segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A transgressão de Adão e Eva mudou a história da humanidade

Estava cá a pensar em Adão e Eva, os dois personagens abençoados por Deus para inaugurar a travessia judaico-cristã e descritos por Moisés como sendo a moça e o rapaz que deram o pontapé inicial na história humana. Na contramão do que se prega, o pecado original representou a catraca livre para a liberdade. Deus, tendo a bondade que tem, não seria mesquinho a ponto de fazer da sua criatura mero divertimento, algo a funcionar tal qual um equipamento movido a controle remoto. Não parece ser do feitio de uma divindade agir assim.

Pontuemos: extraindo metáforas e parábolas de que a Bíblia é pródiga, não havia fruto algum. O que ocorreu no Jardim do Éden foi a cópula entre homem e mulher, dois belos e apetecíveis pedaços de mau caminho que deliberaram entornar o caldo do sexo, a sensação mais incrível que o bicho – pensante ou não – pôde conceber. Como os nudes comiam solto naquela época, encostaram uma pele na outra, fizeram os corpos se aquecerem e, ao contrário do que acontece conosco hoje, sentiram vergonha.

Isso posto, Adão e Eva estavam numa encruzilhada: escolher o determinismo imposto por Deus ou o livre-arbítrio, artifício igualmente postulado pela figura maior entre judeus e cristãos. Pra sorte de todos que vieram depois deles – você e eu, inclusive –, preferiram transgredir e assumir a autoria dos seus próprios atos. Se tivessem seguido a vontade divina, que mérito haveria na ação do casal? Rigorosamente, nenhum. Teriam agido bem, mas não por vontade. Não há virtude na servidão.

"E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela" [Gênesis 3:6].[Foto: www.novas.blogspot.com]
É por isso que o existencialista francês Sartre afirmou que o homem, livre que é, tem consciência da responsabilidade sobre o que fará e, por isso, é um ser angustiado. Em suma, o casal primogênito abriu as cortinas do espetáculo chamado ética. Se ética é a reflexão que antecede a melhor conduta, moral diz respeito à ética consumada, ao ato em si, fruto do pensamento ponderado, submetido a rigorosos critérios de escolha e renúncia. Ambas – moral e ética – dependem de uma prerrogativa elementar: a liberdade do sujeito que age.

Por que um pit bull não é julgado por atacar um pedestre? Por que uma cobra não é incriminada por picar alguém? Por que um leão não é condenado por avançar numa pessoa? Porque o animal, silvestre ou doméstico, não age livremente. O animal que não pensa é vítima do seu instinto, uma vez que o impulso se põe acima de qualquer outra faculdade que o bicho irracional possa ter. Ele vive a única vida que poderia viver, regido que é pelo princípio da necessidade.

Machado de Assis, talvez o maior de todos os escritores nossos, em algumas linhas de Dom Casmurro, tratou, assim como Chaplin, de dizer verdades em tom de brincadeira. Com a ironia fina que lhe era praxe, no capítulo XVII, intitulado “Os Vermes”, o autor mostra como a vida de um bicho, ao contrário da nossa, está completamente entregue a uma única possibilidade. Quando Bentinho, personagem principal e narrador da história, depara-se com livros comidos por vermes e indaga-os a respeito das informações que não mais podem ser lidas, eis que um deles responde: “Meu senhor, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhemos o que roemos, nem amamos e detestamos o que roemos: nós roemos”.

O brasileiro Machado de Assis [foto] e o português Eça de Queirós, expoentes da literatura realista, davam às personagens femininas muita densidade ética. Capitu, em Dom Casmurro, e Maria Monforte, n'Os Maias, demonstram isso.[Foto: www.obviousmag.org]
Aristóteles defendia que se os fenômenos da natureza e os bichos tinham uma função específica no cosmos, o mesmo ocorria com o homem. Cabia a este identificar o seu papel no mundo, para o próprio bem e do local onde vivia. Esse papel seria posto em prática com base num talento nato, parte constituinte do indivíduo desde o nascimento e aprimorada com o tempo. Os gregos, em contraponto à filosofia moderna, eram adeptos do determinismo. Não era de se surpreender: numa sociedade aristocrata, quanto menor o ambiente para a mudança, melhor.

