corinthians é favorito para ganhar o que disputar, sempre rondará os troféus, e não se assuste se a Fiel invadir o Japão em 2013 outra vez.

O Chelsea, por sua vez, foi o inverso disso. Embora com bons nomes, não se preparou coletivamente para o jogo decisivo, sendo um reflexo ainda mais grotesco dos clubes europeus que disputam o Mundial. Espanhóis, italianos, alemães e ingleses não dão a mínima para o campeonato, o que não tira o brilho da vitória sul-americana, brasileira ou mesmo europeia, quando vem.

Nesse cenário, não dá pra comparar o êxito corintiano aos fracassos santista, no ano passado, e palmeirense, em 1999. Santos e Palmeiras enfrentaram times muito fortes, cujas camisas pesam. Como registra um ditado do futebol: se você botar a camisa do Barcelona ou do Manchester no varal, o varal entorta. A do Chelsea, não. Os Blues não têm história, são o que são hoje graças ao milionário russo Roman Abramovich, razão pela qual este blogueiro defendeu a ideia, desde o início de dezembro, de que o Corinthians chegava ao Japão com boas chances de levar o título, talvez mais probabilidade do que qualquer outro time brasileiro que se credenciou a disputar o título mundial.


Isso à parte, o blog considera esta a única conquista mundial do Corinthians, pelo simples fato de que o próprio corintiano encarou este momento completamente diferente do que foi em 2000. O torcedor viveu este Mundial de Clubes desde o apito final do jogo contra o Boca, nos 2x0 que decretaram o primeiro e histórico título continental. Ao vencer, o Timão negligenciou, assim como outros clubes brasileiros em anos anteriores, o campeonato nacional. A ocasião é tão especial, que é capaz de fazer um clube abandonar um campeonato de 38 jogos, importante como é, para se concentrar em apenas dois.

E, por ter apreciado o momento durante quase seis meses, levou uma multidão para o outro lado do mundo. Falamos aqui de uma cifra entre 25 e 30 mil pessoas. Não dá para pontuar de forma certeira quantos saíram do Brasil e quantos se deslocaram de outras partes do mundo para Toyota e Yokohama. O fato é que foi muita gente, incomparável com anos anteriores, justamente pela imensidão que é a torcida corintiana. Em 2000, não houve nada parecido, ainda que o torneio tenha sido disputado no Brasil, com três jogos no Morumbi e um no Maracanã. Nivelar o campeonato de 2000 ao de agora é submeter o trunfo de 2012 à banalidade. Não há nada de trivial no que ocorreu há dois dias.


Depois daquele mal sucedido certame, a FIFA só voltou a organizar um Mundial de Clubes em 2005, e de lá pra cá a fórmula se manteve (entre 2000 e 2004, continuou a ocorrer o jogo único entre campeão europeu e campeão da América, na chamada Copa Intercontinental, disputada desde 1960). Sob a nova fórmula, São Paulo, Internacional e Corinthians foram os clubes brasileiros vitoriosos, o que não significa que o modelo seja o ideal. Ao contrário, por destinar uma vaga para cada continente, a entidade máxima que rege o futebol coloca na mesma vala Europa e Oceania, por exemplo. É claro que as datas são escassas, mas fazer um torneio com campeão e vice da UEFA Champions League e da Libertadores (as duas confederações com maior cancha no futebol) poderia dar à disputa mais atrativos, um peso ainda maior.

A conquista do Timão é expressiva. O clube, que sempre fora muito forte dentro do país, alcançou abrangência mundial em 2012, porque o Corinthians era grande demais para ter feitos apenas domésticos, e por isso era motivo de chacota de torcidas rivais. A organização política à que o clube se propõe desde 2008, passando pelo precioso e importante trabalho de marketing que soube explorar, mesmo tardiamente, a força da sua torcida, reflete o que é o time atual em campo: disciplinado, seguro e letal aos adversários, uma vez que técnico e atletas entenderam a forma de jogar, uma proposta vencedora. O Coringão, irretocável, é o dono do mundo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O SER HUMANO É UM EMARANHADO DE FORTALEZAS E FRAGILIDADES

A fragilidade humana é uma ferida exposta que não cicatriza nunca. Porque o homem sem ela não seria o que é, sem delícias e dores. A fragilidade é a limitação inerente, superada todos os dias, mas jamais vencida, pois dela sai o empenho do homem de esclarecer, descobrir, conhecer, a si, aos outros, a tudo. Mas essas coisas não passam de tentativas, frustradas e renovadas, dia após dia, com o intuito de instaurar novos limites. Ainda que mais altos, mais largos, mais árduos, eles – os limites –, sempre estarão lá, para não nos permitir a rotina, o tédio, a soberba.

Somos humanos, provavelmente os mais capazes dos bichos, a despeito da nossa capacidade até certo ponto. Nem mesmo os heróis são infalíveis, exatamente porque necessitam reproduzir a realidade mundana. Na ficção clássica grega, o mocinho, um semi-deus, era descendente de Zeus, e precisava morrer no final para garantir a sua divindade, o seu caráter único. Hoje, o herói não morre nunca, mas passa por maus bocados ao longo do enredo.

Aquiles, interpretado por Brad Pitt, em Tróia

A inteligência, de que só o homem sabedor dispõe, auxilia no rompimento de barreiras, e a ciência assegura ao homem as comprovações necessárias para que ele se situe no mundo em que vive. A partir de tal perspectiva, em que a sociedade se calcou no Homem Vitruviano, centrado e simétrico, responsável por inegáveis avanços tecnológicos e humanos, confessamos a necessidade de ver, posto que aquilo que não é visível não existe.

Faz sentido, então, endossar que o pensamento que nos faz crescer também nos encarcera no pragmatismo. O homem, vulgo livre, tropeça nas normativas que se impõe e torna-se artificial, mecânico, demonstrando basicamente o quão vulnerável é, porque inevitável não ser. A morte é só um símbolo – o maior – de que o homo não está apto a romper tudo. Ele não fracassa apenas no intuito de evitar o próprio fim. Resiste, também, em compreendê-lo.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

VIDA

por Bruno Barnett













Às vezes me sinto perdido.
Sem sentido, busco encontrar-me
No vazio e vago mistério da existência.

Tento ser fiel aos meus sentidos,
Onde a coerência é ser irreal,
Onde o justo, certo e errado não existem,
E o fascínio já não me impressiona.

Ser feliz, sentir-se bem.
Ter a liberdade de poder sonhar,
Não importa o quanto custar.
Para viver, basta pensar.

