sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

SOBRE A FELICIDADE

A motivação primordial da vida é a felicidade. Razão pela qual os gregos, como Aristóteles, chamaram-na de eudaimonia, ou seja, o bem supremo ou sumo-bem. Para atingir a virtude máxima, era preciso que o indivíduo identificasse os seus talentos e soubesse aplicá-los em tarefas específicas. Em outras palavras, era incumbência de cada um botar em prática os dons que possuía. Só assim estaria alinhado com o kosmos (universo finito e ordenado). O escravo, ao contrário, não poderia jamais ser feliz, pois seus talentos inexistiam, motivo que levava importantes filósofos da antiguidade a defenderem a escravidão como forma de punição justa àqueles desprovidos de qualificativos. O escravo era, acima de tudo, um imoral.

Qualquer ação nossa tem como objetivo algo fora dela, da ação. Exemplo: quando pequenos, íamos à escola não por amor a ela, mas por obrigação. Vai-se à escola para aprender, pra depois ir bem na prova, pra depois passar de ano, pra prestar um vestibular concorrido, porque saindo das melhores universidades a chance de um bom emprego aumenta. Com um bom emprego, o salário é satisfatório, o que permite comprar carro, casa, fazer viagens. Qual a meta de tudo isso? A felicidade.


Perceba a distância que a felicidade mantém da escola, por quantas escalas devemos passar até atingirmos a dita cuja... É justamente por isso que você odiava ir à escola, o mesmo ódio que o seu filho, provavelmente, herdou de você. E esse é só um exemplo. Perceba também que a felicidade é o ponto final, o último nível de desejo a ser alcançado. Porque as pessoas te perguntarão qual a razão de ter um celular, um tênis moderno ou um carro de dez marchas. Mas a pergunta “por que você quer ser feliz?” não tem resposta. É a única a não possuir resposta. Muito simples: tudo o que fazemos é em busca dela, e ela, em si, se basta. E isso nos permite afirmar que a felicidade, ao contrário do celular, do carro, da casa, da viagem, do tênis, não possui utilidade alguma. Enfim, a felicidade é inútil.

Mesmo sem qualquer menção até aqui, você já deve ter concluído por que pessoas cometem suicídio. Quando alguém tem a exata certeza de que é incapaz de ser feliz, a vida perde qualquer sentido. É evidente que esta pode ser uma visão míope que a pessoa tem da própria vida. Talvez por achar – equivocadamente – que a felicidade seja algo indissociável da vida, quando, em suma, é exatamente o inverso. Buscamos a felicidade a todo momento e, a todo momento, ela tenta nos escapar, se faz efêmera, quase inédita, o que dá a ela um brilho especial, o que faz dela a nossa presa mais desejada. Se a felicidade fosse banal, que graça haveria em ser feliz?

Outro grego, Platão, explica muito bem por que somos, ao longo da vida, mais tristes do que felizes. Platão é um filósofo dualista e, como tal, crê que a vida seja dividida em corpo e alma (há uma possibilidade muito grande de que Cristo, 427 anos mais novo que o filósofo grego, tenha sofrido influência da filosofia platônica). Enquanto o corpo é matéria com início e fim, a alma preexiste à carne e não finda (e aqui há uma distinção frente ao pensamento cristão, pois o cristianismo defende que a alma nasce com o corpo e depois se perpetua, mesmo após a morte, ao passo que o platonismo banca as reminiscências, isto é, a alma já existe quando encarna. Por favor, não confundamos Platão com Kardec, em respeito a Atenas...).


A tese de Platão – que não tem qualquer comprovação empírica, assim como toda teoria metafísica – é simples: a alma sempre foi livre e autônoma, até que é aprisionada por um corpo, que possui limitações e que, à medida do tempo, fica pior. Está claro que se trata de duas instâncias completamente opostas. Ao longo da vida, a alma é, então, sacrificada em detrimento do corpo. O que é, pois, a morte? O momento em que a alma, eterna e perfeita, volta a ser livre, desprendendo-se do corpo, mortal e imperfeito. A vida é, logo, um sacrifício. Por isso, quando alguém brada aos quatro cantos que “a vida é linda, maravilhosa”, duvide. Certamente temos aí alguém acometido pela ignorância. O sujeito que tem uma noção, ainda que mínima, do que seja a vida sabe que a coisa não é tão cor-de-rosa assim.

A felicidade é tudo isso porque escorre. Quando desejamos que o momento se perpetue ou, ao menos, dure um pouco mais, ali está ela, sorrateira e acachapante. Não se iluda: em breve, muito antes do que você gostaria, ela se recolherá, para depois voltar. Ser feliz é a dura tarefa de reencontrar-se e perder-se, de decifrar as esfinges que carregamos. A angústia de todos nós são as questões insolúveis, as que nos fazem duvidar de que é possível ser feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário