A tentativa de
glamourizar as ações, tornar tudo muito respeitoso, inofensivo e bonito, como
relatamos ontem, é o reflexo do que se passa nos nossos estádios, especialmente
os mais novos construídos para a Copa de 2014. Como se não bastasse a
higienização das arenas, fazendo com que todos os setores tenham acesso caro, o
que inibirá a presença de todas as classes nos campos, os estádios públicos são
financiados pelo dinheiro nosso, para depois serem entregues à iniciativa
privada. É bem-vinda a mudança para melhor, com acomodações mais confortáveis e
seguras, ao contrário do que o brasileiro enfrentava há alguns anos. Mas se for
a um preço muito elevado para o bolso do protagonista de tudo isso, o torcedor,
a validade será nula.
Naquilo que era o
Maracanã (só se manteve a carcaça, tombada como patrimônio cultural) foram
investidos, até agora, quase R$ 900 milhões. Até o fim do próximo ano, data
prevista para o encerramento das obras, o custo deve ultrapassar a marca de R$
1 bi. A reconstrução é financiada pelo povo, que não ficará com a gestão, pois
o Estado, para desonerar os cofres dos gastos com manutenção, irá licitá-lo a
empresários.
De acordo com o
edital, o arrendamento vale por 35 anos, e o Estado cobrará da empresa
vencedora o valor de R$ 7 milhões ao ano. A conta não bate. Serão 245 milhões
de reais ao fim das três décadas e meia. Daqui a 35 anos, os cofres públicos
terão recuperado pouco mais de 27% do que custeou. É um balde de mamão com
açúcar para a iniciativa privada, que irá lucrar, no decorrer desses anos, com
os eventos que promover ali: futebol, UFC, shows de música. Sem custo algum
para reconstruir o local, a empresa que vencer o certame pegará tudo pronto. O
mesmo acontece em todos os outros estádios, com exceção do Beira-Rio e da Arena
da Baixada, não por acaso as duas obras mais atrasadas. Onde tem dinheiro
público, a coisa anda, e bem. O estádio do Corinthians é uma exceção, mas
repleto de irregularidades também.
Assim como na Europa,
aqui no Brasil tem-se a ideia de que encarecendo o acesso, a violência diminui,
como que dizendo “o culpado pelos confrontos entre torcidas, mortes de
inocentes, é do pobre”. O problema da criminalidade, seja nos estádios ou em
qualquer outro lugar, tem duas motivações: a falta de policiamento e a
impunidade, a sensação de que nada acontecerá, mesmo que o delito seja imenso.
O problema de
tanta pompa já é questionado pelo senso comum: investe-se dinheiro público em
estádios, negligenciando educação, saúde, saneamento, segurança, moradia. É uma
mentalidade batida, mas que faz sentido. O Brasil executa o caminho inverso, de
propósito, porque bota dinheiro na mão de políticos e empresários: ao invés de
investir no país, desenvolvê-lo e prepará-lo para a Copa, faz-se primeiro o
mundial, e depois a gente vê se o país cresce.
A proposta de um
grande evento vem acompanhada de um legado, aquilo iniciado na Copa ou
Olimpíada que ficará à posteridade para uso e desenvolvimento social. Qual o
legado da Arena Pantanal, por exemplo, erguida em Cuiabá? Um estádio para 40
mil pessoas numa região sem apelo ao futebol. Manaus, Natal e até Brasília
estão na mesma situação. (Para entender o que poderá acontecer com as arenas depois da Copa, ver http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2012/10/24/quatro-dos-12-estadios-da-copa-devem-ser-elefantes-brancos-apos-torneio-diz-estudo.htm). Não haverá utilidade ao futebol, nem a um projeto
social voltado ao esporte. Essas arenas irão se tornar o que se convencionou
chamar de “elefantes brancos”, assim como algumas obras feitas para o Pan-2007,
no Rio, que não servirão às Olimpíadas de 2016. O Estado botou dinheiro lá,
gastou, enriqueceu alguém e... agora não servem. Façamos outras. É, sim, obrigação
das prefeituras, governos estaduais e da União bancar a construção e ampliação do
transporte público, melhoria de ruas e avenidas, aprimoramento de hospitais, do
policiamento, dos aeroportos. Enfim, tudo o que ficará depois, e não irá embora
junto à Copa.
Futebol está
ficando chato, porque limpinho por todos os lados, silencioso por todos os
lados, a um custo que nem todos os lados poderão pagar. O povo será excluído, e
esse esporte, que abocanhou as mais diversas classes e culturas, corre o risco
de meter os pés pelas mãos. O torcedor – o que conseguir pagar ingresso –
voltará a usar terno, gravata e sapato para ver jogos in loco. O pobre, que também pagou pela elitização das arenas, só
verá as disputas pela TV, talvez até num aparelho irretocável, mas sem a emoção
da massa gritando GOL.
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