E, na incerteza do pensar,
Busco, aflito, descobri-la,
Pois a saída já está determinada,
Se olhar com esperança.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A MINHA OPINIÃO SOBRE AS COTAS


Sou favorável. E por um motivo muito simples: alguns grupos segregados historicamente, hoje beneficiados pelas ações afirmativas na educação, sempre foram alijados dos processos educacional, cultural e intelectual, sendo estes reservados a uma pequena parcela abastada da sociedade brasileira: a nossa elite branca, descendente da nobreza portuguesa, e que sempre agiu como tal, despreocupada com o todo.

Usa-se o exemplo de Joaquim Barbosa, um negro que conseguiu vencer sem o benefício das cotas universitárias, para depreciá-las. Os contrários, manifestem-se: Além do ministro Joca, quantos outros pretos há no STF? Quantos houve até 2003? Quantos são patrões, professores, presidentes? Enfim, quantos negros, comparando-se ao contingente branco, têm posição de destaque, ganham altos salários? Em uma platéia de cinema, teatro, museu, no corpo discente de uma universidade, ainda que pública, a desproporção é enorme. Agora, o inverso: numa comunidade carente, por exemplo, por que você acha que vivem mais negros? Por que gostam?


De modo geral, dados do Censo 2010 externam um problema de ordem social, econômica e cultural: do contingente universitário, 31,1 % são brancos, enquanto que 13,4% são pardos e 12,8% são negros. Essa disparidade não denuncia um problema? Quando o assunto é o analfabetismo, a mesma coisa: a porcentagem brasileira é de 9,6% da população total. Entre os brancos, o índice é de 5,9%. Do total de pardos, 13% não sabem ler e escrever. E 14% dos pretos são analfabetos. É uma desigualdade que não é sanada com as cotas, que provém de questões mais profundas, históricas, mas que também não encontrará conforto na justificativa de que as cotas colocam estudantes menos capacitados nos bancos da universidade. Quer dizer: quem é contra a inserção de grupos marginalizados acha injusto alguém ser selecionado pela etnia, mas não se comove tanto com as diferenças gritantes que permeiam esses mesmos grupos.

Joaquim Barbosa é um entre dez. A proporção da sociedade brasileira não é de um negro para dez brancos. Essa equação é mais equilibrada. (Segundo dados do Ipea-2011, 97 milhões de brasileiros se declararam negros, enquanto 91 milhões se disseram brancos, isto é, uma proporção de, praticamente, 1 para 1). E ela não se reflete em todos os setores da sociedade porque as desigualdades sempre estiveram expostas. A escravidão forçou ao trabalho o índio e o preto, não o branco, e os estigmas desse tempo acompanharam os grupos, mesmo após o fim tardio do trabalho escravo. O branco continuou a mandar. Os demais, a obedecer. O tempo avançou, regimes mudaram de nome, leis foram instituídas, mas a estrutura excludente permaneceu. Especialmente para as gerações mais antigas, o preto carrega o ranço de ter sido escravo, sinônimo de pobreza, isso quando ainda não o é de fato aos olhos dos velhos.


Para as cotas nas universidades, a conta que se faz é que pretos e índios compõem a maior porção dos pobres, que, para inverterem o cenário de poucas chances de prosperidade, ganham um espaço maior nas universidades, ou seja, uma oportunidade mais ampla de ocupar posição no mercado de trabalho, e crescer. Esse tipo de ação afirmativa é uma forma de amenizar o equívoco que o próprio Estado brasileiro, calcado na elite branca, cometeu durante muito tempo, de marginalizar a maioria do povo, em benefício de si própria, típico egoísmo de quem tem o umbigo como centro das atenções.

Para se aprimorar ainda mais o intuito de ressarcir uma parcela considerável da nossa população, um número de vagas destinado ao pobre – seja preto, índio, amarelo, pardo ou branco – contemplaria, de forma completa, o esforço de tornar as classes menos desiguais, não só financeiramente, mas do ponto de vista dos direitos, prerrogativa elementar de todas as declarações democráticas desde a independência dos EUA, em 1776.

Mas se o Brasil estivesse preocupado com a educação, manteria a vigência desta política durante 30 anos, no máximo, tempo suficiente para reestruturar os ensinos fundamental e médio, e botar todo mundo em pé de igualdade. Se quisesse uma escola forte, nem discutiria investimentos: haveria de fazê-los massiçamente, sem ressalvas. Mas a educação é “perigosa”, e justamente por isso continuará como está: sucateada, desvalorizada, tratada com o descaso típico da política brasileira. As cotas, apesar de maquiarem esse quadro e distorcê-lo diante das carências mais prementes, são uma alternativa a curto prazo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

ELA O AMAVA, MAS FRAQUEJOU

O corpo era velado na sala da casa em que morou durante quase 2/3 da vida. Era sensível o barulho das pessoas chorando, como quem rapidamente cheira algo com força, com entremeios de soluço. Outras, menos contidas, faziam um certo barulho, denunciando uma maior proximidade afetiva com o defunto. Alguns poucos preferiam conversar, bem baixinho, a ponto de se ouvirem só sílabas com as letras “s” e “c”. Talvez falassem sobre a demissão do técnico da seleção, o conflito entre Palestina e Israel ou a posse de Joaquim Barbosa na presidência do STF.

A esposa, inconsolável, lamentava a morte precoce, a dizer coisas do tipo: “por que foi me deixar tão cedo?” ou “você não podia ter feito isso comigo!”, como se o pobre coitado tivesse culpa de estar num caixão ou quisesse aquilo. Esses questionamentos faziam da mulher quase que uma ré, a quem os parentes e amigos olhavam com certa cautela, tamanha a insensibilidade da viúva. Mas havia também os que a compreendiam, que tomavam como normal uma reação dessas, como a de um ser humano frágil passando por um momento de choque.


Fazia sentido ela sofrer tanto. Tínhamos ali um marido dedicado. Ou melhor, um corpo que contivera por 52 anos um espírito nobre. Era fiel até no olhar. Enquanto os amigos devoravam um pedaço de carne feminina que rebolava, ele se mantinha casto, ainda que um ou outro companheiro desse aquela batida no ombro, como quem diz: “olha aquilo. Que maravilha!”. Mas nada – nem um quadril tentador, um par de seios acolhedor – era capaz de ofuscar a sua esposa. Sim, ela era soberana e dominava-lhe os espaços que nenhuma outra ousava tocar.

E em casa, então... Além de trabalhar fora, ajudava a mulher nos afazeres domésticos: lavava e passava as roupas, fazia o belo almoço de domingo, ajudava a limpar a casa, preparava a banheira para o pós-trabalho da amada. Aos sábados pela manhã, levava até ela um banquete, o café matutino completo, invejado pelos diretores de cinema, que conduziram a combinação de frutas, trigos, cereais e industrializados aos filmes. Exato! O que você vê hoje nas produções cinematográficas, num dos atos de romantismo mais ovacionados por aí, foi concebido por ele, que agora jazia numa caixa de madeira, rodeado por velas, flores e véus, prestes a descer uma cova.