Já para o pensamento moderno, na esteira das descobertas científicas de Newton, Galileu e Copérnico, o universo não era finito e ordenado como defendiam Aristóteles e Ptolomeu. E, sendo assim, os indivíduos não tinham papeis específicos e definidos. Está claro, sim, que o homem atua permeado também pelo instinto. É o instinto que leva o bebê recém-nascido a sugar o seio da mãe em busca de leite. Ninguém disse a ele que era preciso fazer daquele modo, nem que ali havia leite – ele não seria capaz de compreender. Ainda assim, a criaturinha o faz, como se houvesse um chip programado pra levá-lo a agir de tal forma. Mas o que prevalece no bicho homem é a razão, a capacidade inteligente de ponderar os efeitos da sua ação, agindo de modo a buscar o melhor pra si, sem prejuízo a outro. No limiar de tudo, é o que nos difere do restante da natureza. Negar a liberdade é, pois, recusar a humanidade que nos foi legada ou conquistada.

Perceba que estamos aqui no coração do Direito: sem liberdade, não há culpa; sem culpa, não há julgamento. Porque o determinismo defende, com feições equivocadas, aquela máxima em que muitos se escoram para justificar seu comodismo e ineficiência: “as coisas são assim mesmo, não há o que fazer”. Sem terem consciência disso, assim vive um gato, uma tartaruga, uma formiga.

Ética, então, é quando ajo sem o medo da consequência, mesmo que não haja um tipo sequer de patrulhamento sobre a minha ação. O alemão Kant, ao contrário do utilitarista Stuart Mill e do pragmático Maquiavel, pregou que o fundamento moral não está no efeito do ato, porque agir conforme um fim coloca as condutas na corda bamba dos relativismos. Para ele, a base da ação está no intento, naquilo que, a priori, move o ator social. A isso ele chamou de imperativo categórico, expressão mais que consagrada do pensamento kantiano. Se atuo bem, mas tendo como impulso uma aceitação social, a ação é lícita, mas não moral. Em miúdos, eu não devo ceder meu lugar no busão a uma idosa porque as demais pessoas verão nobreza em mim. O banco deve ser cedido porque, conscientemente, cheguei à conclusão de que é sensato fazê-lo.

Em Crítica da razão prática e Fundamentos da metafísica dos costumes, Immanuel Kant trata da ética, afirmando que as condutas mais indicadas são aquelas pautadas pela vontade, e não pelo desejo
[Foto: www.pt.wikipedia.org]
De igual modo, o medo da punição não torna a minha ação ética, ainda que eu possa avaliá-la como correta. Se o aluno não cola na prova porque o professor está em sala, mas, caso não estivesse, consultaria o conteúdo no caderno, o ato de não colar, neste caso, não é moral, apesar de não ter ferido qualquer exigência postulada antes do início da avaliação. A moral passa a valer quando o professor não está em sala e, mesmo assim, o estudante delibera não colar, porque sabe que, com isso, infringiria uma norma que permanece válida com ou sem o professor perto dele.

Em oposição, a criança que nasce com leucemia não decidiu ser doente, coisa que ninguém, com exceção do hipocondríaco, deseja. O adoecido estará condicionado a uma vida que não escolheu ter. Porém, é exagerado afirmar que “essa foi a vontade de Deus”, como se o determinismo divino explicasse aquilo que custamos compreender. O corpo humano, na imensidão da complexidade em que está imerso, tem um funcionamento alheio às nossas ordens, tal como o sangue que circula ou os neurônios que realizam sinapses. Embora, é bom que se registre: uma anomalia hoje pode ter explicação prática em alguma ação, seja da própria pessoa ou de outra, que aconteceu no passado. A despeito de não explicar tudo, a ciência alcança respostas que o misticismo faz questão de ignorar.

Se Adão e Eva não fossem pioneiros no acasalamento humano, o livre-arbítrio seria uma grande falácia. Se Adão e Eva fizessem o que deles se esperava, a predestinação triunfaria, nós não nos empenharíamos em evoluir e não seríamos nem metade do que somos hoje. Se Adão e Eva mantivessem a compostura, o sexo não seria proibido e tão bom como é. Eles teriam se comportado, tirado dez na avaliação divina. Mas se o medo da punição pauta o ato, cadê a honra da boa conduta? Mandela, Gandhi, Luther King e Betinho cravaram seus nomes na história porque decidiram fazer o que fizeram. Hitler, na intenção inversa, idem. Todos optaram, e foram julgados para o bem ou para o mal.

