quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

ROLEZINHO: a classe média com o cu na mão

Qual a diferença entre “o povo nas ruas”, de junho e julho de 2013 (sobre isso, http://semcensor.blogspot.com.br/2013/08/o-povo-nas-ruas-pm-e-o-jn-conheceram.html), e os “rolezinhos” que vieram à tona agora, em janeiro de 2014, com origem na periferia paulistana? O sujeito na mira da PM, talvez. Antes, de classe média, mereceu maior comoção por parte da sociedade. Hoje, preto pobre da zona leste, nem tanto. É como se uma voz antiquada, porém atuante, bradasse: “É isso aí! Essa gente tem que ser tratada assim”. A voz é da classe média, a que apanhou em meados do ano passado e agora faz vistas grossas à truculência policial, como é praxe sua quando a borracha come o couro da arraia-miúda. 

E por quê? Porque a periferia tomou o lugar burguês por excelência: o shopping. E a classe média – ainda mais a brasileira – é mesquinha em suas raízes mais medonhas: ela não admite que espaços seus sejam de mais ninguém. No fundo, ela pensa e reage como a elite. Só que há uma diferença, a de que a elite é composta por uma minoria. Sem querer ser didático, mas já sendo: nem todos os integrantes da classe média são reacionários, mas que boa parte dela é, parece não restar mais dúvidas.



Existe, é claro, um problema em lugares que concentram muita gente (de qualquer classe socioeconômica e racial): o ser humano tende a ficar mais corajoso e agressivo quando está em grupo, muito diferente das ocasiões em que se encontra sozinho ou com pouca gente ao redor. Os estádios de futebol e a sua violência generalizada mostram isso com exemplos aos montes. Assim, os shoppings se munem do argumento de que a multidão irá tumultuar o ambiente, e impede os adolescentes de entrar. Só que há um problema – grave, diga-se – nessa medida preventiva: ela discrimina.

E como é possível chegar a essa conclusão? A molecada vai na boa (sobre isso falam alguns participantes do movimento: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/rolezinho-nas-palavras-de-quem-vai.html). Ela não está lá com o intuito de barbarizar. É difícil afirmar se, conscientemente e na sua concepção, trata-se de um movimento político, mas ele o é na forma como se concretiza. A rapaziada se reúne e toma as dependências de shoppings para marcar terreno, com o intuito de afirmar sua existência, negada durante muito tempo pelos que estão do outro lado da corda, ou seja, pela classe média, a funcionar como testa de ferro das elites. Se a moçada vai para desafiar o contexto estabelecido – mesmo sem saber a dimensão social e política do ato –, o que os responsáveis pelos shoppings têm de fazer é se precaverem (sem impedir o vai-vem de ninguém), e não agir como se o movimento tivesse feito o que não fez – e nem é prerrogativa fazer. Reforçar a segurança é uma coisa, pois, lembremos, onde há muita gente a chance de tumulto aumenta. Expulsar e proibir a molecada de freqüentar o shopping é outra. Mesmo porque, se fosse um “rolê" da classe média, com os moços e moças vestidos de acordo com o que esperam as lojas de grife, provavelmente a medida preventiva não seria tomada. Embora neste caso também a segurança merecesse ser reforçada, porque uma multidão de ricos e medianos é capaz de fazer os mesmos descabidos que um aglomerado de pobres. Vide o congresso nacional, repleto de abastados...

Outra relação a ser traçada com os acontecimentos de junho/julho é a apropriação do movimento pela violência. Se o “rolezinho” ficar rotineiro – como deve ocorrer – pessoas sem o menor vínculo com a causa irão infiltrar-se para fazer o que não é intuito dessa rapaziada nova. O que a meninada quer é ser vista, e pra isso toma os locais de hábito daqueles que a excluem. E acontecerá o de sempre: “Gente pobre barbarizando? Segregação neles”. A mentalidade reinante é que, de antemão, o pobre merece se foder. Lembremos eternamente de Amarildo. (Para ler mais sobre o caso: http://semcensor.blogspot.com.br/2013/10/amarildo-o-boi-foi-uma-vitima-do-nosso.html).