Mas, justiça seja feita, o melhor de si ele guardava para a cama. O minuto seguinte ao banho da esposa era o seu preferido. Ao ver o corpo daquela que era sua totalmente nu, ele, de igual modo, tocava-a, roçava na pele fresca e quente ao mesmo tempo. Não era incomum ele vê-la de frente ao espelho, num culto de admiração de si mesmo, e sentir-se atraído pelo cabelo ainda molhado, a escorrer o excesso de água pelo dorso de contornos perfeitos. Quando se pegava tocada por ele, entregava-se, obediente, porque a excitação lhe era mais forte. Ele a impôs tardes e noites memoráveis, cujo suor dos corpos enlaçados não deixava dúvidas sobre a cumplicidade de ambos.


Era um triste fim àquele exemplo de homem, mas possivelmente, já no mundo dos mortos, estava resignado: é assim com todo mundo. Depois de empenhar-se na tarefa de compreender uma mulher em todas as suas variantes, de beijar dia-a-dia os pés da esposa como reflexo de uma servidão consentida, desejada, aquele fim pairava como uma reprimenda da vida diante do fascínio de viver para uma única pessoa.

Sob a perspectiva dela, aquele ritual angustiante, de olhar um rosto que, logo mais, estaria sob a terra, a servir de comida aos bichos que nos habitam, era o estabelecimento de um contraponto, que invertia o eixo da sua passagem pelo mundo. Aquela coisa, que deixara de ser humana com o óbito, iria apodrecer e feder, escancarando o quão perecíveis todos somos.

Pouco antes de os amigos mais fiéis tirarem o falecido dali, para que se procedesse o enterro, a esposa tascou-lhe o último beijo, longo e apaixonado, e limpou a lágrima derradeira, ainda corrente no rosto úmido. Ao endireitar o corpo, tirou os olhos do marido para nunca mais vê-lo. Muito próximo a ela, no lado oposto de onde estava, havia um homem, que recebeu com contentamento um sinal da viúva. Ela o mandara encontrá-la no quarto, na mesma cama em que outrora o marido dormia e a fazia mulher, mas que, mesmo antes daquela mísera criatura ser colocada a sete palmos, daria ao novo pretendente o prazer que um morto não pode mais sentir ou conceder e impossível a alguém com vida adiar.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

OS INDÍCIOS TÊM FORÇA: saiba se no lugar onde estuda ou trabalha há corrupção

“O ônus da prova cabe a quem acusa”. Eis aí um dos jargões jurídicos mais propagados. Pela nossa descendência antropológico-iluminista, o “ver pra crer” dita a opinião, concordante ou não. Mesmo que o inexplicável permeie a vida humana, esse bicho insatisfeito e incontido não se conforma com o acaso, e quer a comprovação do que afirmam. Mas só quando convém.

O problema é que nem sempre alguém filmará um assassinato, a conversa suspeita, a corrupção que tira dinheiro da educação, da merenda do menino pobre da escola pública, para financiar esquemas. A conveniência do acusado logo brada: “não há provas contra mim”. Na ausência das mesmas, trabalha-se com os indícios. Eles traçam o caminho para reconstruir o ato ilícito, apesar de o percurso poder denunciar falibilidade.

A ciência busca a verdade definitiva. A justiça, o jornalismo e a religião, também. Porém, reconheçamos: essas três últimas instâncias penam mais e tocam menos o fato consumado porque as ciladas e os desvios de conduta são enormes. O ponto pacífico é que a verdade derradeira finaliza qualquer discussão, mas sempre com o intuito de permitir à sociedade a evolução e o esclarecimento.


O suspeito de ato duvidoso também lança mão dessa prerrogativa, mas para se beneficiar. Na visão dele, o assunto igualmente se dará por encerrado quando surgir uma prova, algo que o apresente com a “mão na cumbuca”, com a “boca na botija”. É o “batom na cueca” exposto, de modo a arrematar qualquer discussão, mas, do mesmo modo, muitas vezes inatingível, posto que dificultoso ou inexistente.

E não é incomum o fazer-se de vítima diante da falta de comprovações, mesmo que ante indicações contundentes: depoimentos que se cruzam, saques e depósitos que coincidem com alguma ocorrência, a fala contraditória que desmente o que acabara de afirmar, a negação do evidente, do que todos sabem. Enfim, a desfaçatez que subverte a lógica e nos credencia ao posto de idiotas.

Se tomarmos como exemplo uma faculdade de Jornalismo, é simples saber se há má fé ou não. Se a estrutura do curso não contiver o mínimo de aparelhagem suficiente, de locais aptos a fazer daquele estudante um profissional minimamente competente, duvide das intenções de quem gere a instituição em seus mais altos escalões. Se a cidade não comporta um curso de ensino superior, sem sustentá-lo com demanda mínima, arregale os olhos e entorte o nariz: há algo de podre naquele reino.


Num caso como este, não é necessário ter uma foto, um vídeo, que escancare a negociata, o acordo às escondidas que fere a sensatez. Se a normalidade e o óbvio o conduzem a um posicionamento, o inverso disso é um total descabido. No caso desse curso superior, não carece de provas. A falta de material técnico e as condições físicas precárias são as provas de que tal realidade não poderia vigorar naqueles moldes. Se ali está é porque outros intuitos são cultivados, que não os da educação.

O fato da faculdade ser aberta em um local impróprio e a vocação de iniciar um procedimento sem finalizar o anterior dão à instituição – e a seus administradores, lógico – a condição de ré. Ela é culpada por pleitear uma função, e não exercê-la. Ao instituir um curso e abandoná-lo, ou seja, ao conceber um projeto prevendo todas as prerrogativas e não cumpri-las, há um impedimento, inclusive moral, de se iniciar outra atividade, sem que antes a primeira esteja totalmente finalizada. Mas, não. “Comecemos alguma coisinha aqui e, antes de contemplá-la com as condições básicas, iniciemos outra”. E a rede de interesses políticos e financeiros vai se expandindo, arremessando seus tentáculos a distâncias maiores, alocando-se em pontos estratégicos e diversos.

O exemplo hipotético, mas não irreal, demonstra que um crime pode ser apontado sem o flagrante de uma conversa direta entre interessados. Se a prova consuma a dúvida, o indício pode suprimi-la também, além de revelar as entranhas dos procedimentos irregulares que são muito bem feitos, a ponto dos maiores descabidos caminharem pela legitimidade, seja em vias subterrâneas ou na cara de quem quiser enxergar e entender.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A MULHER SÓ É BONITA QUANDO SABE SER

Eu sei que você vai dizer que beleza é uma coisa secundária, que o importante é ter caráter, bondade, boas intenções, vontade de fazer o outro feliz. Tudo isso procede, e essas características subjetivas fazem da mulher alguém mais bela. Mas a estética não é uma mera insignificância. Até porque o caráter, a bondade, a intenção e a vontade não farão da mulher caindo pelas tabelas uma diva. Não que ela seja um ser humano pior que Marilyn Monroe por não ter a beleza da loira norte-americana. Ela é mais feia, só isso.

A mulher pode ter olhos sem graça, uma boca murcha, um nariz nem tão pequeno, uma testa grande a ponto de lhe faltar cabelo. À primeira vista, é capaz de assustar o mais prevenido dos homens, de desferir um ataque cardíaco – o tão temido infarto – naquele macho que se colocava ali a fazer uma caridade, um gesto de afeto. Mas, antes de qualquer coisa, ele é um humano, e se assusta com o não-belo. A mulher não tem culpa, pois não escolheu ser o que é. Só que atribuir ao temeroso a condição de deselegante é demasiado injusto.

Mas a falta de empenho por parte de Deus e da genética pode ser compensada. Tem muita mulher a quem se olha e pensa: “Oh, Senhor! Por que foras tão mau com aquela criatura?”. Mas um olhar mais apurado irá encontrar naquele ser uma beleza que a sua própria carcaça tentava lhe furtar. Ao mesmo tempo em que é vítima da própria feitura – muito provavelmente sem saber ou admitir –, cria ferramentas para ofuscar o seu lado ingrato, viabilizando ao mundo uma outra versão de si mesma.


Apesar do guarda-roupa mais recheado que o do homem, da vocação inalcançável de transformar um problema simples num caso de calamidade pública que necessita ser devidamente detalhado e conversado, das bolsas que não param de originar objetos, as mulheres que não são bonitas ao primeiro olhar podem superar essa limitação. O modo como são define se estão prontas a redimir a natureza pouco generosa ou se afundam ainda mais no ostracismo social, sendo desprezadas, apontadas, caçoadas em locais públicos, contrapondo o sonho de conseguir um pretendente, aquele homem de palavras amáveis e gestos originais.

Mas a mulher, com a inteligência de que só ela é provida – inclusive as feias –, possui artimanhas que a disfarçam. Ou melhor, que tornam o seu desenho mal acabado um mero disfarce, um engodo ao interlocutor debochado, que se deu ao trabalho de julgar a dita cuja tão somente pela aparência. Indiscutível, ela é feia com louvor. Mas definir assim um conceito total sobre ela pode ser prematuro, bem como conceber um arrependimento que lhe arrebatará o bom senso mais adiante.


O cabelo é uma arma letal. Feliz da mulher que sabe passar a mão no cabelo, competente o suficiente a jogá-lo de lado ou para trás. Feliz da mulher que sabe olhar, sem arregalar ou fechar demais a mira, que pisca os olhos em harmonia. Olhos suaves, que não demonstrem medo ou tranqüilidade em excesso. Olhos que fulminam e desprezam ao mesmo tempo, que dão importância ao homem só quando necessário e não vendem simpatia. Abençoada a mulher que sorri quase sem barulho, mas sempre, porque adora que a façam rir. Ao homem implora um raciocínio inteligente para poder esticar a boca, estampar os dentes, porque a felicidade é o bastante para tudo. Depois da alegria, a língua nos lábios a umedecê-los, a fazer aquele que a deseja sonhar com o beijo. Bendita a mulher que não caminha. Flutua. Que não para. Paira. Que se veste bem, sem atolar-se de panos, cores e acessórios, sem mostrar aquilo que o homem só quer em imaginação.

Se você é feia, não fique aí choramingando pelos cantos. Não procure um psiquiatra e peça que ele lhe receite um tarja preta. Não opte pela overdose de medicamentos, bebidas ou compras no shopping. Não dê piti em público, não se passe por idiota, evite ser um zero à esquerda. Não seja egoísta a ponto de achar que os homens – ou um deles – devem ficar à sua volta só porque você se acha o centro da órbita, mesmo não sendo tão bonita assim. Deixe de histeria, pare de se fazer de vítima e dedique-se a fazer de você uma mulher surpreendente, pela forma como olha, sorri, se mostra, apesar de toda feiúra que a brindou nesta vida. 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

NÃO É O FIM DOS TEMPOS, MAS DÓI: a queda do Palmeiras

Acalme-se, nego. Isso é só futebol. Tudo isso é o futebol. O tal esporte tem dimensões de realidade, mas uma derrota ou vitória não altera a ordem dos acontecimentos. Friamente, as coisas permanecem do mesmo jeito, seja na conquista de um grande título ou na perda sofrida dele. A seleção brasileira venceu cinco Copas, e o país não melhorou depois do êxito de 70 por causa da bola, nem piorou após o fracasso de 82 por culpa de Zico e companhia.

O futebol é uma realidade paralela. É como se existissem dois mundos: o de jogadores correndo atrás de uma bola a botá-la no gol ou a evitar o tento e o mundo de agora, a normalidade que vivemos no trabalho, na rua, em casa. E o torque do futebol é tão incrível, que equiparar-se ao que de fato importa é mais rotina do que desafio.

O poder do futebol, no caso do Brasil, habita em dois fatores muito simples: ele imita as dificuldades, as desilusões e os prazeres da vida, num intervalo de 90 minutos ou até menos, além de proporcionar ao torcedor uma revanche ante a vida. O mesmo cotidiano que prega peças sem fim nas pessoas pode ser, numa visão quase que esquizofrênica de muitos, posto de joelhos quando o time vence. É como se o gol comemorado apagasse as derrotas da semana, mas tudo, sob sã consciência, segue como sempre foi. Talvez essa seja uma máxima mundial, não só nossa.


A capacidade que o futebol tem de transformar um jogo em função vital está na face de cada torcedor palmeirense (no dia 15 de outubro, há oito rodadas do fim, este blogueiro publicou uma análise sobre a situação do Palmeiras e algumas perspectivas, cujo link é http://semcensor.blogspot.com.br/2012/10/o-palmeiras-caminha-para-o-descenso-mas.html). Justamente porque o clube irá disputar a segunda divisão do futebol nacional pela segunda vez em dez anos. O empate contra o Flamengo no último domingo somado ao ponto conquistado pela Portuguesa e à vitória do Bahia foram o suficiente ao descenso do alviverde. O torcedor sangra com o fiasco do time, apesar da outra realidade – a verdadeira – continuar a mesminha da silva.

