quinta-feira, 2 de agosto de 2012

INCONTROLÁVEL: O RISO VEIO PARA CAUSAR DIVERGÊNCIA

Vamos combinar uma coisa: a comédia sempre vai atingir alguém. Se a obra homônima de Aristóteles, o Livro II da sua Poética, tivesse sobrevivido à Igreja, leríamos isso muito claramente. Mas se a piada bate numa pessoa ou instituição, deve haver algo a motivá-la. O oposto a isso pode gerar uma intromissão sem graça, gratuita ou ofensiva.

Parênteses ao sumiço da produção aristotélica sobre o riso. De acordo com Umberto Eco, autor italiano do livro O nome da rosa, que possui a sua versão cinematográfica com mesmo nome, o riso era abominado por parte influente do catolicismo porque ao rir o homem perde o temor a Deus. E quem não teme Deus, peca.

Falamos aqui de um livro produzido no século IV a.C. Como na época o que se tinha das obras era, na maioria das vezes, um manuscrito baseado no original, para cada livro existia apenas um único exemplar. E foi fácil à Igreja impedir que o exemplar solitário da Comédia de Aristóteles permanecesse intacto. Somente mais de um milênio e meio depois, por volta de 1450, Gutenberg inventa a prensa de tipos móveis, baseado em equipamentos anteriormente desenvolvidos no oriente, o que permitiu a produção em massa e seriada de material impresso.




Depois do grego, o precursor nos estudos sobre humor, outros tantos se arriscaram a produzir reflexões acerca da comédia. E é consenso entre os diversos pensadores que a piada é usada como artifício de vingança de uma pessoa ou um grupo ante uma situação adversa. A graça desestabiliza o inimigo, rompe o equilíbrio da oposição. Ou ela restabelece a igualdade? Ambos.

O brasileiro se delicia com piadas de português, por quê? Porque os lusitanos submeteram o Brasil a uma condição de inferioridade. Em contrapartida, rir do português é uma forma de invertermos a ordem das coisas, de buscarmos uma posição de privilégio na disputa.

As piadas de loira passam pelo mesmo processo. Quando um local dominado por mulheres morenas tem a presença de uma fêmea loira, os homens tendem a assediar a mulher “diferente”. Pelo fato de ser menos desejada, as não-loiras dão o troco fazendo chacota da oponente de pele mais clara e cabelos dourados, afirmando que as rivais não têm tanta inteligência.



No futebol? Com a sogra? O mesmo procedimento. Corintianos caçoam de palmeirenses quando estão em posição incômoda e a recíproca é procedente. Temos, então, uma máxima: a piada vem para zelar pelos desfavorecidos. Ao ver-se acuado, o atingido usa o humor como válvula de escape.

E quando a piada inverte a lógica e o humorista ofende quem já está em desvantagem? Com essa nova leva de comediantes ditos stand up, a graça faz o caminho inverso do costumeiro, não tendo a função obrigatória de trazer de volta ao páreo o perdedor. Ao contrário, agride-o ainda mais. E as polêmicas não são poucas, especialmente aos que adquiriram maior evidência nos últimos cinco anos, como são os casos de Rafinha Bastos e Danilo Gentili.

Por buscarem o riso demais, não são poucas as vezes que metem os pés pelas mãos. Outro ponto: o talento do humorista se mede pelo nível de risada que ele provoca no público, mas, não menos importante, pela forma como ele se apropria de tipos do cotidiano para fazer comédia. Essa é a parte mais difícil: em cima de elementos da vida diária (pessoas, eventos, instituições, pensamentos) fazer as pessoas rirem. Criatividade e imprevisibilidade contribuem para a plateia gargalhar, porque o que é inteligente e surpreendente agrada o ouvinte e desregula a sua expectativa. Resultado: a reação mecânica do corpo ao improvável é o riso.



O que pode gerar problema de compreensão é não ficar muito clara essa linha, que já é tênue, entre verdade e brincadeira. A piada é só uma piada, porém, como já dissemos, pode ser um realce à crítica. Neste caso, além do gracejo, vem com o intuito de discutir algo. No mais, não seria exagero ter maior atenção e talento ao brincar com morte, repressão, deficiência física ou mental, enfim, com alguém que já é vítima de alguma circunstância. Mais cuidado, não censura. O humor, dependendo do instrumento, é exemplo de manifestação artística, e essa é sempre bem-vinda.

Ao mesmo tempo em que libertou o homem da paranoia religiosa, o riso é ponto de discórdia entre quem emite a piada e o receptor, prova de que nem só de irreverência vive o humor. Não reajamos com reacionarismo diante de piadas. Normalmente quem as conta, brinca, munido de um personagem. Quando a piada soar conservadorismo, temos aí um indício de deslize do humorista. Ele não pode falar o que lhe vem à mente, até porque ninguém pode, já que mesmo em democracia o bom senso é sábio em vetar-nos os excessos. O politicamente correto é chato, monótono. Só que ele pode certificar o humor de que hora ou outra, ao invés de fazer rir, ele explora um igual indevidamente, com sensacionalismo, de forma a apoiar-se em alguém para dizer uma piada que corre o risco de nem ser engraçada.

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