Charge de Tiago Silva publicada no Humor Político

A justiça, criada para preservar a igualdade entre os indivíduos com base na lei – que é a mesma pra todos (é?) –, comete o crime hediondo do preconceito: impede jovens de ir e vir com o pretexto da possibilidade de tumulto (sim, possibilidade, porque a molecada, em momento algum, vandalizou). Eis a nossa tradição mais rasteira que não dá trégua. Quando as pessoas diferenciadas* gritam, o restante da sociedade treme, pois no fundo, no fundo, é do feitio das “famílias boas” (entenda-se “com dinheiro”) que tudo permaneça como está.

*Em 2010, essa foi a referência que os moradores de Higienópolis [aqueles contrários à construção de uma estação de metrô no bairro] usaram para se referir à população de mais baixa renda que passaria a circular pelas ruas do local. (Para ler mais sobre o caso: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/782354-moradores-de-higienopolis-em-sp-se-mobilizam-contra-estacao-de-metro.shtml).

Sátira sobre o Rolezinho, por Ralf Smith

4 comentários:

  1. Olha, eu nunca faço comentários aqui. Mas dessa vez eu tenho de fazê-los:

    1 - NÃO É SÓ NA ZL QUE TEM FAVELA TÁ! (HUM);

    2 - Até umas duas semanas atrás eu concordava plenamente com a opinião de que "pobre" tem direito a dar rolezinho SIM. Que o shopping é para todos. Até que, sábado passado fui até o shopping Plaza (Ipiranga - ZL) trocar uma bolsa na Le Postiche.
    Eu podia muito bem ter ido até o Paulista ou até o Mooca que são mais elitizados mas a preguiça foi demais (muito longe). Pois bem, troquei a bolsa, fui ao banco, jantei e estava indo embora quando vi, entrando em uma das lojas de móveis, uma 'gangue' de pessoas visivelmente provindas da área pobre (favelados pra vocês :P). Eles entraram na loja fazendo tamanho alvoroço, empurrando os móveis que estavam sobre pequenas bancadas. O susto foi tão grande que algumas senhoras que estavam dentro da loja negociando com os vendedores saíram pelo outro lado, e os próprios vendedores ficaram congelados de medo. Até eu ficaria. Dois seguranças vieram, um de cada lado, em uma rapidez enorme, antes que a coisa perdesse o controle.
    Eu como estava do lado de fora continuei meu caminho. Chegando á última escada rolante, desci abraçada com o meu namorado, enquanto na escada que subia paralela á nossa outra 'gangue' menor fazia algazarra, e começaram a nos ofender e a querer pular para a nossa escada, olhei desesperada para baixo e vi o segurança da entrada vindo ao meu encontro. Os 'rolezêros' também o viram e decidiram incomodar outra pessoa. Passei livre dessa, mas não sem passar um puta medo!

    3 - Não é preconceito. É medo mesmo! Se as pessoas que participam desses 'rolezinhos' soubessem se comportar em público, acredito que não haveria restrições!

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    1. Querida Nicoli, obrigado por visitar o blog.
      Nesse caso que você descreveu, estou de pleno acordo contigo. Se vira bagunça, tá errado. Esses movimentos não têm o direito de interferir na liberdade de ir e vir dos demais. Eu só acho que mesmo quando isso não acontece, a "nossa casta" tende a olhar torto pras pessoas marginalizadas que passam a ocupar agora lugares que, antes, só pertenciam à classe média. No mais, eu ainda acho que você está por trás de alguns desses movimentos e dos black blocks...rs. Beijo!

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  2. Thiago meu bem, agora sou uma pessoa assalariada e escravizada pelo sistema (sempre fui na verdade)! Quem me dera ter nascido em uma família burguesa onde meus estudos fossem pagos com dinheiro do papai magnata, tivesse aulas de piano desde pequena e só tomasse vinho importado e, o mais importante, TIVESSE TEMPO PRA FAZER PARTE DE BLACK BLOCK E O ESCAMBAL!
    hahaha.
    Todos somos anarquistas na adolescência!
    Beijo!

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  3. Mais uma vez, temos o mesmo ponto de vista. E não é de hoje! Dá uma olhada no post que publiquei nesse período:
    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=656162157758730&set=a.186740531367564.36753.100000948545366&type=1&theater

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