É comum à imprensa esportiva encontrar “os culpados”. Na maioria das vezes é desnecessário, já que à posição oposta há um time que quer a vitória do mesmo modo. E, num jogo, a festa e o tombo esbarram dos dois lados, mas os dois não podem ganhar. Quando há empenho de ambos os lados, o equilíbrio escolhe um em detrimento do outro. É o detalhe, aquele que faz a lágrima de alegria escorrer, a mão transpirar, o desespero de ver a chance perdida. Quando o imponderável surge, e o futebol é assombrado por ele, não há muito a fazer, a não ser abraçar o time, ainda que a derrota nos enfureça e doa.

Só que no caso específico dos palestrinos, há culpados, e não são poucos. Um deles, a diretoria, que é segregada em vários grupos, em que todos exercem influências – ruins – sobre o time. Neste âmbito pontual, não existe outra alternativa, a não ser centralizar o poder. Qualquer grupo político que assume a presidência e a direção de futebol sofre a oposição destrutiva. Nesse cenário, o Palmeiras parece ter eleito o presidente errado, completamente dissonante do momento do clube. Muito tranqüilo e manso quando a ocasião pede o inverso. Tirone foi à praia, ironia ou não, na segunda, dia seguinte a um dos momentos mais negativos da história da instituição gere. É claro que uma onda a mais, uma água de coco a mais, uma porção de camarão a menos não mudariam o destino do clube, mas ele poderia se alinhar um pouco mais aos sentimentos do torcedor.


O time é fraco. Com esse elenco, o Palmeiras terá dificuldades para ficar entre os quatro primeiros na Série B, mas deve conseguir o acesso imediato, assim como em 2003. Apesar de ser um dos representantes brasileiros na Libertadores do próximo ano, provavelmente não conseguirá formar um bom time, já que dificilmente um investidor botaria dinheiro numa organização atrelada ao fracasso. Dependendo do grupo em que cair, nem avança às oitavas-de-final do torneio continental.

E aqueles torcedores que depredaram o Pacaembu, após a derrota para o Corinthians, também tiveram parcela de responsabilidade na queda. Após aquele jogo, o Palmeiras não voltou a jogar em São Paulo, ao lado da “torcida que canta e vibra” mais do que qualquer outra. No interior, além do palmeirense não comparecer em massa, é passivo e bem menos vibrante do que o paulistano, habituado à atmosfera dos jogos. Longe da capital, nas partidas contra Coritiba e Botafogo, por exemplo, o Palmeiras levantou apenas 1 ponto (0x1 e 2x2, respectivamente). Teria feito mais em São Paulo, esboçando uma chance maior de fugir do rebaixamento.

O palmeirense acordou raivoso ontem e ficará de cabeça baixa por um bom tempo, porque o futebol é o que é por causa disso, por provocar reações extremadas. No meio do ano, veio o título da Copa do Brasil, e menos de seis meses depois, a queda. Sabe-se lá o que acontecerá daqui a alguns meses ou um ano, e essa dúvida, essa esperança, manterão o torcedor fiel ao seu time, mesmo que este cometa os mesmos erros que o levaram à situação em que está.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O DESTINO FOI INJUSTO COM AQUELE RAPAZ

Foi o som da chuva que o acordou naquela manhã, quase tarde. Sentindo o hálito alcalino e a saliva em falta, abria os olhos vagamente. As pálpebras, pesadas, doíam. A vontade de botar o primeiro pé no chão a levantar-se dividia a sua dedicação com a tentativa de rememorar o que acontecera na noite anterior. Como era incapaz, ali, de fazer duas coisas ao mesmo tempo – levantar e lembrar –, ficou mais um pouco estirado, porque uma festa regada à música eletrônica e muita bebida – só alcoólica – começava a preencher a lembrança, o vazio de então.

O exercício de restabelecer o que havia feito há poucas horas – uma demora surpreendente a um jovem de pouco mais de 25 anos – foi interrompido por um movimento à sua esquerda. Ao virar-se, assustado obviamente, avistou as costas de um belo corpo feminino postado de lado. O quarto semi-escuro não prejudicou o alcance de sua visão: ela estava nua. Os cabelos negros escorridos no travesseiro; a nuca a ensandecer um parceiro, ainda que precavido; o desenho da coluna a conduzi-lo ao quadril generoso, incrivelmente perfeito, ensejando pernas que jamais tocara, pés que jamais beijara. Mas só até aquela deliciosa noite.


No entanto, a rigor do fato, ela não lhe era nada. Contraditoriamente, era possível que ele tenha depositado nela qualquer coisa que gerasse uma vida, naquilo que se convencionou nomear de perpetuação da espécie. Era quase certo que o ato sexual havia sido consumado, pois, do contrário, ele não a teria levado até seu quarto e ela, tampouco, ainda estaria ali, deitada, ao domínio dele. Mas ela, mesmo dormindo, também o tinha, porque a bela mulher é capaz disso.

É claro que ele queria tocá-la, mas não podia. Seria o mesmo que arruinar a condição sobrenatural daquela moça. De qualquer modo, ela estava ali, mas o sono de uma mulher é indissociável do que de mais belo existe. A veneração a ela o fazia sentir-se mal: será que ele se aproveitara daquele ser, usara-a por uma noite, para depois jogá-la ao mundo como uma qualquer? Talvez, sim. Mas, de igual maneira, ela fizera o mesmo. Ela poderia querê-lo só para aquilo, pelo instante de algumas horas, uma noite de sono e nada mais.

Mas a decisão de ficar inerte era equivocada. É evidente que observar os contornos femininos é digno. O movimento que o olhar capta e o perfume que invade todos os cantos da alma dão à circunstância um relato platônico do que está estabelecido, pois, assim como você, aquele homem tinha objetivos inalcançáveis. O que seria do amor, se não houvesse as frustrações, a procura pelo impossível? Só que ele precisava ir além, descobrir nela o que ele totalmente desconhecia. Chegou perto, inspirou o cheiro daquele pescoço irrepreensível e, com a mão direita a puxar o ombro destro da criatura, colocou-a a olhar para cima, com o dorso assentado. Porém, a mulher nada esboçou. Estava morta.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

QUANDO OS OLHOS TITUBEAREM, É DEUS

Na história das religiões, verifica-se uma busca desenfreada – e compreensível – de se materializar Deus ou qualquer outra instância superior. É o anseio de tornar delimitado o que não se vê, o que não se toca e o que quase não se ouve. Uma imagem de gesso ou de papel, um testemunho dado por alguém que passara por experiência singular, os rituais no mar, a prova de um milagre. Tudo isso é feito porque o homem é limitado, mas também para que ele aborreça a dúvida que teima em se insinuar e certifique-se: “É. Deus realmente existe”.