Mesmo hemofílico, tuberculoso e HIV positivo,
o sociólogo Betinho não deixou de militar contra a fome, a miséria e a ditadura
[Foto: www.vivario.org.br]
Milan Kundera, em A insustentável leveza do ser, já nos encaminhamentos finais da sua obra mais proeminente, registra um diálogo entre o casal protagonista da história, Tomas e Tereza. Sentindo-se culpada pelo fato do amado ter negligenciado o ofício da Medicina para segui-la, Tereza lamenta: “Sua missão era operar!”. Tomas, ciente de que a predestinação é um engodo, responde: “Missão, Tereza, é uma palavra idiota. Eu não tenho missão. Ninguém tem missão. E é um alívio enorme perceber que somos livres, que não temos missão”.

Tereza havia se perdido na explicação cósmica para as frustrações da vida, como se os insucessos germinassem à revelia de uma causa humana. Tomas compreendera com boa dose de sucesso que a gente pode fazer, refazer e desfazer muita coisa. A não ser que você seja um dos vermes descritos por Machado.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Em catorze pontos, o impeachment

De início, registro já a minha posição: com as cartas que estão na mesa até o momento, sou contra a destituição da presidente Dilma.

Dito isso, o impeachment está previsto em Constituição (Capítulo II; Seções I, II e III) e na Lei nº 1079/50, e o mecanismo em si é democrático. Basicamente, serve para que um presidente não faça o que bem entender no uso de suas atribuições. O dispositivo do impedimento evita que o mandatário se coloque acima do cargo que a população lhe conferiu. A presidência fica, pois é um componente do Estado. O presidente passa. Quando Collor renunciou, pouco antes do Senado determinar a sua 'deposição', o impeachment foi bastante saudável a ela, a tão bela e imprescindível democracia. Isso é um ponto.

A presidente que agora está na berlinda faz um 2º mandato abaixo da crítica. Propôs uma campanha em outubro, e, no pontapé inicial da sua segunda gestão, desdisse o que havia prometido, executou tudo aquilo que acusava ser o expediente do seu adversário. Ou seja, traiu o seu eleitor. Ciente de que o país não poderia passar ileso pela crise norte-americana de 2008 e nem pelos incentivos ao consumo – acertados à época – do final da era Lula, forjava um país de artificialismos. Hoje há desemprego, inflação na casa dos 10%, recessão. Esse é outro ponto.

Só que o deputado que deflagrou o processo é Eduardo Cunha, alguém que não é comparável a Dilma do ponto de vista criminal. Cunha ocultou bens e há um extrato - sim, uma prova cabal - de uma conta na Suiça - obviamente não declarada ao fisco brasileiro. Cunha, definitivamente, é digno de punição. Dilma, não. Ao menos por ora, não há nada que recaia sobre ela quanto a crimes de responsabilidade, os únicos capazes de botá-la na cova dos leões. Se um mandatário é ruim – e Dilma tem sido –, temos aí um argumento que não legitima a sua saída. Se no futebol, quando um time perde três seguidas, a solução em mãos é mandar o técnico embora, aqui, meus amigos, a batida da banda é outra. É por isso que a democracia tem no Direito a sua base de sustentação. Se um mandatário deve ou não sair, façamos o mais prudente: consultemos a lei, o parâmetro criado justamente para evitar relativismos, subjetividades e meros desejos. Temos aí um terceiro ponto.

Se fosse num jogo de Truco, Cunha teria zap. Como se trata de política obscura, ele tem grana na Suíça.
[Foto: www.brasilpost.com]
É importante lembrar: a Câmara não decide nada, só dá andamento ou arquiva o processo. Quem vota pela permanência ou destituição da presidente é o Senado. Outro lembrete: o processo pode nem chegar aos 81, já que se pelo menos dois terços da Câmara não disserem “sim” ao processo, ele é arquivado. Algo exatamente igual ao que se passou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – sim, ele mesmo, o ídolo tucano –, que em 99 – também sem crime de responsabilidade comprovado – quase foi enxotado do Planalto. O processo morreu na Câmara, então presidida – pasmem! – por Michel Temer, agora vice de Dilma, herdeiro imediato da cadeira mais estofada do país e que, por oportunismo, agora tenta se descolar do governo. Quão encantadores são os meandros da política brasileira, não? Já são quatro pontos.

Já era hora de Cunha parar de embromar, de fazer joguinho num país de mais de 200 milhões de pessoas, um lugar que apresentou boas mudanças nos últimos anos, mas que agora se encontra estagnado. Do ponto de vista político – e por tabela econômico, social e cultural – não aconteceu rigorosamente nada em 2015. O Congresso só se prestou a votar pauta-bomba (terceirizações, redução da maioridade penal, financiamento privado de campanha), negligenciando aquilo que de mais importante há para o país. Justiça seja feita: Eduardo Cunha é um monstro [que Darwin me permita o termo] criado pelo próprio PT. O PSDB, que não é bobo, nem nada, trata o nobre deputado com excessiva obediência, dando-lhe de beber e comer. Vejam só, mais um ponto.

Tecnicamente falando, a partir da instauração do rito [que se deu no dia 03/12] e de uma comissão especial que conterá representantes de todos os partidos, respeitando a proporcionalidade da casa, Dilma terá dez sessões da Câmara para apresentar defesa. A partir disso, a comissão terá outras cinco sessões para formular um parecer, que pode deliberar pela continuidade ou arquivamento do processo sem que ele siga ao plenário da Câmara. Se a comissão optar pelo seguimento, abre-se votação no plenário para saber se a questão caminha ou é arquivada [a Câmara, como já dito, não tem o poder da decisão final sobre o mandato de um presidente]. Se 2/3 [352 deputados] da casa votarem “sim”, Dilma é afastada por 180 dias, e, durante esse período, o Senado terá de decidir pela permanência ou destituição da presidente do cargo, também numa votação em 2/3 [54 senadores]. Se menos de 2/3 da Câmara disserem “sim”, o impeachment é arquivo, e nem vai à casa presidida por Renan Calheiros. Em caso de passagem pela Câmara, se o “sim” não atingir 2/3 do Senado, Dilma retorna em imediato ao Planalto. Eis o sexto ponto.


A parte que cabia a Eduardo Cunha no processo de impeachment já foi feita. Agora, resta a nós a discussão, colocar na balança o que pode levar Dilma ao impedimento ou a obviedade da sua manutenção no cargo maior da República. Não é indicado fomentar uma dança das cadeiras no principal assento da política, se não for algo passível de se fazer. E o que determina a viabilidade do impedimento? Como já exposto aqui, a lei. O que vale nessa história são os parâmetros legais, e não o que Aécio, FHC e Cunha dizem em público, aquele “papo pra boi dormir”. Agora, é condizente com o nosso papel cobrar o afastamento de Cunha não só da presidência da Câmara, mas do Congresso. Há algum tempo já existe um extrato bancário que serve como prova da sua corrupção, do mesmo modo que o áudio com a voz do petista Delcídio do Amaral serviu para botá-lo na cadeia. Parece-me tudo muito simples. Quantos pontos? Sete.

Na contramão de uma avaliação mais calma e criteriosa, temos dois lados: o maior, de oposição a Dilma e ao PT, que quer o impeachment por... não gostar de Dilma e o PT. Razão pela qual o impedimento da presidente é pauta na agenda da oposição desde que a mesma perdeu as eleições em outubro do ano passado. Sim, um ano e dois meses depois os oposicionistas “politizados” querem Dilma fora, o que dá a essa vontade um caráter menos objetivo, prático e técnico, e mais artificial, sem embasamento, desculpa do mau perdedor. Nesse sentido, seria mais oportuno que a legião de adeptos do impeachment tivesse a coragem de se mostrar: “Queremos a queda de Dilma, o aniquilamento do PT e a volta do PSDB ao poder”. Seria bem mais saudável à democracia se as intenções transcorressem às claras. O que é ponto pacífico é que Aécio foi derrotado em outubro de 2014, e os tucanos e simpatizantes, para o bem do país, precisam entender isso. Mais um, oito.

De outro lado, há o petismo, que era maioria no último pleito, mas que desde janeiro de 2015, depois de Dilma dizer que tudo o que ela disse nas eleições era trololó, virou minoria. Essa face da moeda, que defende a presidente e o partido, vigora por... gostar da presidente e do partido. Assim como o lado de lá, não há uma preocupação com o país, um diagnóstico de que as coisas não estão agora como já foram nas duas gestões de Lula e na primeira metade do governo Dilma. É evidente que o governo perdeu o prumo em algum momento, e não reconhecer isso, além de burrice, é fomentar a manutenção de uma conjuntura que engolirá Dilma, Lula e o próprio PT. Teria o partido perdido o projeto, a capacidade de governar o país? O fim do PT parece ser o mesmo dos tucanos em 2002: ineficiência, corrupção sofisticada e esquemas generalizados. Não perca a conta: nove.

