Não que eu seja
um telespectador assíduo de Avenida
Brasil. Pelo contrário. De toda a novela, eu devo ter visto uns 10% da
trama. Só que como o país discute mais do que deveria esse assunto, é possível
saber, mesmo que por cima, quem é quem na história de João Emanuel Carneiro.
Enquanto Nina (Débora Falabella) e Carminha (Adriana Esteves) são terrivelmente
más, Tufão (Murilo Benício) é um otário, daqueles que nos fazem querer tê-lo
como nosso credor ou gerente de um banco.
Em tese, a vilã
da história é Carminha, e o clamor popular atua no sentido de que ela se lasque
na sexta-feira da semana que vem. Ou até antes, se possível, embora, ao que
consta, ela já tenha passado por maus bocados no meio da novela. O apelo é pela
vitória de Nina, mas, imperceptivelmente, torcemos por ela, pois, assim como a
personagem vivida por Falabella, somos hipócritas. Aceitamos as nossas
barbaridades. As dos outros, jamais. Nina é tão cretina quanto Carminha, embora
aquela tenha a seu favor o fato de haver sido uma criança sofrida. Se Mandela
fizesse vingança, a África do Sul estava a se matar até hoje.
Sou contra a
derrota de Carminha. Se a arte reproduz as vicissitudes da vida, nada mais
justo a personagem de Adriana Esteves triunfar. Lembro-me do final da novela Passione, de Silvio de Abreu, em que
Clara, interpretada por Mariana Ximenes, barbarizou a vida de Totó (Tony Ramos).
No fim, enquanto seu comparsa Fred (Reynaldo Gianecchini) terminou na cadeia, ela
conseguira escapar, livre de qualquer perseguição, em um país de raras belezas
naturais. Ela enganou e matou, mas venceu, e afrontou o senso comum, porque o
público gosta de tudo muito fácil e correto. Só que de facilidade e correção a
vida – e o próprio telespectador – não tem nada.
O que se ouvia
era: “Como a vilã não morreu ou foi presa? Olha o exemplo que a novela dá!”. E
a realidade, caro internauta, que exemplo concede à ficção? Nenhum. O cotidiano
é repleto de injustiças, desencontros e canalhices por todos os lados: no
trabalho, tem sempre algum safadinho querendo te ferrar; nas ruas, quantos já
não tentaram te passar a perna? Na política, sobram representantes que compram
votos, que descumprem promessas, que te fazem de Tufão. E que você e eu não nos
eximamos dessas culpas, porque é da nossa índole a malandragem aqui e acolá. A maior
parte de todas essas coisas não é punida. Por que Carminha há de ser?
A condescendência
com a afronta e o crime é tamanha, que ao vermos o STF botar os corruptos no
xadrez exaltamos os ministros, especialmente os que votaram pela condenação. No
fundo, eles não fazem nada além do básico, que é punir quem infringiu as normas
que regem a sociedade e que devem ser válidas a todos, abastados e miseráveis. Mas
como a justiça se tornou virtuosa, ao invés de ser praxe, ficamos incontidos
quando a bagunça é desfeita e as peças, botadas em seus respectivos lugares.
Ao maravilharmo-nos
com a punição a Zé Dirceu, Genoino, Delúbio, Marcos Valério, Roberto Jefferson,
afirmamos que a vida é recheada de desilusões. Se as mesmas frustrações daqui
estiverem lá, na tela, haverá ali um retrato pouco caricaturesco da vida real.
Que Nina case,
seja com quem for. Que Tufão use a sua experiência de enganado para abrir mais
os olhos. Que Carminha termine bem, sem morrer, sem ser presa, porque a
resolução de todos os nossos problemas, verdadeiros ou fictícios, não passa,
necessariamente, pelo abatimento dos incansáveis vilões.
Boa reflexão!
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