Igual a você, eu também busco naquilo que a vida tem de mais simples a explicação que a espécie humana não pode conceber, a criação de que o homem não está apto a ser proprietário. As coisas que fogem a esse mundo não brotam daqui. O inacreditável, o momento que nos torna boquiabertos, que faz a lágrima soltar-se dos olhos, carrega em si algo sobrenatural, porque, se normal fosse, não nos faria incrédulos. Seria trivial, e o corriqueiro não muda a ordem dos acontecimentos. O ponto pacífico só é bom quando cessa a guerra. No mais, ele não rompe com nada, e por tal motivo é entediante.

Se a cadência do batimento cardíaco acelera, se os olhos esbugalham-se diante da razão furtada, temos ali a raridade. E este blogueiro crê que Deus bota em todos, até nos animais, um pouco de Si, para que o homem, na interação com os seus e com outros animais, possa deleitar-se no intercâmbio de experiências, conhecimentos e diversão. São os encontros, e não a segregação, que fazem dessa criatura inteligente e evolutiva.

"O incrédulo São Tomé", de Caravaggio
Mas alguns poucos são agraciados de forma a impressionar um número massivo de pessoas, ao mesmo tempo. E é no esporte, produto extensamente difundido pelos veículos de comunicação de massa, que se encontram uns foras de série. Ayrton Senna (automobilismo), Lionel Messi (futebol), Michael Jordan (basquete), Roger Federer (tênis) são alguns dos esportistas que fizeram ou fazem do bom senso uma prerrogativa descartável. Eles estão além daquilo que é cômodo e linear.

Isso não faz deles melhor que você ou eu. Também não é motivo para depressão ou tentativas de suicídio, lamentando: “Por que, meu Deus? Por que eles, e não eu?”. Os questionamentos são egoístas, uma vez que não anseiam Deus, e sim fama e dinheiro. Os nomes em evidência viabilizam, ao grande público, o confrontamento entre expectativa e inesperado, assustando-nos, encantando-nos. Se fizessem isso para uma única pessoa, não seriam quem são, mas tão bons quanto.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

OS RELACIONAMENTOS TENDEM AO FRACASSO

Pode até ser radicalismo de minha parte, mas não se assuste ou revolte. Você, homem ou mulher, há de concordar que a vida a dois, num relacionamento homo ou hetero, tem os seus percalços, e não são poucos. Não me entenda como um pessimista ou não-romântico. Eu posso não ser o mel em pessoa, mas impossível não reverenciar o amor. É justamente e somente ele que nos dá objetivos, que concede um norte à vida, que nos faz capazes de atitudes inacreditáveis. Ame, muito, a despeito do perigo de sofrer. Se o medo for maior, anula-se qualquer chance de subverter as intimidações e não haverá realização própria da qual gabar-se adiante, no fim da vida.

Mas, bonito ou não, o amor está mais próximo do término que do triunfo. A relação é a soma de duas individualidades que, ao longo do tempo, podem se transformar em unidade. Se isso ocorrer, felicidades a ambos, porque bem sucedidos ao unirem-se em torno de uma causa apaixonada. Se cada um for muito parecido, pouco se ensina, pouco se aprende. O contato humano serve ao desenvolvimento mútuo, de natureza social, intelectual, cultural, financeira. Se for para estagnar, pra que dividir tudo com alguém? Por outro lado, se os dois forem muito diferentes, haja divergência. Um intimida o outro, barra qualquer pretensão mais ousada ou é autor de ato invasivo. Os opostos nem sempre se atraem. A afinidade é um ponto a se considerar.

Quando se acha o meio termo, tem-se a lida diária da conquista, aquilo que não permite ao amor a rotina, elemento capaz de destruir o olhar apaixonado que outrora permeava a intimidade. O sexo pode ser ótimo. O beijo, também. Mas se uma palavra doce não escorregar daqui, um carinho tenro não pular dali, é o fim. Porque aquilo que é físico, carnal, acaba. Ou melhor, muda. Os parceiros se adéquam à idade, e o ânimo da juventude se esgota, pois chato seria se a empolgação vazia se perdurasse ad infinitum. Cada coisa a seu momento, para que o tédio não seja repleto de melancolia ou agitação. Tanto uma como outra geram a rotina.


A mesmice sempre ronda, porque o amor tem dessas coisas de acomodação. O homem (a espécie) busca o sossego, e a história humana, em seu desenvolvimento antropológico, mostra que a nossa subida rumo à excelência anseia pelo “fazer menos”. A tecnologia, em suma, é produto disso: a inteligência humana trabalhando em favor de uma vida mais cômoda, sem cansaço. Eu não quero ir até a TV para ligá-la. Quero fazer isso sentado. Não quero mais cozinhar. Quero um aparelho que o faça pra mim. Não quero ficar preso a um ponto da casa para telefonar. Quero fazer isso de qualquer lugar. E vão surgindo as invenções.

Os grandes inventos aparecem da vontade que a espécie humana tem de cada vez fazer menos. O curioso é que, no caso do amor, mesmo sem propor nada novo, obtém-se a calmaria plena, nociva ao relacionamento. Enfim, sem atuar, os atores conseguem o que desejam: o ócio. Fácil, fácil. Não é mais simples o amor permanecer. Na verdade, quando começa, ele está fadado ao término. É por isso que os casamentos longos, os relacionamentos duradouros, que preservam força e felicidade, merecem o reconhecimento de que ali, em meio ao afeto daquelas duas pessoas que se amam, houve e ainda há o empenho em continuar como estão. Porque a vida só faz mais sentido assim.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

VIOLÊNCIA EM SP: em meio ao tiroteio sem mocinhos, a política e suas vaidades

É como se a violência urbana, que abocanhou pontos específicos do Rio de Janeiro até pouco tempo atrás, tivesse tomado a ponte aérea. Sim, ela está em São Paulo, capital do Estado mais rico do país, cujo lema é Non ducor, duco (Não sou conduzido, conduzo). A Pauliceia está sem as rédeas da situação, sofrendo com policiais mortos em madrugadas violentas, o que para uma cidade do tamanho dela não é nada bom. O prefeito e o governador sucumbem, outra vez, ao poder paralelo. Kassab já está resignado, e sabe que Dilma é a única salvação – e olhe lá – para o cenário. Isso porque o político emergente saiu do time PSDB-DEM para jogar no PT-PMDB, pois, de acordo com as novas diretrizes do partidarismo brasileiro, político que preze a evidência, e não o fracasso, joga com Lula. Alckmin, não. Prefere manter uma pompa – e uma força – que não existe. Está encurralado, e, se não gritar, vai perder.