O ano mudou e, junto, o discurso de Dilma. A vaca tossiu.
[Foto: www.joseliamaria.com]
No pedido de impeachment feito por Reale e Bicudo, aceito por Cunha na última semana, toda a argumentação e documentação comprobatória versam sobre as pedaladas fiscais. Em resumo, a Caixa, o FGTS e o BNDES arcaram com gastos do governo, sendo que a União não os ressarciu, justamente para que não houvesse um déficit que configuraria crime de responsabilidade, descumprindo a Lei Orçamentária. A União manteve um dinheiro em caixa que, por direito, não era dela. Claramente, houve uma maquiagem. No frigir dos ovos, eis o crime de responsabilidade. Mas há um problema nesse enredo todo: o ‘ajeitamento’ nas contas aconteceu em 2014, último ano de um mandato de Dilma que já não é mais o atual. O parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição parece esclarecer: "O presidente da República, na vigência de seu mandato [grifo nosso], não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Quem diria! Temos o décimo ponto.

Nos vemos, então, diante de um crime cometido contra as finanças públicas – assim como o fizeram FHC e Lula – e, de acordo com a lei, nada pode ser feito no sentido de incriminar os três. No que cabe a 2015, pouco depois do presidente da Câmara acatar o pedido de impeachment, a casa, que foi indigesta a Dilma quase o ano todo, aprovou o déficit de quase R$ 120 bi pra este ano. Dessa forma, dificilmente será necessário ‘pedalar’ novamente para cumprir a margem fiscal, já que a meta está negativada ao extremo. Ou seja, a base do impeachment de 2015 não existe mais. E o pior: tudo dentro da lei. Em todos os casos, é como se a falcatrua fosse legitimada. Hora de se rever a lei, porque quando ela passa uma rasteira no povo, a democracia regride. 11º ponto.

A oposição, que já se organizou em três manifestações de rua em 2015 e tem mais uma agendada para o próximo dia 13, pede o impeachment, intervenção militar, mas não admite que sonha em ver Aécio – ou outro tucano – no poder. Seria melhor se assumisse o lado que tem, em vez de propagar uma neutralidade que já é inviabilizada pelo ato de questionar Dilma e o PT. Parece-me uma gente nacionalista, patriota, perfil do cidadão que já materializou momentos sombrios por aqui ou o nazismo e fascismo, regimes totalitários germinados na Alemanha e Itália, respectivamente. Esbravejar pelo impeachment e fechar os olhos para o massacre da PM paulista – a mando do peessedebista Alckmin – sobre estudantes secundaristas – sim, um governador ordenou que a polícia militar batesse em estudantes menores de idade – só põe em descrédito a primeira reivindicação. 12 pontos, e ainda vem mais.

Desde 1995, o PSDB trata a educação a cassetete em SP
[Foto: www.noticias.r7.com]
O governo que está no poder há quase 13 anos foi capaz de impor mudanças estruturais ao país, aquelas que nem o mais otimista dos brasileiros poderia supor. Tirou muita gente da pobreza, ampliou a classe média, botou mais grana no bolso da elite. O cidadão que andava a pé tem um carro. Permitiu ao morador de aluguel ter a sua casa própria. Tirou o passageiro do ônibus e botou no avião. Levou o sujeito que não saía de casa ao shopping, à praia, ao supermercado pra encher não a cesta, mas o carrinho. Colocou o negro, o índio e o pobre na universidade, lugar onde jamais se ousou botá-los. Agora, o PT se vê diante da incapacidade de manter aquilo que soube construir e que permitiu a Lula deixar a presidência com mais de 80% de aprovação, a melhor gestão em quase 130 anos de história republicana. Mais um ponto.

No ato que corre, restam-nos quatro possibilidades: ou Dilma cai por motivos políticos, e não jurídicos – o que seria golpe. Ou Dilma cai por motivos comprovados e criminalizados pela lei – o que seria um passo à frente na democracia. Ou Dilma fica na presidência com base na sua inocência comprovada, sem o cometimento de qualquer infração constitucional – o que seria um degrau acima no estado democrático de direito. Ou Dilma fica por motivos políticos, à base de acordos escusos, de conchavos canalhas – o que seria golpe. 14 pontos. Já basta.