Primeiro, é evidente, todavia não devesse, que uma tomada de decisão mais pontual passa pelo interesse da política partidária, ainda que o bom senso mostre ao mais ingênuo que a situação é temerária, de âmbito civil. Tudo é muito simples: se Geraldo Alckmin reconhecer que a situação fugiu ao controle e, com isso, solicitar ajuda federal, como fez o Rio, é atestar-se incapaz, pondo na berlinda uma pretensão sua ou do PDSB ao cargo maior em 2014. Se ele não recorrer ou demorar mais a fazer isso, será negligente. Exatamente! Tudo é pensado de acordo com o poder. A sociedade e, neste caso, a preservação da vida são elementos secundários nesse processo político. Por isso, o tucano recusa ajuda de Brasília, o que é de uma mesquinharia tremenda, assim como será também quando Dilma, na campanha eleitoral, daqui a menos de dois anos, jogar na cara do candidato adversário que, se não fosse por ela, SP teria sangrado mais. A política é isso, meu caro.

Outra marca do ataque de criminosos contra policiais é a aceitação com que a população recebe o acontecimento. Muito em função da sociedade ser passiva, como é do feitio brasileiro desde que os portugueses botaram os pés aqui, com algumas louváveis exceções. Muito também porque boa parte das pessoas enxerga na polícia mais uma inimiga do que aliada. E tudo por um motivo bastante claro: a polícia também mata. O que ela recrimina dos ataques que sofre, é o que protagoniza. Não se fala aqui do confronto armado, em que é matar ou morrer. Fala-se aqui de execuções, e a polícia de São Paulo, sob o ensinamento de Paulo Maluf de que “bandido bom é bandido morto”, mata quando não há necessidade, ao invés de fazer o mais simples, prender. É como se a polícia agisse com rigor, sem ser preciso, e se omitisse quando a ocasião é de enfrentamento. Nessa toada, já fez muito inocente defunto.


Nem todos os policiais se enquadram nisso. Além de ganharem pouco e serem mal treinados e equipados, dedicam-se a uma profissão arriscada, colocando em xeque a sua integridade, correndo o perigo de deixarem filhos e esposa. Mas não são raridades os PM’s que se acovardam no momento em que precisam aparecer, ou que se agigantam para aplicar multas de trânsito, ou que se aliam ao próprio crime, ou que assassinam bandido ou não. Um pouco de cada falha, que se repete não na maioria da corporação, mas em grande escala, tem parcela de responsabilidade no que se vê agora em São Paulo.

A ideia de separar os principais responsáveis pela onda de ataques, colocando-os em presídios distantes e desarticulando a espinha dorsal do PCC, simboliza a falência, aí não da polícia, mas das políticas de segurança pública. Como se as facções criminosas se comunicassem pessoalmente, e não por celulares, que entram aos montes nas penitenciárias de todos os lugares. Não adianta separar, mesmo porque as operadoras de telefonia celular oferecem promoções imperdíveis envolvendo ligações entre Estados, SMS entre operadoras diferentes e acesso à internet. E quem comanda o crime de dentro das prisões sabe e acessa as facilidades de comunicação.

A solução não é fácil, mas há guerras civis por aí, inclusive na Colômbia, que são bem mais complexas que as nossas. Por enquanto, é só dar à PM melhores condições de trabalho e tirar dela a prática atrasada, de matar por matar, que nivela a corporação aos criminosos quando assim ocorre. Ao Estado, cabe financiar esse avanço, preparar leis que punam o infrator, seja ele policial ou não, e tentar conduzir a situação com mais zelo à sociedade e menos interesse político. Ao povo, cairiam bem o protesto e um voto nos projetos que priorizem um país mais moderno, não só na engenharia, mas na mentalidade.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

É CLARO QUE EU TÔ COM OBAMA [parte II]

[continuação do post de ontem]

Nesse cenário eleitoral, Obama desponta como a melhor alternativa outra vez. É verdade que a economia americana ainda patina, assim como ocorre no mundo todo, praticamente. É verdade, também, que o desemprego é alto, fator que provoca desconfiança em quase metade do eleitorado americano, sem contar os cidadãos que escolheram não votar, devido à frustração com o primeiro mandato. Ele não cumpriu muito do que prometera no discurso de 2008 recheado de mudança, esperança e o tão profanado Yes, we can. Mas, além das taxas de desemprego virem caindo, o atual presidente enfrenta até com certa paridade de forças a crise econômica que desabrochou em 2008 e que teve como epicentro, não por acaso, os Estados Unidos, ainda sob a tutela de Bush. Barack deu um azar tremendo, porque pegar um país desses, numa crise daquelas e dessas, é um pepino dos grandes. Não creio que um republicano fizesse melhor.

Quando foi necessário, usou o Estado para salvar a economia, como é praxe do mais capitalista dos seres humanos que, embora negue, sabe que em meio ao caos só a máquina governamental para salvar a livre-iniciativa daquilo que ela não é capaz de solucionar sozinha. Depois da recessão de mais de 3% em 2009 (primeiro ano de mandato), algo que não ocorria há 80 anos, o saldo no PIB veio nos dois últimos anos (3 e 1,7%, respectivamente). O desemprego, que chegou a 9,3 e 9,6%, em 2009 e 2010, recuou em 11 e 12 (9 e 8,2%). A recuperação é lenta, porque o tombo foi grande. A economia deixada hoje por Obama é melhor do que a legada por Bush há quatro anos.


Fora isso, Obama implementou reforma no sistema de saúde, ampliando a sua abrangência; afrouxou o unilateralismo da política externa característica dos republicanos, em que as relações comerciais e diplomáticas devem ser boas aos EUA, e só. A ideologia reacionária de que Deus criou os Estados Unidos para liderarem o mundo, expressa em vários filmes hollywoodianos sobre catástrofes naturais, é bradada por Romney a quem quer ouvir. Prova de que o resto do mundo é traço, segundo a ortodoxia mais que conhecida do partido de Mitt e boa parte dos sobrinhos de Tio Sam. O mesmo partido e o mesmo Romney que recriminam as minorias (negros, latinos, mulheres, homossexuais), os programas assistencialistas necessários, que olham a América Latina, a África e a Ásia de cima.

Do ponto de vista interno, Obama terá, ao menos, dois problemas: apesar da maioria no Senado, a Câmara terá, de novo, mais republicanos. Nos Estados, a oposição fez mais governadores. O outro desafio – esse mais árduo – é provar para quase metade do eleitorado, que vota com Romney, que com ele o país será melhor. Uma nação dividida e a minoria na Câmara podem pesar para que o segundo mandato, assim como o de quase todos os políticos reeleitos, não seja tão bom. Caso a vitória de Obama se confirme, pela terceira vez consecutiva os Estados Unidos reelegem um presidente (Clinton: 1993-96; 1997-2000. Bush: 2001-04; 2005-08. Obama: 2009-12; 2013-16).


No âmbito internacional, a vertente democrata de liberalizar as relações deve ser mantida, mas com ressalvas. Se não vai atacar, Obama deve continuar neutro em relação à Palestina, por exemplo, porque o americano – não todos, mas não poucos – não tolera tamanha liberdade ao povo muçulmano. É da cultura estadunidense a interferência, achando até como um direito seu intervir na soberania, liberdade, independência, autonomia de países estratégicos. Curiosamente, tudo o que os EUA preservam para si é motivação para não permitir aos outros.

Se eu fosse um norte-americano – ainda bem que não sou –, votaria em Obama. Porque eu não seria um cidadão complexado e conservador, como o é quase metade da população dos Estados Unidos. O democrata simboliza uma postura mais solidária, menos egoísta, porque os EUA não estão sozinhos no mundo, ao contrário da ideia de que os Estados Unidos são o mundo, profanada à boca miúda pelos republicanos e boa parte da população de lá. Mas eles falam essas coisas bem baixinho, a cochichar o que pensam sobre si e sobre os outros, pois sem coragem de falar em voz alta, já que não pegaria muito bem. O problema, mais do que esse, é que tem muito americano que gosta disso.

[Obama já é o presidente reeleito dos Estados Unidos para os próximos quatro anos, mesmo sem ter finalizado o processo de apuração. Até o momento, o democrata obteve quase 60 milhões de votos e 303 delegados. Mitt Romney teve pouco mais de 57 milhões de escolhas e 206 delegados. Em percentuais, Obama venceu por 50 a 48. Aproximadamente 117 milhões de eleitores foram às urnas]

terça-feira, 6 de novembro de 2012

É CLARO QUE EU TÔ COM OBAMA [parte I]

Se as eleições de lá fossem rápidas como as de cá, amanhã pela manhã o 45° presidente dos Estados Unidos seria conhecido pelo mundo. Só que como o Brasil é desenvolvido e os EUA, atrasados, a gente vota na urna eletrônica, enquanto eles, na cédula, para depois esta ser colocada numa máquina e contabilizar-se o voto, tal como são corrigidos os gabaritos de uma prova de múltipla escolha dos maiores vestibulares e concursos do país.

E eu não esconderia a minha alegria se Obama fosse novamente escolhido. Assim como em 2008, não há alternativa melhor aos EUA e, por que não, ao Brasil, do que o democrata, até porque seria fiasco mundial alguma frente não ser melhor que a republicana. A cota de Bushes, Reagans e Nixons já estourou faz tempo. Pode ser injustiça e radicalismo de minha parte, mas não consigo enxergar um presidente do partido republicano que tenha sido minimamente razoável.

Antes de apresentar os argumentos favoráveis ao mestiço na Casa Branca (filho de pai queniano e mãe americana), um pouco sobre o processo eleitoral de lá. Apesar de democrático, republicano e presidencialista, como o nosso, o sistema deles tem a peculiaridade dos delegados e colégios eleitorais, que já deu muito pano pra manga, inclusive com uma vitória duvidosa de George W. Bush, o filho, sobre Al Gore, em 2000.


Se é que é possível afirmar isso, o pleito norte-americano é direto e indireto ao mesmo tempo. É como se a escolha fosse direta, mas o voto, não. No Brasil, temos os candidatos a presidente, por exemplo, e vamos às urnas para escolher um deles – ou nenhum. O nosso voto é computado diretamente ao postulante. Lá, não.

Primeiro, a eleição lá é facultativa, ocorre durante vários dias e o momento derradeiro, hoje, está no meio da semana, dia normal de trabalho e aula. Até ontem, 31 milhões de eleitores já haviam votado de forma antecipada, o que permite concluir que dificilmente existirá uma cifra próxima à de 2008. Naquele ano, 131 milhões, ou 64% do eleitorado, foram às seções eleitorais, muitos impulsionados pela empolgante campanha de Obama, ânimo que não se repete este ano, dando uma margem para que a abstenção conceda a vitória a Romney. Com uma população de, aproximadamente, 315 milhões de habitantes, os Estados Unidos têm por volta de 210 milhões de eleitores.

Além de Barack e Mitt, outros 143 candidatos concorrem à presidência dos Estados Unidos. Porém, só os dois principais podem ser votados em todos os Estados, o que inviabiliza a tentativa dos demais de serem eleitos. O fato é que os eleitores americanos vão às urnas e votam no candidato preferido, assim como nós. Só que essa conta simples não define o Chefe de Estado deles. O que conta, realmente, é a quantidade de delegados em cada Estado, número estipulado com base no contingente populacional de cada Estado. Vejamos como isso acontece.


No Estado do Texas, por exemplo, há 38 delegados eleitorais. Se ao final da apuração as urnas marcarem 60% a 40% pró Obama (no voto popular), significa que todos os 38 delegados estarão com o atual presidente. As porcentagens 60-40 do voto do povo não se reproduzem, igualmente, no colegiado (ou seja, 60% dos 38 são Obama, enquanto que 40% dos 38 estão com Romney. Não é assim que funciona). Se Obama vencer por 99% a 1% ou 51% a 49%, automaticamente todos os delegados do Texas, sem exceção, estariam com ele. E é a quantidade de delegados eleitorais, e não de voto popular, que define quem será a autoridade maior dos EUA de 2013 a 2016. O colégio eleitoral reúne, ao todo, 538 delegados espalhados por 50 estados, além do distrito de Colúmbia (similar ao nosso DF), onde se encontra a capital Washington. O candidato que reunir 270 delegados é o vencedor.

A partir disso, a gente se permite pensar: “mas então é possível um candidato receber mais votos populares, porém não ser eleito?”. Sim, como em 2000 (Al Gore obteve 50.999.897 votos – 266 delegados; Bush recebeu 50.456.002 – 271 delegados). A mesma situação ocorreu em outras três oportunidades. Por isso é que alguns Estados passam a ser estratégicos nas campanhas presidenciais, locais em que há grande número de delegados, estabelecendo maior representatividade, ou que têm a sua população indecisa. É uma fórmula questionável, muito confusa a uma ocasião que pede clareza, e o orgulho americano, de baluarte da democracia republicana, continuará fingindo que está tudo certo e que a mudança é para os outros, menos pros EUA.

[continuação no post de amanhã]